Quem é o consumidor?! A vulnerabilidade nas relações de consumo e as relações consumeristas!

25/08/2016. Enviado por

A sociedade de consumo de massa torna o individuo apenas um a mais, e isso influencia na relação jurídica. Há portanto uma crise do contrato, pois se não houve regulação nenhuma não haverá liberdade nem igualdade entre as partes.

1 - INTRODUÇÃO:

A sociedade de consumo de massa torna o individuo apenas um a mais, e isso influencia na relação jurídica. Essa ideia de um numero a mais relaciona-se a uma diminuição da importância da pessoa, ou seja, em uma relação sozinho ela não teria força. A ideia da sociedade de consumo está por traz de uma comunicação, de um consumo, de uma produção em massa. Esse tipo de mercado se desenvolve a partir da grande quantidade de cliente que uma única empresa tem. Quando um determinado fornecedor consegue produzir em serie, vender em serie, prestar serviços em serie, obviamente ele não se relaciona mais com o individuo mas com a coletividade. Todo dialogo que uma empresa fará para se desenvolver não será um dialogo individualizado, pois parte do pressuposto de uma produção em série de que o que importa para um grande fornecedor de produtos e serviços é todo o grupo e não apenas um indivíduo. O individuo sozinho, portanto, representa pouco ou até nada. A face do mercado de consumo então compõe-se de empresas e instituições mais fortes e individuos consumidores mais fracos. Cada vez que o mercado de consumo evolui pautado nessas diretrizes economicas, maior essa diferença aumenta, maior a desigualdade de poderes, e logicamente os individuos vão ficando menos importantes.

2 - RELAÇÕES DE CONSUMO - Quem é o Consumidor?!:

Nas relações jurídicas contratuais essa situação representa uma crise, pois esse cenário estremece a base do contrato. As duas bases ou alicerces dos contratos que mais se destacam são: autonomia da vontade e igualdade entre as parte. Se em um determinado contrato as partes não estão em autonomia plena e não tem as mesmas obrigações e responsabilidades reciprocas, não se teria um contrato válido. Há portanto uma crise do contrato, pois se não houve regulação nenhuma não haverá liberdade nem igualdade entre as partes. Além disso, essa realidade cria uma relação de dependência. Todo contratante que contrata um serviço para si, ele o faz, na maioria das vezes, por necessidade de sobrevivência (como, por exemplo, uma relação contratual entre uma pessoa física e uma instituição de fornecimento de água), mas essas empresas não dependem de você individualmente. Essa noção de dependência então também gera a ideia de crise na autonomia da vontade, tendo que assinar o contrato para ter um minimo na condição de vida.

Todo esse cenário de desvantagem, de dependência, é resumido pelo Código de Defesa do Consumidor como vulnerabilidade (art. 4, I, CDC). O Consumidor é vulnerável a riscos e lesões por participar daquela relação. A ideia de dependencia então gera uma noção de desequilibrio, de desvantagem e uma ideia de risco de todas as formas, isso tudo se resume na expressão chamada pelo legislador de Vulnerabilidade.

A doutrina em geral costuma trazer 3 conceitos de vulnerabilidade:

Vulnerabilidade Técnica: Dizer que o consumidor é tecnicamente vulnerável refere-se ao desconhecimento técnico do produto pelo consumidor, dessa forma o consumidor terá sempre que confiar no vendedor (por exemplo, o consumidor não sabe da descrição técnica do produto, das nomeclaturas técnicas, e o vendedor se aproveita para vender do produto mais caro). Dessa forma coloca sempre em desequilibrio, em desvantagem, em relação à parte contrária, colocando em situação de risco.

Vulnerabilidade Econômica: A vulnerabilidade economica é o desequilibrio de poderes econômicos. Então um consumidor é economicamente vulneravel perante ao fornecedor quando comparado ao fornecer, e isso impacta na dificuldade de negociar, de barganhar, de reclamar, na liberdade de escolha, etc. Então, existe a partir disso regras para contratos de adesão, ou regras que estabeleçam a forma como o contrato deve ser redigido. Observe, por exemplo, no caso dos Planos de Saúde: Se o estado não reconhecesse a vulnerabilidade do consumidor no plano de saúde, os planos de saúde na redação do contrato iriam determinar escolher de forma restritiva quais as doenças, os limites de cobertura, a forma de tratamento, etc.

Vulnerabilidade Informacional: Está relacionada ao consumidor consciente. A ideia de ser consumidor consciente não necessariamente significa comprar só aquilo que cabe no bolso, mas sim ter a consciência de que se faz parte de todo esse contexto, de que é vulnerável de todas essas formas. Ao criar um pouco de consciência sobre isso ficamos menos vulneraveis de forma informacional.

Neste contexto, é importânte se fazer uma diferenciação entre a Vulnerabilidade e Hipossuficiência: Todo consumidor é vulnerável, todos que participam de relação de consumo são vulneráveis, somente alguns são hipossuficientes. Hipossuficiência significa que o consumidor não é autossuficiente, sozinho ele não consegue fazer nada. Se você se sentir enganado você é capaz de se defender? Sim, pois há um mínimo de senso critico de que há uma lei que lhe protege, o hipossuficiente não, ele pode ser o analfabeto, uma a criança, um portador de determinada deficiência que o limita, é aquele com baixa situação social, na qual são mais vulneráveis que os consumidores normais. Desse modo, posso afirmar que mesmo que você conheça seus direitos, você tem o mínimo de senso crítico e irá ler e procurar saber mais sobre esses direitos. Mas como o analfabeto e o cego fará isso, por exemplo? Ou o idoso que atingiu determinada idade e atingiu sua capacidade critica. Então esses são os hipossuficientes, essa pessoas possuem uma proteção legal maior do que todos nós.

Voltando ao contexto, a sociedade do consumo é chamado por muitos de sociedade de risco, pois a opção de nós desejarmos ter uma melhor qualidade de vida faz com que nós utilizemos produtos fabricados em série e sem aquele nível adequado de segurança. Nós nos expomos a esses riscos à saúde, a uma menor segurança. Podemos dar como exemplo o consumo de um produto industrializado. A produção industrializada pode ter contaminação de alimentos decorrente de uma falha, mas mesmo assim consumimos tais produtos. A produção em série não vai contaminar uma única unidade, mas várias, que vão atingir diversas partes do território que vão ser abrangidas por esse risco de dano.

Assim, através dessa sociedade de consumo surge a ideia de risco, que aparece os primeiros direitos do consumidor. Esse movimento surgiu pelo mundo, como nos EUA que houve movimento civil organizado. No Brasil esse movimento só passa a ganhar força na década de 70, onde começou a surgiu as primeiras iniciativas de grupos para exigir do Estado normas para proteger o consumidor. Os Procons até então não tinham poder de punição, eles surgiram para atender os consumidores, tentando fazer acordos. Esse pensamento foi evoluindo, a pressão popular foi aumentando, e no final da déca de 70, início de 80, houve a criação de um grupo de doutrinadores para pensarem sobre a criação de um código de defesa do consumidor. Até a Constituição Federal não houve a criação de nada nesse sentido, então na própria Constituição Federal de 1988 dispunha no art. 5º, XXXII que “o Estado promoverá, na forma da Lei a defesa do consumidor”, ou seja, seria direito fundamental de todo cidadão de ser protegido pelo Estado nas suas relações de consumo. O código de defesa do consumidor, portanto, tem base com relação aos direitos fundamentais. O direito fundamental do indivíduo como consumidor é ser defendido pelo Estado, essa é a base fundamental dos direitos do consumidor no Brasil, é o direito de exigir do Estado que ele saia da sua ausência para poder intervir nas relação jurídicas de consumo, obviamente protegendo a base mais fraca (podendo dizer, portanto, que a criação do Procon, delegacia do consumidor, etc., passa a ser obrigação do Estado). Ao mesmo tempo essa ideia de proteção ao consumidor não pode ser vista como intervenção autoritaria que significaria um obstaculo ao crescimento economico. O Estado promoverá “na forma da Lei”, ou seja, ele vai intervir, mas vai intervir com restrições impostas a ele mesmo, para que não chegue ao ponto de colocar em risco o mercado.

Continuando, em 1990 se promulga o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). O art. 48, ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), determinou que em "tantos dias" o Congresso Nacional deveria promulgar o CDC. Esse código de defesa do consumidor, por ser complexo e avançado, chamamos por microssistema – as regras foram inspiradas naquilo que já existia na Europa, no México, e em outros países, então há um sistema jurídico completo chamado de micro, pois abrange as relações de consumo, abrangendo quase todos os ramos de direito. A complexibilidade e modernidade em seu texto não apenas contém normas de origem civil (como contratos, responsabilidade civil, ato ilícito/abuso de direito), mas também normas de origem administrativa (como, por exemplo, normas para regulamentar os Procons). Essas regras administrativas são para criar poderes de fiscalização, punição. Além disso há também normas processual civil, com a ideia de inversão do ônus da prova. Há também normas de direito penal. E por fim há a reformulação do processo coletivo pelo CDC/90.

O CDC se aplica às relações de consumo, mas as vezes ficaremos em duvida se aplica o CDC ou Codigo Civil tendo em vista que deverá ser observado se aquele ato praticado é ou não uma relação de consumo. Essa relação está mais ou menos definida entre os artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90.

O Art. 2º estabele o conceito de consumidor e o art 3º o conceito de fornecedor de produtos e serviços. Uma relação de consumo é aquela que se percebe um negócio firmado entre consumidor e fornecedor para aquisição de produto ou serviço. Não necessariamente a relação de consumo se configura por meio de contrato simples entre consumidor e fornecedor para adquirir produto ou serviço, pois a lei sabe que existe outras situações mais complexas, como por exemplo, o consumidor pode comprar um produto para outra pessoa (a pessoa que recebe esse produto e utiliza ele também é destinatário final, também é consumidor), ou então a pessoa compra do fornecedor um produto que na verdade foi feito por outra empresa.

Enfim, as relações de consumo se dá a partir do uso de produtos e serviços, o que forma a relação é o ato de consumir, e esse ato de consumir pode se demonstrar tanto no ato de adquirir/comprar/contratar como também no ato de aproveitar/utilizar, e essa relação se dará perante todos aqueles que são responsaveis por aqueles produtos chegarem às suas mãos (o fabricante/importador/distribuidor/montador/construtor/comerciante, todos são fornecedores, e, portanto, perante cada um destes, sobre a parte contrária, há relações de consumo), conforme pode-se obversar através do art. 17 do CDC/90:

"Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento."

Assim, por exemplo, se o seu pai compra uma televisão e te dá de presente, e em determinado dia ela explode perto de você e te causa danos ao corpo, VOCÊ pode pleitear tais reparações como consumidor, mesmo não tendo sido aquele que realizou a compra, mas foi o DESTINATÁRIO FINAL. No entanto, sobre a questão de saber se a sua relação de compra e venda se encaixa no CDC/90, deve-se informar se ela é uma relação empresarial (utilizando o Código Civil) ou de consumo (Código de Defesa do Consumidor).

Há ainda uma outra possibildade da existência de uma relação de consumo – além daquelas que envolvem o comprador que tem a intenção de dar de presente (sem a intenção de revender) ou o próprio consumidor que compra para si para uso próprio – que seria o indivíduo que sofre os mesmos danos que outra pessoa sofreria, ou seja, corre os mesmos riscos do que aqueles consumidores originais daquele produto teriam. Por exemplo, o sujeito que nunca andou de avião, mas o avião caiu em sua casa, ou então ocorre um acidente com um carro por um defeito de fábrica e tanto o motorista como o CARONA seriam consumidores. Estes seriam considerados como consumidores por equiparação, ou seja, o individuo que não adquiriu o produto como destinatário final mas tem os mesmos riscos.

3 - CONCLUSÃO:

O direito do consumidor tem que ser visto como coletividade. Além do individuo que sofre o dano, toda a coletividade deve ser equiparada a um consumidor. A coletividade de pessoas se torna um sujeito de direito, isso pois essa coletividade na mesma hora está suscetivel ao mesmos riscos de danos. Não posso esperar que as pessoas que ainda não sofreram o dano se manifestem para o Estado para que o representante do poder publico exerça a defesa deles. O Procon não espera os consumidores ir reclamar, pois a coletividade de consumidores é tratada pela norma como um sujeito de direito. Como essa coletividade não se manifesta, é o Estado que tem que perceber essa lesão e agir. O pouquíssimo número de pessoas que entram com ação individualmente comparado com a coletividade não vai resolver o problema desta mesma coletividade. A coletividade está em risco de dano e deve ser protegida pelo direito.

Assuntos: Código de Defesa do Consumidor (CDC), Consumidor, Direito Civil, Direito do consumidor, Direito processual civil, Problemas com produtos/serviços

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