Rescisão indireta do contrato de trabalho

01/05/2015. Enviado por

O presente estudo pretende abordar de forma simplificada, os principais fatores, dentro do contrato de trabalho, que podem ensejar sua rescisão de forma indireta, ou seja, por culpa do empregador.

1 - INTRODUÇÃO

São várias as causas que transferem ao empregado a possibilidade de denunciar o contrato de trabalho por falta grave cometida pelo empregador. Salários atrasados, ausência ou irregularidades no recolhimento do FGTS e assédio moral são algumas das causas que permitem ao empregador recorrer-se à Justiça do Trabalho pretendendo a rescisão indireta.

As causas que permitem a rescisão indireta estão relacionadas no art. 483 da CLT[1] e são cada vez mais utilizadas pelo trabalhador que tem violado as prerrogativas inerentes ao contrato de trabalho.

A rescisão indireta já foi chamada de "justa causa patronal" pelo ministro Renato de Lacerda Paiva, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).  Para ser reconhecida em juízo, a rescisão indireta deve se encaixar em algumas das situações listadas pelo artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Havendo o reconhecimento da falta grave praticada pelo empregador, o Contrato será rescindido com as mesmas características da rescisão pelo empregador sem justa causa, incidindo aí, as todas as verbas rescisórias, inclusive a indenização de 40% sobre o FGTS. Isso porque a rescisão teve origem em uma quebra de contrato por parte do empregador.

No caso em comento, a rescisão ocorre por iniciativa do trabalhador, contudo, a motivação é diferente do pedido de demissão simples, quando o desejo de encerrar a relação de trabalho se dá por questões de foro íntimo e particulares do empregado, não tendo nesse caso, a incidência da indenização de 40% do FGTS, sua liberação ou mesmo o direito a receber o seguro desemprego.

2 – CONSTRANGIMENTO MORAL

2.1 – Revista íntima

Revistas íntimas são uma causa do assédio moral praticado pelo empregador que poderá caracterizar uma das razões da rescisão indireta. A questão já foi por inúmeras vezes tratada na Justiça do Trabalho, pacificando de forma patente a incidência do assédio moral quando da sua ocorrência.

Nesse sentido

DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. O acórdão recorrido expressamente registrou que a revista íntima praticada pela empresa era vexatória, pois obrigava o reclamante a despir-se de seu uniforme em uma sala e passar a outra para vestir suas roupas pessoais, juntamente com outros colegas, conforme depoimento do próprio preposto. Dessa forma, resta comprovado o tratamento vexatório, humilhante a que se submetia o reclamante, quando das revistas. Inadmissível a atitude do empregador, ao submeter seus empregados a tais constrangimentos. A atividade patronal, qualquer que seja, não justifica expor o empregado à revista vexatória, ainda que seja apenas visual e que o empregado mantenha suas roupas íntimas; prática esta abusiva que excede o poder diretivo do empregador, pois atinge a intimidade e a dignidade do ser humano, direitos pessoais intransponíveis, previstos nos incisos III e X do artigo 5º da Lei Maior. O empregador não se apropria do pudor das pessoas ao contratá-las. Se a empresa necessitasse fazer controle dos medicamentos, deveria ter adotado outros meios de fiscalização, capazes de impedir delitos, preservando, no entanto, a intimidade de cada um. E esses outros meios de fiscalização a empresa encontrou e adotou, passando a utilizar detectores de metais, o que mostra que a revista levada a cabo pela reclamada não era a única forma de se verificar eventual desvio de medicamentos. Como bem entendeu o e. TRT, essa alteração apenas reforça o entendimento de que a conduta anterior da empresa não estava correta. No particular, o mestre Luiz de Pinho Pedreira da Silva, em festejado compêndio, lembra que ao trabalhador assiste direito a uma esfera privada em que não pode haver intromissão de outras pessoas nem do Estado. E, com apoio em Pietro Ichino, define como esfera privada o conjunto dos espaços de que a pessoa tem um gozo exclusivo, aí se situando o próprio corpo com tudo o que o reveste (A reparação do dano moral no Direito do Trabalho, LTr, 2004, p.66).    (TST-RR-24100-10.2007.5.02.0061, 3ª Turma, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, divulgado n DEJT de 6/8/2010).

 

2.2 – Ofensas verbais

Não raro, o empregado é submetido a tratamento indigno por seus empregadores, gerentes e superiores hierárquicos, recebendo em muitos casos, adjetivos que deturpam e maculam a honra subjetiva do trabalhador. Em diversas situações, o trabalhador ostenta um grau de simplicidade de forma tão acentuada, que sente-se impotente diante da condição econômica e social quando deparado com uma ofensa de menor gravidade, sendo assim, incapaz de esboçar uma reação negativa. Seja por receio de ser demitido ou por considerar-se incapaz de expressar-se de forma concisa quanto à insatisfação, permite que as ofensas se repitam. E naturalmente, o empregador sente-se cada vez mais confortável em proferir ofensas diante da inércia de seu empregado.

O TRT-4, elaborou a seguinte ementa em relação ao assédio moral

ASSÉDIO MORAL. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. A prática de assédio moral pelo empregador autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho, com fundamento no art. 483 da CLT. TRT-4   Relator: MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 10/07/2014, Vara do Trabalho de Cruz Alta)

 

No corpo do acórdão, o Relator expôs que

A prova testemunhal produzida confirma que o reclamante foi vítima de assédio moral, tendo sido submetido a xingamentos e exposto a situações constrangedoras frente aos demais colegas. O uso de expressões ofensivas no meio ambiente de trabalho, de forma a causar constrangimento, não pode ser admitido, devendo ser reprimido. As relações de trabalho devem ser pautadas a partir do respeito à pessoa humana, sem expressões que diminuam qualquer um. A exposição do empregado a humilhações no local de trabalho, em frente aos demais colegas, dispensa produção de prova sobre o efetivo dano sofrido, pois é possível concluir de forma absoluta que este tipo de tratamento leva o ser humano a se sentir desvalorizado como trabalhador e como pessoa.

Restando comprovado a ocorrência de tratamento indigno, não resta dúvida que o entendimento dos Tribunais é no sentido de reconhecer-se a ocorrência de uma das causas permissivas da rescisão indireta do contrato de trabalho.

2.3 – Exigência de serviços superiores às suas forças ou defesos por lei

Para o bom entendimento do disposto na alínea “a”, do artigo sob comentário, devemos frisar que o vocábulo “forças” não foi empregado pelo legislador com sentido muito restrito, isto é, para indicar que se trata de força muscular. A palavra é usada na sua maior acepção: força muscular, aptidão para a tarefa, capacidade profissional. Assim, serviços superiores às forças do empregado podem ser aqueles que exigem dotes físicos ou intelectuais que o empregador sabia que aquele empregado não possuía.

Não basta, por exemplo, que exija-se de uma mulher, a execução de serviços braçais, que exige a força de um homem acostumado com o mister. A norma proíbe exigir a execução de serviços, inclusive de natureza intelectual, incompatível com as características pessoais do empregado.

Também enquadra-se na norma proibitiva, a exigência de serviços defesos, por lei, como exemplo, vender artigos literários direcionados a adultos para menores.

Sendo o empregado admitido para realizar determinada tarefa e em momento posterior, a empresa lhe obrigue a cumprir tarefa diferente, defesa por lei, caracterizará a inadimplência contratual, permitindo-se no caso em comento, a rescisão indireta.

 

2.4 – Tratamento com rigor excessivo

Não se deve esperar da pessoa humana, considerado “homem médio” que execute suas tarefas com a perfeição que se exige de uma máquina. O erro é intrínseco ao “ser humano” e assim sendo, é plenamente compreensível que este, ocasionalmente, cometa uma falha ou aja em desconformidade com as instruções recebidas de seus superiores, ainda que o tenha feito sob o pálio da certeza de executar a tarefa da forma que entenda correta.

A despeito destas observações, o art. 483 da CLT determina que o empregado poderá rescindir o Contrato de Trabalho quando “for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo”.

É que, não raras vezes, valendo-se da condição de superior hierárquico, o tratamento dispensado ao empregado extrapola o limite do razoável, afetando diretamente a honra subjetiva deste, de modo que, ao ver repreendido repetidas vezes, invariavelmente absorverá a condição de incompetente, por exemplo.

O mesmo artigo, cria uma regra que impede o empregador, valendo-se da condição de superior hierárquico, submeter o empregado a uma condição de trabalho insuportável, ao tempo que, mais cedo ou mais tarde, virá pedir demissão.

Esse entendimento é reconhecido pelo TRT-3:

DANO MORAL - TRATAMENTO COM RIGOR EXCESSIVO - CONFIGURAÇÃO - Tendo o reclamante sofrido assédio moral, decorrente do rigor excessivo que lhe era imposto durante o exercício de suas funções, por perseguição patronal em razão de sua militância sindical, ultrapassando a reclamada os limites do jus variandi, há o direito à reparação por danos morais. (TRT-3 - RO: 00942201104103008  0000942-17.2011.5.03.0041, Relator: Fernando Antonio Viegas Peixoto, Oitava Turma, Data de Publicação: 04/05/2012  03/05/2012. DEJT. Página 71. Boletim: Não.)

Ainda, nesse mesmo sentido

No Direito do Trabalho o assédio moral é definido como “uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.” (Sônia A.C.Mascaro Nascimento, “O Assédio Moral no Ambiente de Trabalho”, Revista LTr 68-08/922-930) (grifos adicionados).

Rigor excessivo é também, na espécie, não respeitar o princípio da proporcionalidade entre a natureza da falta e a penalidade imposta. Suspender o empregado por 5 dias apenas porque esse chegou atrasado ao serviço dez minutos e isto pela primeira vez, não paira dúvida que trata-se de um tratamento excessivamente rigoroso, caracterizando, por fim, uma das razões para denunciar o contrato com a consequente rescisão indireta.

Para o professor Maurício Godinho Delgado

A intolerância contínua, o exagero minudente de ordens, em especial quando configurar tratamento discriminatório, as despropositadas manifestações de poder em desarmonia com os fins regulares do contrato e da atividade empresarial consubstanciam a presente justa causa..."

2.5 – Perigo de mal considerável

Caracteriza-se o perigo de mal considerável quando do trabalhador, é exigido a execução de tarefas em condições de insegurança. É quando, por exemplo, a empresa exige do empregado a realização de tarefa sem fornecer o Equipamento de Proteção Individual, que é exigido por lei.

Ainda, é possível visualizar a ocorrência do mal considerável presente no art. 483, c, quando, em ambiente insalubre pela ocorrência de agentes agressivos (químico, físico ou biológico), deixa a empresa de adotar as providências para implantação de processo coletivo de saneamento do ambiente ou ainda, não forneça o Equipamento de Proteção Individual.

 

3 – DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO EMPREGADOR

3.1 – Irregularidades no Recolhimento do FGTS

Trata-se de uma das principais causas pela rescisão indireta. A ausência ou irregularidade no recolhimento do FGTS constitui-se um descumprimento, do empregador, de uma das obrigações impostas pelo contrato em vigor.

Nesse sentido, em julgado do TRT-1, ficou assim ementado:

RESCISÃO INDIRETA. AUSÊNCIA DE DEPÓSITOS DO FGTS. Ainda que num primeiro momento possa parecer frágil a dissolução de um vínculo duradouro com base na ausência de depósitos do FGTS, a falta de um número expressivo de depósitos caracteriza a gravidade a dar ensejo à rescisão indireta por culpa do empregador. (TRT-1 - RO: 2507820125010060 RJ , Relator: Patricia Pellegrini Baptista Da Silva, Data de Julgamento: 26/06/2013, Quarta Turma, Data de Publicação: 06-08-2013)

3.2  - Atraso no pagamento dos salários

Igualmente, é recorrente as Reclamações Trabalhistas com requerimento de rescisão indireta ocasionado pelo atraso no pagamento dos salários.

Contudo, não basta que um único atraso ocorra para caracterizar-se a ruptura do pacto. E necessário que os atrasos sejam reiterados.

Aliás, Sobre o assunto existe o Dec.-lei n. 368, de 19 de dezembro de 1968, cujo art. 1º, parágrafo único, informa estar em “débito salarial a empresa que não paga, no prazo e nas condições da lei ou do contrato, o salário devido a seus empregados”.

O § 1º do art. 2º, esclarece que a mora contumaz, relativamente a salários, só se configura quando o atraso no pagamento for igual ou superior a 3 meses. A conceituação de débito trabalhista e de mora contumaz é feita pelo Dec.-lei, para justificar sanções de caráter penal e fazendário. Para o efeito do artigo em epígrafe, a mora ensejadora da resilição contratual fica bem caracterizada com frequentes atrasos no pagamento dos salários.

Já o art. 7º, inciso X da Constituição Federal regula: “proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa”

Ainda, a despeito do tema em comento, o Enunciado nº 13 da Súmula de Jurisprudência Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho[2] diz que “O só pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a mora capaz de determinar a rescisão do contrato de trabalho” ou seja, de nada adianta o empregador adimplir com os salários quando da audiência, pois restará caracterizada, uma das razões pela rescisão indireta.

4 – CONCLUSÃO

O presente artigo, não pretende esgotar as possibilidades e circunstâncias que permitam a resilição do contrato de trabalho. Pretende, no entanto, apontar causas recorrentes na relação de trabalho, permitindo assim que, empregadores e prepostos, percebam que atitudes, ainda que inconscientes, podem disparar uma Reclamação Trabalhista pretendendo-se a rescisão indireta.

Igualmente, o empregado, que muitas vezes não suportando mais o ambiente de trabalho, se vê obrigado a desligar-se da empresa por culpa exclusiva do tratamento e condições de trabalho impostas por seu empregador.

BIBLIOGRAFIA

SAAD,  Eduardo Gabriel, CLT Comentada. 2004.

 

NASCIMENTO, Sônia A.C.Mascaro, “O Assédio Moral no Ambiente de Trabalho”, Revista LTr 68-08/922-930

 

DELGADO, Maurício Godinho Delgado em seu livro Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, página 1217

 

Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho

 

 



[1] Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.

§ 3º - Nas hipóteses das letras d e g, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. (Incluído pela Lei nº 4.825, de 5.11.1965)

[2]Enunciado n. 13, do TST — O só pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a mora capaz de determinar a rescisão do contrato de trabalho.

Assuntos: Assédio moral, Contrato, Danos morais, Demissão, Direito do Trabalho, Direitos trabalhistas, Rescisão de contrato, Rescisão Indireta, Trabalho

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