Controle do poder administrativo fiscal no direito aduaneiro

16/06/2013. Enviado por

O trabalho aborda o exercício do poder de polícia fiscal por parte do Estado e o limite que separa a discricionariedade administrativa da arbitrariedade junto as empresas que atuam no comércio exterior.

CONTROLE DO PODER  ADMINISTRATIVO FISCAL

O freio para que o poder-dever de fiscalizar  do Estado não acabe conspurcando direitos fundamentais se concentra no principio oriundo do Comon Law, denominado substantive due processo of law , o qual conjuga vários princípios que regem os atos administrativos como da legalidade, proporcionalidade, eficiência, motivação, boa-fé, dentre outros.

O principio do  due process of law  é concebido como uma válvula reguladora entre a liberdade individual e as imposições das autoridades e recepcionado em nosso direito com duas concepções:  a adjetiva, que garante aos cidadãos um processo justo e  a substantiva que declina a competência a ser exercida pelo Judiciário para proteger a supremacia da Constituição, afastando a aplicabilidade de leis ou de atos governamentais na hipótese de os mesmos serem arbitrários, criando o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa, visando a distribuição da justiça de forma que a Constituição seja o fio condutor para tanto.

Este estudo abordará o principio do due processo of law no seu sentido substantivo, qual seja, instrumento através do qual caberá ao judiciário agir como guardião da Constituição assegurando ao cidadão que, os direitos fundamentais lá esculpidos, sejam observados pela autoridade na relação Estado-cidadão, evitando a arbitrariedade,  a injustiça ou a deslealdade.

Como se percebe na introdução histórica desta matéria, foi expressiva a  importância da Constituição americana e da Declaração dos Homens e dos Cidadãos (Bill Of Rights) para a solificação do  exercício da democracia no mundo.  A referida Constituição americana de  1215, que inicialmente se reservava a proteger os interesses dos nobres ingleses, deu origem a 5ª Emenda àquela Constituição datada de 1787, inserindo a  cláusula do due process of law, cuja transcrição do artigo se faz oportuna, vejamos: "That no man of what estate or condition that he be, shall be put out of land or tenement, nor taken, nor imprisoned, nor desinherited, nor put to death, without being brought in answer by due process of law", cuja tradução seria: "Nenhuma pessoa, qualquer que seja sua condição, será privada de sua terra ou moradia, nem de sua liberdade, nem deserdado, nem submetido a pena de morte, sem que antes responda ao devido processo legal."

O reconhecimento, interpretação e aplicação do substantive due processo of law em nosso país, vem ocorrendo de forma gradativa, inicialmente qualquer argumentação jurídica neste sentido era entendida como referencia ao justo processo; na forma adjetiva, posteriormente foi reconhecido como princípio que facultava ao Judiciário o controle da legalidade, para posteriormente adquirir o sentido amplo que engloba os demais princípios que regem a atuação administrativa, relativos à proporcionalidade, adequação, eficiência, motivação, todos visando regular a discricionariedade no âmbito da administração pública, traduzindo a idéia de liberdade e de limitação ao mesmo tempo.

As decisões do Supremo Tribunal Federal do Brasil, bem demonstram essa evolução, tanto que o  Ministro Orosimbo Nonato, em 1951, no célebre julgamento do Recurso Extraordinário n. 18.331, até hoje mencionada nos julgados ou na doutrina,  faz menção ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, in verbis:

"O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e como o direito de propriedade. É um poder cujo exercício não deve ir ater o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do détournement de pouvoir"[1]

Já, em 1961 o Excelso Pretório, ainda titubeante quanto a abrangência do princípio em exame, assim se pronunciou:

"A iniqüidade, embora patente, não é das que nós juízes, possamos corrigir"... "como disse o grande Holmes, na Corte Suprema dos Estados Unidos, o juiz não pode substituir pelas suas as concepções de justiça do legislador.

..............sic....................

O que o juiz pode fazer é deixar de aplicar a lei injusta toda vez que a sua letra ou seu espírito isso autorizem".[2]

Em que se pese a precisão da r.decisão acima exposta, discordamos deste posicionamento por não ter atendido  o fim precípuo do Poder Judiciário: a distribuição da Justiça. Não resta dúvida que,  se a norma revelar-se tisnada pelo vício da irrazoabilidade ou desproporcionalidade, configurado está  o excesso de poder em que incidiu o Estado, o que compromete a própria função constitucional inerente à atividade de positivação do Direito, pois o princípio da tripartição dos poderes não autoriza ao Estado a aplicação de normas injustas, revestidas de conteúdo arbitrário,  que maculem os direitos fundamentais do cidadão,  podendo o Judiciário declará-la inconstitucional visando preservar o Estado Democrático de Direito.    

Veja que, em 21 de fevereiro de 1968, o STF declarou a inconstitucionalidade de norma constante da Lei de Segurança Nacional, Decreto-Lei n. 314, de 1967, que obstava ao acusado que desempenhasse a prática de qualquer atividade profissional ou privada, o reconhecimento da desproporcionalidade da referida restrição se pode ler na seguinte passagem do voto então proferido pelo Ministro Themístocles Cavalcanti:

"Infelizmente não temos em nossa  Constituição o que dispõe a Emenda nº 8 da Constituição Americana, onde se proíbem a exigência de fianças excessivas, as penas de multa demasiadamente elevadas e a imposição de penas cruéis e fora do comum ou de medida (cruel and unusual punishment).

Os intérpretes consideram como tal, por exemplo, a morte lenta, mas entendem também que o conceito deve evoluir porque "cruel" não é uma expressão técnica, com significação definida em direito e que deve evoluir com o aperfeiçoamento do homem, as exigências da opinião pública e a proporção entre o crime e a pena.

É possível que em determinado momento se chegue a condenar a pena de morte, como cruel (Pritchett, The American Constitution, p. 527).

No caso Trop versus Dulles (1958) Justice Warren entendeu, a meu ver com razão, que a idéia fundamental da Emenda nº 8 é a preservação da dignidade humana.

Não temos preceito idêntico, porém, mais genérico e suscetível de uma aplicação mais ampla, temos o § 35 do art. 150, reprodução de Constituições anteriores que dispõe: A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes  do regime e dos princípios que ela adota".

Ora, a Constituição vigente, como as anteriores no quadro das garantias individuais e sociais, procurou seguir as exigências de aperfeiçoamento do homem e o respeito à sua integridade física e moral. A preservação de sua personalidade e a proteção contra as penas infamantes, a condenação sem processo contraditório, a supressão de algumas penas que se incluíam na nossa velha legislação penal, a afirmação de que somente o delinqüente pode sofrer a pena, sem atingir os que dele dependem, definem uma orientação que qualifica perfeitamente o regime e os princípios fundamentais da Constituição.

O preceito vem da Constituição Americana, Emenda IX - nela foi inspirado e foi introduzido na nossa primeira Constituição Republicana, com o receio de que a enumeração pudesse levar o intérprete a entender que por serem discriminadas essas garantias quaisquer outras estariam excluídas.

Mas o preceito é de  maior alcance, porque ele atinge numerosos direitos não enumerados e que representam conquistas do progresso humano no domínio das liberdades. A lista desses direitos vem crescendo há séculos.

O objetivo da lei foi inverso a essa tendência, porque procurou aumentar o rigor da repressão desses crimes, intimidando com medidas que atingem o indivíduo na sua própria carne, pela simples suspeita ou pelo início de um procedimento criminal fundado em elementos nem sempre seguros ou de suspeitas que viriam a se apurar no processo.

Nesse particular, a expressão de medida cruel, encontrada no texto americano, bem caracteriza a norma em questão, porque, com ela, se tiram ao indivíduo as possibilidades de uma atividade profissional que lhe permite manter-se e a sua família.

Cruel quanto à desproporção entre a situação do acusado e as conseqüências da medida.

Mas não só o art. 150, § 35, pode ser invocado. Também o caput do art. 150 interessa, porque ali se assegura a todos os que aqui residem o direito à vida, à liberdade individual e à propriedade.

Ora, tornar impossível o exercício de uma atividade indispensável que permita ao indivíduo obter os meios de subsistência, é tirar-lhe um pouco de sua vida, porque esta não prescinde dos meios materiais para a sua proteção”.[3]

Na decisão acima é possível destacar que a idéia de proporcionalidade da restrição imposta pelo Poder Público já tinha ares de princípio constitucional, que viria a ser consagrado na constituição de 1988.

O princípio da proporcionalidade, pouco a pouco, veio solidificando-se em nosso sistema constitucional ganhando autonomia como dimensão específica do princípio do substantive due processo law. Vale ponderar que, a idéia de proporcionalidade do ato administrativo está agregada a razoabilidade e adequação  da decisão administrativa. 

Depois da Constituição de 1988, pela consagração da cláusula do devido processo legal  pelo art. 5º, LIV,   inúmeros foram os julgados de nossa Corte Suprema que distribuíram justiça sob o comando da dimensão material do  princípio em tela, estancando a arbitrariedade do Estado e protegendo os direitos fundamentais do cidadão, gerando respeito e segurança jurídica ao povo. Refreando à edição de atos normativos revestidos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.

Como bem menciona o ministro Celso de Mello[4], a essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação ou de regulamentação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades normativas do Estado, que este não dispõe de competência para atuar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.

O STF tem prestigiado a edição de normas que se revelem proporcionais e justas, restringindo a interveniência do Estado na iniciativa privada, ao assim decidir a suprema corte vem primando pelo ajuste perfeito entre os direitos fundamentais do cidadão e os interesses do Estado, diferenciando o que é interesse público e o que é interesse do Estado, os quais nem sempre são sinônimos, como já ventilamos acima.

É fácil concluir pelo até aqui exposto, que o princípio do devido processo legal substantivo, originado do direito americano, tem servido de fio condutor  para que haja um perfeito equilíbrio entre estes interesses.

De todos os ramos de atuação estatal, o âmbito  fiscal é o que mais padece de excessos e que produz com mais freqüência  o desvio de interesse público para  o interesse do Estado. Pelo que, impedir esta confusão de interesses  e proteger os interesses de toda a comunidade como reflexo da Constituição, é missão indelegável de todo jurista responsável. A denúncia destes excessos, não de forma genérica e retórica, mas sinalizando problemas concretos no sentido de manter o poder fiscal às normas comuns do Estado Democrático de Direito é um grande começo.

A falta de segurança jurídica que os contribuintes sentem face ao arcabouço de normas fiscais instáveis e ininteligíveis deve ser corrigida, através  da exigência de normas dotadas de um mínimo grau de precisão quanto a realidade social a que se referem, e um razoável grau de abstração e generalidade, sendo menos prolixas e casuísticas,  tornando-as menos mutáveis,  visando não só a  segurança jurídica como a defesa da igualdade.     

Um ordenamento jurídico em constante mudança, obscuro e confuso,  regido mais por caráter político e eleitoreiro, vem em desfavor do contribuinte que no mais das vezes acaba  prejudicado, seja  pelo excesso de rigorismo, seja pela presunção de culpa do mesmo pelo Fisco, seja pelo excesso de prazo para conclusão dos procedimentos fiscais, seja pelo desmembramento criminal que qualquer inconsistência contábil possa apresentar e outras inúmeras hipóteses que em nossa vida profissional temos assistido.

Por sorte temos em nosso país juristas comprometidos com a realização da Justiça e conhecedores do Direito,             preocupados em corrigir esses desmandos, tome-se como exemplo a decisão da Desembargadora Federal Maria Lucia Leria, abaixo transcrita:

TRIBUTÁRIO. APREENSÃO DE BENS. EQUIPAMENTOS DE SONORIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO USADOS. PRAZO PARA O ANDAMENTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. 60 DIAS. EXCESSO DE PRAZO. NULIDADE DA AÇÃO FISCAL.1. A ação fiscal inicia-se a partir da apreensão das mercadorias - utilizadas para a sonorização e iluminação de eventos sociais -, na forma do disposto no art. 7º, inc. II, do Decreto 70.235/72. 2. A demora na entrega dos bens - apreendidos pela Polícia Federal em face da não comprovação de regular importação - não pode ser atribuída ao impetrante. 3. Decorrido o prazo de sessenta dias, previsto no art. 7º, § 2º, do Decreto 70.235/72, sem manifestação da Receita Federal tendente a dar andamento ao processo, ou pela prorrogação do prazo por igual período, a apreensão passa a constituir ato abusivo e ilegal, em ofensa aos princípios insculpidos nos incisos XXII e LIV do art. 5º da Constituição Federal. 4. Nesses casos, a ação fiscal deve ser declarada nula, em face da perda de validade do ato de apreensão, determinando-se a imediata restituição dos bens ao impetrante, que deles depende para o  sustento próprio e de sua família. A TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL (TRF4-Acórdão Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA  Relator MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA. Processo: 1999.71.06.001306-0 UF: RS   Data da Decisão: 23/05/2002 Orgão Julgador: PRIMEIRA TURMA  DJU DATA:12/06/2002 PÁGINA: 208)

Certo é, que o interesse da Fazenda Pública não pode se  sobrepor a qualquer outro, como pretende fazer crer alguns agentes do Fisco, pois se assim fosse estaria dado o primeiro passo para o desmantelamento do Estado de Direito, pois de curial importância a consciência de que as garantias constitucionais  são dispostas de forma à proteger a liberdade das pessoas contra o arbítrio do Estado.

Os agentes estatais enquanto representantes do Estado, devem ter como primeira preocupação a preservação do interesse público verdadeiro, em observância erga omnes a inviolabilidade das garantias e dos direitos individuais, não podendo aparecer, ele mesmo, como agente violador. Ora se, o Estado visa precipuamente fazer com que o exercício do poder político não elimine o necessário espaço de liberdade individual, não se pode conceber que as autoridades promovam atos ilegais e injustos ou ainda  que apliquem injustamente  leis, mesmo que justas. Como esclarece Sundfeld[5] “ao Estado de Direito não basta a submissão das autoridades públicas à lei - senão, é evidente, a superioridade da lei seria um fim em si.   Fundamental que o sistema sirva à preservação da liberdade.  O princípio da mínima intervenção estatal na vida privada exige, portanto, que: a) todo condicionamento esteja ligado a uma finalidade pública, ficando vetados os constrangimentos que a ela não se vinculem; b) a finalidade ensejadora da limitação seja real, concreta e poderosa; c) a interferência estatal guarde relação de equilíbrio com a inalienabilidade dos direitos individuais; e d) não seja atingido o conteúdo essencial de algum direito fundamental.”

Não se pode perder de foco que não basta ao cidadão a possibilidade de se valer do Judiciário interpondo a medida judicial cabível, necessária se faz, para  garantia do direito,  a tutela judicial efetiva, quer dizer,  evitar o dano ao bem da vida tutelado. Uma empresa que tem suspensa indevidamente suas atividades pelo Fisco, uma mercadoria paralisada por excesso de rigorismo no desembaraço aduaneiro, a inscrição da empresa  junto ao CADIN, a  execução fiscal sobre valores discutíveis, são algumas  possibilidades em que o cidadão sofrerá danos irreversíveis se não obtiver do Judiciário uma resposta eficaz.

Não se está a dizer que todas as intervenções do Fisco são eivadas de abuso, mas que na dúvida e antes que se tenha prova específica e robusta contra o contribuinte, este não poderá sofrer qualquer arranhão em sua esfera pessoal ou patrimonial. Se  trata de evitar, que os organismos fiscais e seus agentes possam atentar contra a esfera de liberdade e segurança que a todos se deve garantir, para a efetiva aplicação da Constituição. 

O sistema fiscal e tributário deve estar submisso à lei e ao direito, com um sistema efetivo de exigência de responsabilidades pessoais ao funcionário público que causar dano indevido ao contribuinte ou com esta conduta concorrer ou for conivente por ação ou omissão.

Vale lembrar aqui a referencia de Ferreiro Lapatza[6], ao elaborar prólogo de recente obra jurídica intitulada “Protección Constitucional  de Los Contribuintes”,  ao “modelo americano” pelo qual a modificação da lei americanas serviram para  recortar os poderes do Fisco, sendo que quando da  apresentação deste projeto ao Congresso americano,  o então presidente Clinton assim se pronunciou: “como a maioria dos americanos, me sinto sinceramente contrariado com a história de nossos cidadãos, acusados e humilhados, pelo que para eles é uma poderosa, incontrolável e frequentemente surda   agência estatal.”

Como se vê o controle do poder fiscal exige uma conscientização real do problema, não só através da divulgação dos direitos e deveres do cidadão contribuinte, como dos instrumentos constitucionais existentes para estancar possíveis abusos, bem como da conscientização de que o Judiciário é o guardião da Constituição e aquele que restabelece a ordem das coisas pela distribuição da Justiça.

Como já dizia o italiano Pietro Virga[7] e “na doutrina constitucional acentua-se a tendência de tratar de temas em lugar de abordar problemas”. A crítica é válida, vez que a questão é antiga, mas ainda pendente de solução. Os mecanismos constitucionais de controle do poder embora existentes, tem tido resultados parcialmente satisfatórios, uma vez que o exercício destes está condicionado à múltiplos fatores, tais como, processos políticos e eleitorais, descentralização administrativa. e principalmente relacionado à aspectos sociais, face a  necessidade de uma visão crítica do Fisco pelo contribuinte e da ciência  de seus direitos e deveres, o que só ocorrerá com um trabalho basilar árduo, intronizando  a conscientização de cidadania em cada indivíduo.

Outra questão que merece destaque, por demais injusta e abusiva, é a inversão dos princípios processuais face a atribuição iuris tantun às afirmações dos agentes fiscais em detrimento aos argumentos do contribuinte, que, no mais das vezes, se encontra numa relação de subserviência. Não só com relação ao regime de arrecadação, mas como e principalmente, na investigação das pessoas jurídicas as quais, tem sofrido, com a “presunção da culpabilidade” e com a chamada “presunção legal”.

A presunção é o resultado de um processo mental, um processo lógico resultante da associação que se forma entre determinado fato e um fato desconhecido..

Para  Leonardo  de Paola[8] “os meios de prova são os fatos, os acontecimentos do mundo real, os documentos, os depoimentos, os indícios, não podendo um processo mental, como o é o juízo presuntivo, ser inserido em tal categoria.”

A presunção é o resultado de um processo mental, um processo lógico resultante da associação que se forma entre determinado fato e um fato desconhecido, mas que tem relação direta com aquele. Há que existir uma correlação lógica entre o fato e o resultado.

O princípio da presunção de inocência vem contido no art. 5º, LVII da CF, pelo qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

No processo administrativo fiscal incide o mesmo princípio, que possui uma presunção juris tantum, podendo ser elidida ou afastada mediante “a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a garantia da ampla defesa.”

Na área aduaneira o problema é tanto mais grave, sob a tônica  do combate à evasão de divisas e à operações fraudulentas, qualquer inconsistência de digitalização nos documentos que acompanham a carga a ser exportada ou importada se transforma em “fraude fiscal”, causando toda espécie de dissabores aos já sofridos empresários brasileiros.

O  direito constitucional da empresa de exercer suas atividades não pode ser tolhido por decisão administrativa desprovida de fundamento técnico e patentemente parcial, arraigada apenas em falácias e ilações do agente fiscal, pelas chamadas “presunções legais”.

Comunga da mesma óstia Luiz Eduardo Schoueri[9], no que se refere à utilização de presunções em substituição das provas concretas para fundamentar as decisões do Fisco:

“...a razão por que não cabe o emprego de presunção simples em lugar das provas é imediata: estando o sistema tributário brasileiro submetido à rigidez do princípio da legalidade, a subsunção dos fatos à hipótese de incidência tributária é mandatória para que se dê o nascimento da obrigação do contribuinte. Admitir que mero raciocínio de probabilidade por parte do aplicador da Lei substitua a prova é conceber a possibilidade – ainda que remota diante da altíssima probabilidade que motivou a ação fiscal – de que possa existir um tributo sem que necessariamente tenha ocorrido o fato gerador.”

Sendo o procedimento fiscal uma lide onde o órgão que investiga é o mesmo que julga a tendência à parcialidade  é patente, daí decorrendo o desvio ou abuso de poder, como já se manifestou a doutrina, senão vejamos os ensinamentos da Professora Marisa Zandonai Moreira[10]:

“O Contencioso Administrativo junto ao Poder Executivo não é um sistema vantajoso, a uma porque, se não tiver definitividade nas decisões, na prática será equiparado ao que temos hoje e a duas, porque, se houver esta definitividade, implicará em derrogação do sistema de jurisdição una e com ele, as conquistas do administrado em termos de confiabilidade e garantia do controle.

Nesta linha, fácil denotar que a idéia de instituir a própria Administração como juiz de seu contencioso, tem, sem sombra de dúvidas, sérios defeitos.

Dentre eles, a mesma autoridade que supervisiona as atividades de fiscalização e arrecadação é incumbida de julgar os litígios fiscais em nível administrativo, redundando em uma visível incongruência entre as duas funções, de forma que não há como se exigir imparcialidade, quando a um mesmo agente público são atribuídas duas funções antiômicas, quais sejam, a de representante do fisco e a de juiz de litígios, onde o próprio fisco encontra-se envolvido como parte.“A Fazenda atua com dupla função: parte e julgador; não é possível falar-se, então, num processo escorreito e sem privilégios.”[11]

O Fisco ao imputar uma falta ao contribuinte deverá ter um mínimo de prova material para suportar suas alegações, não podendo se  valer apenas de presunções e suposições, o que contraria os mais basilares princípios do procedimento administrativo, tornando-o nulo.

Ao tratar das Presunções no Direito Tributário o já mencionado Professor Leonardo de Paola[12], esposa tal entendimento, confira-se:

“Fala-se em ônus da prova subjetivo no sentido de distribuição dos encargos probatórios entre as partes. Nessa acepção, ante o caráter inquisitivo do processo administrativo, não se pode admitir que ele possa recair sobre o contribuinte, e isso porque “a inexistência de um princípio de investigação tem por efeito abrir uma via autônoma para o carrear dos factos para o processo, não permitindo, assim, o estabelecimento de uma relação de dependência entre a actividade da parte e a obtenção de um certo resultado.”[13]

Assim, mesmo fatos que favorecem o contribuinte (que configuram isenções, por exemplo) devem ser, oficiosamente, investigados pelo Fisco. No máximo, bastaria ao contribuinte alega-los.

Ocorre que – e é que mais nos interessa – pode-se falar em “ônus da prova” sob o ângulo objetivo. Nesse sentido, é “uma injunção ao juiz sobre como ele há de decidir sempre que não possa afirmar ou negar com segurança factos juridicamente relevantes”[14]. Por outra, é a regra que determina o conteúdo do julgamento de mérito quando certos fatos não são provados.[15] Ou ainda: “Trata-se de saber que factos deverão focar provados, e não quem terá de os alegar.”[16]

Ora, o ônus da prova existe afetando ambas as partes litigantes, não cabendo a qualquer delas manter-se passiva, apenas alegando fatos que a favorecem, sem carrear provas que os sustentem.

Ademais, a “presunção legal”, que também pode ser chamada de “presunção juris tantum” apenas é válida em juízo até que a parte investigada conteste e impugne as alegações trazidas pela Administração Pública, devendo o ônus da prova recair sobre quem acusa, pois para uma condenação devem haver provas concretas, não cabendo a invocação da “presunção juris tantum”.

Interessante se faz ressaltar os apontamentos da doutrina quanto ao tema, conforme segue:

‘’Quando do julgamento do processo administrativo fiscal, após verificados os elementos de prova e subsistindo dúvidas, o feito se apresenta sem força suficiente para ensejar a condenação do contribuinte. Apenas a existência de indícios ou presunções não pode caracterizar o crédito tributário. Qualquer indício deve ser necessariamente provado, já que se não for provado, não será sequer indício, ou seja, se não houver conexão entre o indício e o fato relevante para a aplicação da lei, não se configurará o indício. O indício é apenas um ponto de partida, um meio para se chegar a uma presunção. Como possui valor probatório inferior às presunções, não pode ser utilizado individualmente. São sinais que devem ser fundamentados por provas outras coligidas pelo Fisco. São equivalentes a um começo de prova insuficiente para a instituição de qualquer exação. As presunções, por outro lado, ancoradas em lei, podem a ser utilizadas para provar o fato, mas não constituem prova segura e como tal não fornecem ao julgador a certeza necessária para alicerçar o crédito pretendido pelo Fisco. Não há, nesta matéria, disponibilidade ou autonomia da vontade. A obrigação é ex lege e de Direito Público, absolutamente inderrogável. Mesmo quando é a lei que estabelece em favor de determinada situação uma presunção juris tantum, está apenas indicando que para a referida situação haveria dispensa de ônus da prova aquele que a tem a seu favor, nada mais. Quem a invoca, no entanto, deverá obrigatoriamente demonstrar que está em condições de invocá-la, podendo a outra parte trazer elementos seguros de prova em contrário.’’[17]

Como uma das causas de exclusão da ilicitude encontra-se a boa fé, que atua em todos os departamentos do direito positivo, o que inclui, portanto, o direito tributário e administrativo.

A recepção do princípio da boa-fé no âmbito do direito administrativo e tributário é um imperativo que visa a flexibilizar o exercício do poder de punir diante da complexidade do sistema de direito positivo.

Para manutenção da segurança jurídica,  o cânone constitucional da boa-fé merece respeito, cujos procedimentos fiscais passam ao largo.

Em que se pese, ter o Fisco a função essencial de transferir recursos do setor privado para o público, a função de orientação e facilitação ao cumprimento das obrigações tributárias pelo contribuinte também é inerente a sua atividade, sob a tônica de que orientar é melhor que punir. Evidente que caberá ao fiscal julgar, a partir da análise da contabilidade e das condições da empresa, se houve sonegação e se esta foi voluntária ou mero fruto de erro ou desconhecimento de detalhes da legislação.

Oportuno se faz destacar a diferença entre erros contábeis e fraudes fiscais, sendo que aquelas em hipótese alguma devem ser punidas, mas sim corrigidas, e estas, indubitavelmente repreendidas de acordo com a legislação e juízo competente. O Ilustre jurista Samuel Monteiro[18] é extremamente elucidativo quanto ao tema, in verbis:

“Enganos são toleráveis (aí compreendidos: erros, falhas, lapsos, omissões),  uma vez corrigidos, são perdoados.

Não existindo nos mesmos o intuito evidente, patente; a vontade consciente de mascarar e simular, de confundir o Fisco, os sócios, os acionistas, credores, etc., nem obter vantagem ilícita (v.g. com a redução ou supressão de impostos, com o postergamento ou diferimento de impostos não autorizado expressamente por lei; ou com prejuízo causado ao INSS e ao empregado, pelo não registro do mesmo, etc.) não há que se falar em fraudes fiscais, porque ausente o elemento-mor das mesmas: o dolo.

(...)

Não se admite, pois, qualquer pré-julgamento do fato, qualquer opinião de leigo – inclusive e principalmente dos Fiscais não Contadores que, precipitadamente, derem àqueles fatos conotação empírica, açodada, própria de quem “ouviu o galo cantar, mas não sabe onde...”(MIRANDA VALVERDE)”

Desta forma, caso o Fisco não logre êxito em  comprovar as irregularidades apontadas contra a empresa, baseando-se em meras “suposições” e “presunções” infundadas, não poderá restringir  os direitos da mesma, ou encontrando irregularidades as mesmas consistam em erros  contábeis e passíveis de correção, a sanção fiscal deverá ser proporcional e para aferição da mesma deve-se ponderar a boa-fé do contribuinte. Sempre tendo em mente a  aplicação  da pena menos onerosa e que mantenha a atividade do sujeito passivo da obrigação tributária, pois tirar-lhe o meio de sustento é de certa forma tirar-lhe a vida, considerando aí  o princípio da livre iniciativa e a proteção constitucional à  propriedade.

Neste diapasão já entendeu o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, in verbis:

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE FATO DA EXPORTADORA. IMPOSSIBILIDADE. A pena de perdimento só tem lugar quando comprovada, através de procedimento fiscal investigatório ultimado, garantida a defesa administrativa e os princípios a ela inerentes, a intenção dolosa do importador ou eventual benefício por ele auferido no negócio inquinado de irregular. Apelação provida. (TRF4, APMS N.º 2002.72.08.002150-8/SC, 1ª TURMA, DES. JUIZ WELLINGTON M DE ALMEIDA, DJ 05/11/2003).

É correto afirmar que a aceitação da presunção, suposição ou indícios  como suficientes para embasar uma condenação ao contribuinte, compromete o princípio da  segurança jurídica e assim a própria democracia de um  país. Os princípios constitucionais e os direitos fundamentais não podem estar arraigados em um ramo do direito e destacado de outro, como ocorre no direito fiscal, sustenta Alterini[19]: “a exigência de segurança é própria da condição humana, visa dar  certo grau de certeza e estabilidade em uma determinada situação, geradora de confiança e que se opõe a situações angustiantes de incerteza, intranqüilidade e falta de proteção”.

A exigência de segurança também se manifesta no mundo jurídico e por isso temos a  chamada “segurança jurídica”, cujo conceito foi claramente expressado peloa já mencionado jurista argentino, desta forma: “...cuando el sistema ha sido regularmente establecido en términos iguales para todos, mediante leyes susceptibles de ser conocidas, que sólo se aplican a conductas posteriores-y no previas- a su vigencia, que son claras, que tienen cierta estabilidad, y que son dictadas adecuadamente por quien está investido de facultades para hacerlo”.[20]

Para que se alcance a segurança jurídica se faz necessário que os direitos declarados no ordenamento jurídico possam fazer-se efetivos, utilizando-se o aparato judicial contra aqueles que pretendam desconhecer ou controverter os mesmos.

Desta forma, qualquer desvio ou excesso de poder cometido pelo Fisco poderá e deverá ser corrigido pelo Judiciário. A questão nevrálgica é identificar e aquilatar esses possíveis abusos, vez que quando da leitura de qualquer procedimento fiscal a linguagem técnica utilizada pelos fiscais e a cambiante legislação que rege a matéria dificultam sobremaneira mensurar uma  possível  atitude abusiva  do fiscal.

 A fiscalização do Poder Judiciário sobre toda a sociedade e sobre os atos públicos se impõe como única alternativa para preservação da Democracia, sem que se caracterize uma indevida ingerência de um poder sobre o outro.

O festejado autor Mauro Roberto Gomes de Mattos[21] trata com propriedade sobre o tema com os seguintes apontamentos:

“Dessa forma, qualquer ato administrativo sofre a influência direta dos princípios objetivos e das normas constitucionais, sem que com isto haja uma indesejada alteração da independência de um Poder sobre o outro. Cabe ao Poder Judiciário, como responsável pela salvaguarda da Constituição, fiscalizar o fiel cumprimento dos ditames constitucionais. Surge a inafastabilidade do controle jurisdicional, que segundo Zaiden Geraige Neto,[22] possui a obrigação de dizer se o ato discricionário foi exercido dentro da sistemática constitucional vigente.Concluímos, por fim, pela plena penetrabilidade do ato administrativo discricionário, que não poderá ficar imune ao controle judicial, máxime quando envolver o critério de conveniência e de oportunidade, pois a verdadeira liberdade consiste em fazer tudo aquilo que a Constituição estabelece. Com este eficaz controle do mérito do ato administrativo, não se está cerceando a Administração Pública, apenas o Poder Judiciário mantém efetiva a unidade da Constituição, quando estabelece que se cumpram os princípios e as respectivas normas da Magna Carta.”

Completa o citado autor trazendo Luís Afonso Heck,[23] louvando-se em precedentes do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (BVerfGE 69, 161 (169), com referência às BVerfGE 18, 353 (363); 48, 210; BVerfGE 23, 127 e BVerfGe 34,261):

“No Estado de Direito, a atividade das autoridades administrativas nunca é ‘completamente livre’, também quando elas, embasadas em determinações legais, estão autorizadas a proceder segundo a sua descrição. Então, igualmente, ficam vinculadas aos preceitos estatais – jurídicos gerais, como a proibição de arbitrariedade e o princípio da proporcionalidade. Este, juntamente com o preceito da proibição de excesso, estende-se, como regra diretiva, a todas as atuações estatais e, com isso, também a liberdade de conformar do legislador é, por ambas, limitada.”

Em um Estado de Direito não se tolera atos excessivos ou abusivos, sendo permitido ao Poder Judiciário reprimir o abusivo ato administrativo discricionário:

“(...)Lei 9.784/99 foi promulgada justamente para introduzir no nosso ordenamento jurídico o instituto da Mora Administrativa como forma de reprimir o arbítrio administrativo, pois não obstante a discricionariedade que reveste o ato da autorização, não se pode conceber que o cidadão fique sujeito à uma espera abusiva que não deve ser tolerada e que está sujeita, sim, ao controle do Judiciário a quem incumbe a preservação dos direitos, posto que visa a efetiva observância da lei em cada caso concreto(...)”[24]

Preconizando a inafastabilidade da jurisdição, consagrada constitucionalmente (art. 5º, XXXV, CF), o Min. Luiz Fux[25] afirmou que não há discricionariedade frente aos direitos constitucionais:                

“(...) A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 5- Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das igualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 6- Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em  vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional (...)”

O controle jurisdicional dos abusos do Fisco tem ressonância na doutrina, como se depreende das lições de Hugo de Brito Machado[26]: “Muitos estudiosos do Direito Tributário ainda não se deram conta de que o poder de tributar não pode ser limitado apenas pela lei, posto que muitas vezes o arbítrio estatal se manifesta pela voz do próprio legislador. Essa pressão gigantesca do poder de tributar, que não poucas vezes verga o legislador e o faz produzir normas de tributação contrárias aos princípios fundamentais do Direito Tributário. Temos sustentado que a supremacia constitucional é o único instrumento que o Direito pode oferecer contra o arbítrio, quando deste se manifesta na atividade legislativa, e temos visto com satisfação que essa nossa idéia está na mente de eminentes constitucionalistas e tributaristas, que se preocupam com os mecanismos jurídicos de contenção do arbítrio estatal, e mesmo diante de constituições nas quais, diferentemente da nossa, estão ainda ausentes normas específicas de regramento da atividade tributária.”

A polêmica sobre a violação da legalidade e a fixação dos limites do poder discricionário e o controle jurisdicional face a  separação de poderes, restou bem equacionado pelas cortes deste país, o qual não tem se omitido em corrigir abusos por parte das autoridades fiscais, vejamos:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - ICMS - EXECUÇÃO FISCAL - REDIRECIONAMENTO - SÓCIOS DE SOCIEDADE POR QUOTAS – RESPONSABILIDADE SOCIETÁRIA - ART. 135, III, CTN. I - A responsabilidade tributária prevista no art. 135, III, do CTN, imposta ao sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de empresa comercial só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova a prática de atos de abuso de gestão ou de violação da lei ou do contrato. II - Os sócios da sociedade de responsabilidade por cotas não respondem objetivamente pela dívida fiscal apurada em período contemporâneo a sua gestão, pelo simples fato da sociedade não recolher a contento o tributo devido, visto que, o não cumprimento da  obrigação principal, sem dolo ou fraude, apenas representa mora da empresa contribuinte e não "infração legal" deflagradora da responsabilidade pessoal e direta do sócio da empresa. III - Não comprovado os pressupostos para a responsabilidade solidária do sócio da sociedade de responsabilidade limitada há que se primeiro verificar a capacidade societária para solver o débito fiscal, para só então, supletivamente, alcançar seus bens. IV - Recurso Especial a que se dá provimento. (REsp 121.021/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 2ª Turma, unânime, DJ 11/09/2000, p. 235).

Destarte, a manutenção do Estado Democrático de Direito pressupõe a existência  de um controle jurisdicional efetivo através de representantes do Poder Judiciário, comprometidos com a democracia e sensíveis ao interesse coletivo, interessados em balizar a  função arrecadatória do Fisco e a capacidade contributiva do contribuinte e em ponderar a falta cometida e a sanção aplicada, evitando que a pena desmensurada ou ilegal acabe por macular a esfera pessoal ou patrimonial do cidadão de forma irreversível.     

Do exposto se depreende que necessitam os cidadãos de medidas de amparo contra possíveis desmando do Fisco, através de garantia idônea para a determinação e reconhecimento dos direitos fundamentais em matéria fiscal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema apresentado visou instigar os operadores do direito  à uma reflexão sobre a atuação do Estado no âmbito fiscal e aduaneiro e a ponderar os caminhos para a conciliação entre os interesses do particular e o Fisco, visando evitar a arbitrariedade.   

O Estado Democrático de Direito não pode apenas estar retratado na Constituição Federal, precisa ter eficácia jurídica e para que isso aconteça devemos refutar toda e qualquer afronta aos direitos fundamentais, sem ter medo de ser  combativo e relutante à qualquer prática abusiva do Estado.

A observância aos princípios constitucionais segue sendo o pilar da Democracia, pelo que o ato administrativo, seja de que natureza for, deve estar tingido de proporcionalidade, legalidade, eficácia, motivação e todos os demais princípios que se aglomeram no due process  of law.

Por mais convincente que pareça o discurso do Estado, o Poder Judiciário ao se deparar com o controle da administração pública,   não pode  afastar da atuação estatal a observância a estes princípios constitucionais, sob pena de estarmos sofrendo uma involução jurídica. 



[1] STF, RE N. 18.331, Ministro Orozimbo Nonato, j. 21/09/1951

[2] STF, Primeira Turma, Recurso Extraordinário n. 47.588/Guanabara, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Gallotti, j. 27/07/1961,

[3] HC 45.232, Relator: Ministro Themístocles Cavalcanti, RTJ 44, p. 322

[4] (SS 1319 / DF - DISTRITO FEDERAL SUSPENSÃO DE SEGURANÇA - Relator(a) MIN. CELSO DE MELLO)

[5] SUNFELD, CARLOS ARI, in Direito Administrativo Ordenador, Malheiros Editores, 1ª edição, 2º tiragem, p.67/69

[6] Asorèy, Rubén, Protección Constitucional  de Los Contribuintes,  In prólogo da obra ,  Ed. Marcial Pons, 2000, p. 20/23.

[7]VIRGA, Pietro, Diritto Constituzionale, seconda edicione, Ed. G.Mori &Figli-Palermo-1952

[8] PAOLA, Leonardo

Assuntos: Comércio Exterior, Direito Aduaneiro, Direito Civil, Direito Financeiro, Direito processual civil, Direito Tributário, Execução Fiscal, Financeiro

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