Acordo para distrato de contratos imobiliários - uma armadilha para o consumidor.

16/05/2016. Enviado por em Consumidor

O que eu entendo por esta cláusula de 180 dias é que ela é abusiva e ilegal, pois viola frontalmente os artigos 39, XIII e 51 , IV do Código de Defesa do Consumidor.

Desde a data de 27/04/2016 a imprensa de modo geral vem noticiando o ”acordo” feito entre as entidades que representam as construtoras e incorporadoras, a OAB-RJ, o Tribunal de Justiça do RJ, entre outras, para procurar regulamentar a questão dos distratos de contratos imobiliários que cresceram vertiginosamente devido à crise econômica que atravessa o país.
 
Entre outras vemos as seguintes cláusulas do “acordo”:
 
O comprador pagará uma multa de 10% do valor do imóvel até o limite de 90% do valor pago;
O comprador perderá o valor do sinal e mais 20% sobre o que foi desembolsado.
 
Pergunto – Aonde está a vantagem para o consumidor?
 
A simulação feita em um desses artigos, do jornal O GLOBO (clique aqui) é a seguinte:
 
“Numa simulação em que o consumidor deu um sinal de R$5 mil e desembolsou 05 parcelas de mil reais, o reembolso seria de R$4 mil.“
 
Ora, o STJ tem determinado devoluções de 75 a 80 por cento dos valores desembolsados pelo comprados, ao passo que na simulação acima tal patamar está em 40%, e em muitos casos será menor.
 
O tal ”acordo” só existe para beneficiar as construtoras e incorporadoras, que, realmente atravessam um momento financeiro delicado, mas que lucraram bilhões quando o mercado de imobiliário estava aquecido.
 
Continuando, e reproduzindo o texto do artigo, temos:
 
“Entre os benefícios para os consumidores, o acordo cria ainda uma espécie de compensação em dinheiro, no caso de atraso na obra – que pela lei pode chegar a 180 dias”.
 
Lei? Que lei?  Por favor me corrijam os leitores e colegas se eu estiver errado, mas eu desconheço tal “lei”.
 
O que eu entendo por esta cláusula de 180 dias é que ela é abusiva e ilegal, pois viola frontalmente os artigos 39, XIII e 51 , IV do Código de Defesa do Consumidor, abaixo reproduzidos:
 
Seção IV 
 
Das práticas abusivas 
 
[A Lei n.º 8.884, de 11/06/1994, deu ao artigo 39 a seguinte redação:] 
 
Art. 39.  É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas:
....................................................
XIII — deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
 
Seção II
 
Das cláusulas abusivas
 
Art. 51.  São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
....................................................... 
IV — estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
 
Tal “acordo”, se é que podemos chamá-lo assim, viola o princípio da equidade nas contratações.
 
Imaginemos agora a situação contrária, o consumidor comunica à construtora ou incorporadora que deixará de pagar durante 180 dias e nenhuma sanção será imposta a ele. Será que essa proposta seria aceita?
 
Tal cláusula, que o artigo cita com lei é tão abusiva que o  Ministério Público de SP, através da Promotoria do Consumidor ajuizou duas Ações Civis Pública (ACP) contra empresas de construção e incorporação imobiliária para que elas deixem de fixar prazos que desfavorecem os consumidores e sejam punidas por atrasarem a entrega dos imóveis” – Na sua exordial o Promotor Paulo Sérgio Cornacchioni sustenta o seguinte:
 
“É que a data que em contrato a ré estabelece à guisa de “prazo” não é a data até a qual sua obrigação de entrega deve ser cumprida e a partir da qual se caracteriza a sua mora. Assim, porque a ré prevê uma tolerância de 180 dias para atraso na entrega, período durante o qual o contrato dispões não haver qualquer consequência resultante da entrega além da data “aprazada”...............Essa tolerância, aliás, não é estabelecida também em favor do consumidor........Constitui uma desfiguração da data prevista para a entrega como como um efetivo prazo para a entrega”
 
Continuando.... ”Ocupa a ré (construtora) de tal sorte, posição privilegiada em seu negócio como fornecedora de consumo, pois para sua obrigação principal, entrega do imóvel, não há prazo efetivo.; e mesmo considerada a entrega para além da tolerância contratual, não há fixação de multa moratória. O que temos em síntese é um contrato de consumo que privilegia o fornecedor, em detrimento do consumidor, que é justamente a parte vulnerável da da relação jurídica (CDC , Art. 4.º, I) colocado assim em desvantagem exagerada.”(1)
 
Concluindo, para não me estender demais e correr o risco me tornar enfadonho, pois o tema poderia, e com certeza renderá muitos debates jurídicos, tal ”acordo”, além de beneficiar unicamente as construtoras, viola a Súmula 543 do STJ:
 
Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
 
Pensemos, as construtoras lucraram bilhões com o boom do mercado imobiliário nos últimos anos e, agora em crise, querem repassar o seu prejuízo aos compradores devolvendo a eles uma parcela ínfima do que foi pago e, ainda ficando com o imóvel pronto para ser vendido novamente assim que a crise passar, e todas as crises passam!
 
Lamentável apenas ver entidades que deveriam, pelo menos em tese, defender os direitos dos consumidores, advogando em prol dos grandes grupos econômicos sob o pretexto de quebra do setor.
 
Última pergunta – Aonde fica o livre mercado??????
 
Líbero Coelho de Andrade Filho é advogado especializado em Direito do Consumidor e Imobiliário no RJ.  

(1) [Direito Imobiliário, Teoria e Prática, Luiz Antônio Scavone Junior, 9.ªEd., 2015, pg. 211 e 212] 

Assuntos: Compra de imóvel, Contrato de compra e venda de imóvel, Direito Civil, Direito do consumidor, Direito imobiliário, Direito processual civil, Distrato de compra e venda, Imóvel na planta, Problemas com produtos/serviços


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