28/04/2011. Enviado por Sr. Mário Lúcio Souto Lacerda
Em alguns casos, quando o trabalhador rural vai pedir emprego a um fazendeiro, este contrata a mão-de-obra, oferecendo ao novo empregado uma toiça de banha de porco, um saco de arroz, um saco de feijão, um uniforme, uma enxada, uma pá, um chapéu, um par de botas, uma choupana para moradia e uma garrafa de pinga.
Satisfeito com aqueles "presentes" o trabalhador vê o raiar do dia como um novo horizonte de esperanças e de futuro melhor!
Ao fim do primeiro mês de trabalho, o empregado dirige-se ao empregador com a intenção de receber o seu salário.
- Salário? Mas, eu, graciosamente, não lhe dei uma toiça de banha de porco, um saco de arroz, um saco de feijão, um uniforme, uma enxada, uma pá um chapéu, um par de botas, uma choupana para moradia e uma garrafa de pinga? Você é quem me deve, afinal aqui não tem nada de graça!
Assim, o trabalhador volta para a choupana e avisa à mulher e aos filhos que não tem dinheiro para vencer o mês, pois o patrão fez as contas e avisou que não deve pagamento.
Moral da história: o trabalhador já inicia a sua labuta devendo uma conta que não contratou.
Guardadas as devidas proporções, pode-se concluir que um fenômeno parecido ocorre com os trabalhadores sujeitados aos ditames do Banco de Horas. Nesse sentido, cabe analisar o sistema adotado em algumas instituições de ensino.
Senão vejamos.
Quando o auxiliar de ensino vai procurar trabalho perante um empresário da educação, este contrata a mão-de-obra, oferecendo ao novo empregado um uniforme, um salário que não remunera adequadamente e um contrato, no qual o trabalhador assina concordando que, conforme reza o calendário escolar, todo feriado emendado será compensado em outro dia a ser escolhido em oportunidade conveniente.
Satisfeito com aquele novo emprego, o auxiliar de ensino vê o raiar do dia como um novo horizonte de esperanças e de futuro melhor!
Ao fim do primeiro mês de trabalho, o empregado dirige-se ao empregador com a intenção de receber o seu salário e as horas-extras trabalhadas.
- Horas-extras? Mas eu, graciosamente, não lhe dei uns dias de folga emendando o feriadão? Lembra não? Você assinou papel, mestre Jonas. Eu fechei a escola, dispensei todo mundo do trabalho, não houve qualquer atividade naqueles dias, até os alunos tiveram recesso, ninguém veio trabalhar, e o senhor ficou em casa. Fazendo o quê? Descansando às minhas custas! E mais, os próximos feriados emendados, já sabe, têm de pagar! Você é quem me deve, afinal aqui não tem nada de graça!
Assim, o auxiliar de ensino volta para a sua casa e avisa à mulher e aos filhos que aquelas horas-extras trabalhadas, com a intenção de engordar o pagamento do mês, não serão pagas, pois o patrão fez as contas e avisou que não deve pagamento e que o auxiliar ainda fará mais horas-extras para compensar o feriadão.
O ano letivo passa, o auxiliar trabalha sábado o dia todo, trabalha domingo, trabalha além da sua carga horária, trabalha até o dia raiar, e, mesmo assim, termina o ano devendo, porque, sem entender bem, concordou com a lógica do tal Banco de Horas.
O mais estranho é que nem todos os auxiliares de ensino estão submetidos ao Banco de Horas, pois uns poucos funcionários em algumas instituições de ensino têm tratamento diferenciado do restante do quadro de empregados.
A situação lembra os versos do poeta Castro Alves, quando este em sua lírica - Navios Negreiros - clamou:
"Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!"
Haverá um Deus para os desgraçados - vítimas do Banco de Horas - e um Deus para abastados, que se apropriam e assediam o dinheiro destinado ao pagamento das horas-extras?
Quanto da riqueza negada ao pagamento de muitas horas-extras estará alimentando o lucro de poucos privilegiados?
Será necessário comparar a situação dos auxiliares de ensino, presos aos ferros do Banco de Horas, à situação dos escravos de outrora? Vivemos uma nova senzala que nega o pagamento do resultado do trabalho?
O Banco de Horas seria uma forma de assediar materialmente o salário do empregado, subtraindo-lhe o pagamento das horas-extras trabalhadas e seria uma forma de assediar moralmente a auto-estima do trabalhador?
Estaremos diante de um novo tipo de assédio, no qual um grupo de privilegiados apropria-se indevidamente da única riqueza que o trabalhador possui. Qual seja a força do trabalho?
Existe alguma moral para essa história?
Devemos rir de tudo isso ou devemos nos indignar?