Direito a Adoção Socioafetiva

14/02/2018. Enviado por em Família

Aos filhos, gerados ou meramente “criados como se filhos fossem”, são assegurados os mesmo direitos e deveres, bem como aos seus pais, genitores ou não.

Independentemente de qualquer relação biológica, aos que possuem o estado de filho por afetividade é assegurado todos os direitos previstos aos filhos biológicos (alimentos, participação em inventário e visitas). Da mesma forma é assegurado aos pais afetivos os mesmos direitos concedidos aos pais biológicos (guarda, visitas e etc.).


Em verdade a distinção filho biológico e afetivo, já pouca importância possui, sendo assegurado a ambos tratamento equivalente em todos os direitos e deveres, aos filhos e aos pais, sejam genitores ou não.

 

É cediço que, nos tempos atuais, houve uma valorização da verdade socioafetiva como elemento relevante para o estabelecimento da filiação que busca na "realidade existente, ou em formação, o sustentáculo para determinar juridicamente quem é o pai. E isto, por vezes, independe de quem seja o genitor", conforme muito bem salienta, Elidia Aparecida de Andrade Corrêa, coordenadora da obra, Biodireito e dignidade da pessoa humana, publicado pela editora Juruá, em 2006, à p. 313, fato este, que implica na formatação de um novo modelo de família, alicerçado nos laços afetivos e, não mais, exclusivamente biológicos.


A partir de Carta Federal de 1988, a família e, de modo especial, a filiação e a paternidade, sofreram evidente guinada e ampliação em relação àqueles conceitos que norteavam o Código Civil de 1916, e a interpretação das regras legais atualmente vigentes deve ser generosa, no sentido de abarcar a consideração de liame de filiação originado de relação mantida exclusivamente no plano socioafetivo, dando-se efetividade à norma do art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que o direito ao reconhecimento do estado de filiação é personalíssimo, indisponível, imprescritível e exercitável sem qualquer restrição, de maneira que a verdade genética, assim, ainda que na maior parte das vezes seja o elemento que prepondera, deve ser tida apenas e tão somente como um dos dados apoiadores da filiação.  


Conforme esclarece o citado civilista Paulo Luiz Netto Lobo, o princípio da afetividade encontra fundamento constitucional no capítulo dedicado à família, criança, adolescente e idoso: 

a) todos os filhos são iguais, independente de sua origem (art. 227, §6°); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§5° e 6°); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, §4°). (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação, em Direito de Família: a família na travessia do milênio. Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Belo Horizonte, IBDFAM, Del Rey, 2000, p. 250). 

 

Em outras palavras, partindo sempre da premissa de que a vida é mais rica do que a norma (e a união estável serve de exemplo) existe um direito subjetivo de postular-se em juízo o reconhecimento do vínculo e, se cabalmente demonstrada a presença dos elementos formadores da paternidade socioafetiva (nome, trato e fama), deve-se declarar a existência, validade e eficácia de tal relação fática no plano jurídico.


Sobre o assunto, realço que o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão que serve de vetor interpretativo para o tema, admitindo, com base no art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que “a busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação socioafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão” (sublinhei), afastando eventual objeção que seria resultante da dicção dos arts. 1.603 e 1.604 do Código Civil. Note-se: 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.  FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO. 1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. 2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação socioafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico. 4. Não demonstrada a chamada posse do estado de filho, torna-se inviável a pretensão. 5. Recurso não provido. (REsp 1189663/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 06/09/2011, DJe 15/09/2011).

 

Tecendo comentários a respeito da adequação da via processual eleita para o reconhecimento de filiação socioafetiva à luz do art. 1.604 do Código Civil, ressaltou a ilustre Ministra Relatora que o tema merece ser analisado com menos rigidez formal, pois “parte-se, aqui, da premissa que a verdade sociológica se sobrepõe à verdade biológica, pois o vínculo genético é apenas um dos informadores da filiação, não se podendo toldar o direito ao reconhecimento de determinada relação, por meio de interpretação jurídica pontual que descure do amplo sistema protetivo dos vínculos familiares”.

 

Por fim, ressalto que já ponderava o hoje jubilado Des. José Carlos Teixeira Giorgis, ser “absolutamente razoável e sustentável o ajuizamento de ação declaratória de paternidade socioafetiva, com amplitude contraditória, que mesmo desprovida de prova técnica, seja apta em obter veredicto que afirme a filiação com todas suas consequências, direito a alimentos, sucessão e outras garantias. O que se fará em respeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa, solidariedade humana ...” (a esse respeito, vide também AC n° 70008795775, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 23.06.2004).

 

Registre-se por oportuno, que não existe um número de elementos a ser constatado na relação socioafetiva para a sua configuração, conforme alerta o ilustre professor Luiz Edson Fachin: 

“não há, com efeito, definição segura da posse de estado nem enumeração exaustiva de tais elementos, e, ao certo, nem pode haver, pois parece ser da sua essência constituir uma noção flutuante, diante da heterogeneidade de fatos e circunstâncias que a cercam. [...] a tradicional trilogia que a constitui (nomen, tractatus e fama), se mostra, ás vezes, desnecessária, porque outros fatos podem preencher o seu conteúdo quanto à falta de algum desses elementos.” (FACHIN, Luiz Edson, Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992, p. 161). 

 

Portanto, partindo de princípios subentendidos na Constituição, e contidos na legislação atinente a matéria, a atual jurisprudência abraça a atual forma de constituição da família, abandonando os laços exclusivamente biológicos, e abraçando os laços afetivos, verdadeiros construtores dos núcleos familiares, para a posse do estado de filho. Assim, aos filhos, gerados ou meramente “criados como se filhos fossem”, são assegurados os mesmo direitos e deveres, bem como aos seus pais, genitores ou não.

Assuntos: Adoção, Direito Civil, Direito de Família, Família, Guarda dos filhos, Paternidade, Pensão alimentícia


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