Considerações acerca do Aborto Anencefálico no Brasil

14/06/2012. Enviado por

O presente artigo tem por objetivo a análise do aborto no ordenamento jurídico nacional, sendo o tema analisado e discutido nos vários nortes que o cercam, apresentando suas tipificações, questões fora do âmbito legal, aspectos jurisprudenciais.

INTRODUÇÃO,

O presente artigo tem por objetivo a análise do aborto no ordenamento jurídico nacional, sendo o tema analisado e discutido nos vários nortes que o cercam, apresentando suas tipificações, questões fora do âmbito legal, aspectos jurisprudenciais e, dando enfoque, principalmente, ao aborto de feto portador de anencefalia.

Conforme será insculpido no decurso do trabalho, a anencefalia caracteriza-se por ser uma malformação fetal congênita que, por sua vez, impossibilita a vida extra-uterina.

A relevância do tema reside no fato de muitas gestantes, na tentativa de abreviar seu sofrimento físico e psíquico, buscarem o Poder Judiciário com o objetivo de obterem, através da prestação jurisdicional, o alvará autorizador para a realização da interrupção terapêutica da gestação.

Entretanto, o que acirra a presente proposição, é o fato de estarem em conflito direitos fundamentais entalhados na Carta Magna da República, quais sejam, o direito à vida do feto versus a dignidade humana da gestante em suas diversas vertigens. Assim sendo, presentes estarão nesta pesquisa, questões diversas sobre o tema, com as inúmeras e conflitantes posições acerca do assunto, inclusive, ainda que brevemente, questões médicas e religiosas.

Especialmente, busca-se analisar o conflito existente entre o direito à vida do feto ou embrião portador da anencefalia e o direito à dignidade humana da gestante, bem como seu direito à liberdade de autonomia reprodutiva e à saúde plena.

Ao passo que há esse conflito entre direitos fundamentais, pilares do Estado Democrático de Direito, há, por conseguinte, a polêmica e a discussão acirrada envolvidas.

De um lado, a dignidade da pessoa humana que, por sua vez, deve ser reconhecida como a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência e de fruir de um âmbito existencial próprio; em outro lado, o direito à vida do feto.

Estar-se-ia em face de uma colisão de direitos fundamentais – direito a uma existência digna, à vedação de tratamento degradante e à própria vida da mãe – “deixando-se de lado” o direito à vida do feto?

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, o aborto doloso é conduta criminosa, assim, pode ou deve ser considerada a interrupção da gestação de feto anencefálico um crime; ou o princípio da dignidade da pessoa humana se sobressai à tipificação penal?

Em suma, reside a presente pesquisa, nesses diapasões.

2. Vida: Definição e Marco Inicial

1.1. Definição:

Segundo Alexandre de Moraes (2003) o direito a vida é o direito mais importante de todos os direitos, pois o ser humano necessita dele para que haja a existência e o exercício de todos os outros direitos.

Nessa mesma esteira, Luiz Flávio Gomes asseverou que a vida é a base e o fundamento de todos os demais direitos da pessoa humana.

Almeida (1996) diz que:

A vida é o conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário de organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como metabolismo, o crescimento, a reação e estímulos, a adaptação ao meio e a reprodução.

Num sentido teleológico, o Padre Francisquini (2009) defende que a vida presente na Terra é um Dom Divino, onde cumpre a nós mesmos resguardar e orientar para Deus.

O conceito biológico, de longe o mais aceito pela maioria da comunidade científica, define vida como: um sistema químico auto-sustentado, capaz de uma evolução darwiniana por mutação, ou seja, uma combinação de substâncias que em algum momento conseguiu uma forma particular capaz de se replicar, mudar e evoluir dando origem às diversas formas de vida (KARAGULIAN, 2008, p.1).

Em nosso ordenamento jurídico, vida é entendida como “a soma das atividades que possam ser exercidas pela pessoa”. Dentro, e em consonância aos preceitos e princípios que se instituem nas leis vigentes. Durante a vida civil, a pessoa tem a faculdade de usufruir as vantagens e prerrogativas que lhe dizem respeito na condição de cidadão.

Vale frisar que o conceito de vida não pertence somente aos cientistas, filósofos, aos religiosos ou a qualquer outro ramo do pensamento humano. Se um dia for possível chegar-se a uma definição única e absoluta, certamente será uma mistura de todos os conceitos defendidos pelos quais mais diversos ramos do saber humano, encampando os que hoje já são conhecidos e aqueles que no futuro virão a se juntar ao esplêndido e diversificado universo do conhecimento da raça humana.

Por fim, para Lima (2007), o conceito de vida humana é tema a ser estudado pelas ciências médicas e biológicas; para a autora, à ciência jurídica cabe, tão somente, dar-lhe o enquadramento legal, ou seja, estabelecer quando se inicia e quando termina a proteção jurídica do bem da vida e com qual abrangência.

2.2. Marco Inicial da Vida Humana:

A Constituição Federal, no caput do artigo 5º, garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo à todos, dentre outros direitos, o direito à vida.

Na visão de Alexandre de Moraes, o início da mais preciosa garantira individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico, a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto.

No entender do famoso Constitucionalista, o embrião ou feto representa um ser individualizado, com carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe. A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive uterina.

Francisquini (2009) diz que a vida humana tem início com a concepção, onde o marco inicial é o momento em que o óvulo fecunda o espermatozóide, formando-se o zigoto ou ovo.

Quanto ao início da gravidez, as opiniões não são unânimes, havendo uma divisão por motivos não apenas científicos, mas também morais e filosóficos; para uns, a vida se inicia a partir da implantação do óvulo; para outros, todavia, se inicia a partir da constituição do óvulo.

Para Gonçalves e Lapa (2007, p.51) a fundamentação religiosa nos dias atuais vem admitindo argumento secular, o que se verifica no trecho da Campanha da Fraternidade 2008, sob o lema “Fraternidade e defesa da vida”:

Uma nova vida humana, a partir da Biologia e da Genética, começa no exato momento da fecundação, que é a penetração do espermatozóide no óvulo. Quando os dois gametas se unem, acontece o milagre da vida: forma-se uma identidade genética única, diferente da simples soma das características dos pais, portadora em si mesma de uma programação própria de desenvolvimento. Suas características constitucionais já estão definidas: cor da pele e dos olhos, estatura, tipo sangüíneo temperamento, etc. Nem sua mãe poderá mudar o seu “ser-pessoa”. Necessita apenas de oxigênio, de alimento e de proteção para continuar o seu caminho como qualquer outro ser vivo precisa. Embora esteja na mãe, não é a mãe.

Ressaltam as autoras, que a Constituição Federal assegura amplamente o direito à vida enquanto um direito fundamental, não fazendo menção expressa a extensão dessa garantia. As demais disposições constitucionais e as normas infraconstitucionais é que vão dar os contornos, limites e alcance da proteção jurídica à vida.

Prosseguindo, o Código Civil, em seu artigo 2º, dispõe que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Ou seja, na seara cível, considera-se que os direitos da personalidade passam a existir e a serem protegidos a partir do nascimento com vida. Assim, antes do nascimento com vida, o que existe é apenas uma expectativa de direito, que é protegida pela legislação. Protege-se a vida como expectativa futura, caso ela venha a vingar.

Mais, a idéia de proteção do direito à vida como absoluto, confunde-se bastante com posicionamentos religiosos, os quais defendem que a legislação deve ser interpretada de maneira a proteger a partir do momento em que há o encontro entre os gametas masculino e feminino.

Gomes (2008) firmou posição no sentido de que a vida inicia-se, em regra, no momento da concepção.

No entender do jurista, falando em concepção, conclui-se que a vida começa com a fecundação do óvulo. A partir daí, a vida está juridicamente protegida. É isso que significa o reconhecimento dos direitos do nascituro.
Fortalecendo tal entendimento, (Lima, 2007, p.40-41) diz que:

A determinação do início da vida é controversa nas ciências médicas e biológicas, existindo várias teorias a esse respeito. Entretanto, vem prevalecendo o entendimento de que a concepção inaugura o início da vida humana.
Encerrando o tópico, não menos importante é, ressaltar que o Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, preconiza em seu artigo 4º, que a vida se inicia a partir da concepção.

3. O aborto:

3.1. Definições:

Num sentido etimológico, aborto significa privação do nascimento. Advém de ab, que significa privação, e ortus, nascimento. De acordo com E. Magalhães Noronha, aborto é a interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção (ovo, embrião, ou feto). A interrupção da gestação há de ser intencional, uma vez que a legislação penal tipifica apenas o aborto na forma dolosa (LIMA apud NORONHA, 2007, p. 53).

Na seara religiosa, por sua vez, Francisquini (2001) entende que aborto é a morte da criança concebida e sua expulsão do ventre materno, em qualquer fase do desenvolvimento pré-natal.

Segundo o autor, o aborto viola gravemente o 5º mandamento da Lei de Deus: Não matarás! Por isso, é um pecado mortal, que produz a “morte” na alma daquele que o praticou, privando-o da graça de Deus que é a sua vida sobrenatural, e tornando-o merecedor do inferno.

No campo jurídico, Delmanto (1991) define aborto como sendo a interrupção da gravidez, com a morte do feto.
Mirabete (2001), na mesma esteira, define aborto como sendo a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. Segundo o autor, é a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses), ou feto (após meses), não implicando, necessariamente, sua expulsão.

Por fim, crível ressaltar a posição do grande Hungria (1978) que define aborto como expulsão prematura e violentamente provocada do produto da concepção.

Leciona o autor que mais compreensiva seria a compreensão de Carrara, onde aborto seria: “Dolosa ocisão do feto no útero, ou a sua violenta expulsão do ventre materno, do qual resulte morte”.

Segundo ele, ao invés da circunstância da expulsão do feto, que não passa de um epifenômeno e pode deixar de ocorrer, o que se apresenta como necessário e suficiente à configuração do aborto é a interrupção da gravidez. É este, aliás, o critério médico-legal a que deve aperfeiçoar-se a noção jurídico-penal: “aborto é a interrupção da gravidez, seguida ou não da expulsão do feto, antes da época de sua maturidade”.

3.2. Evolução histórica:

A política relacionada aos recém nascidos portadores de anomalias advém de milênios. As atitudes tomadas em relação aos bebês eram as mais diversas e ocorriam logo após o nascimento, pois na época não se detectavam essas deformidades no período pré-natal (KARAGULIAN, 2008, p. 11).

Segundo a autora, os brâmades (sacerdotes) criaram o sistema de castas, que se tornou a principal instituição da sociedade indiana. Eles tinham o costume de matar, ou abandonar na selva as crianças que dois meses depois de nascidas lhes pareciam de má índole.

Ainda, na antiga Grécia, os nascidos não desejados eram levados para o alto de uma montanha e ali abandonados. Aristóteles preconizava ser o aborto método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações das cidades gregas, mas era contra o aborto quando a mãe já se encontrava num estado avançado da gravidez.

Seguindo, a autora destaca que: Platão opinava que o aborto deveria ser obrigatório, por motivos eugênicos, para as mulheres com mais de 40 anos e para preservar a pureza da raça dos guerreiros.

Denota, ainda, que os antigos gregos acreditavam que os fetos não possuíam alma, logo não os consideravam como seres vivos.

Já Hipócrates, com o juramento hipocrático (400-373 a.C.), inclui o compromisso de não tratar uma mulher decidida a provocar um aborto, assumiu de não aplicar pressário em mulheres para provocar o aborto. Por fim, os sumérios, os assírios, o código de Hamurabi e dos persas, que vão desde 200 a 600 a.C., proibiam o aborto e impunham punições severas àqueles que causassem a morte de uma criança nascitura (Karagulian, 2008, p. 12).

Na mesma senda, Hungria (1978) leciona que a prática do aborto percorre todos os tempos onde ficava, em regra, impune, quando não acarretasse dano a saúde ou óbito da gestante.

Segundo o autor, em Roma não cuidavam do aborto as XII Tábuas e as leis da República. Considerava-se o produto da concepção como parte do corpo da gestante, e não como um ser autônomo.

Ressalta que, foi, porém, com o cristianismo que se consolidou a reprovação social do aborto. Sob seu influxo, os imperadores Adriano, Constantino e Teodósio reformaram o antigo direito e assimilaram o aborto criminoso ao homicídio, sendo-lhe cominada até mesmo a pena do culeus.

Para Hungria (1978) no começo da Idade Média, os teólogos disputaram em torno da incriminação do aborto. Santo Agostinho, com fundamento na doutrina de Aristóteles, dizia que o aborto só era crime quando o feto recebesse alma, o que se julgava ocorrer 40 ou 80 dias após a concepção, segundo se tratasse de varão ou de mulher. São Basílio, porém, firmando-se na versão de Vulgata, não admitia distinção alguma: o aborto provocado era sempre criminoso.

No Brasil, segundo Prado (2005), no Código Criminal do Império o aborto praticado pela própria gestante não era previsto e, por conseqüência, não era crime. Todavia, quando provocado por terceiro ou com ou sem o consentimento da gestante ser tornava conduta típica.

Na época atual generalizou-se, entre a maioria dos povos civilizados, a incriminação do aborto provocado, seja qual for a fase da gestação, não tendo passado de efêmera e deplorável experiência, em alguns países, a legislação permissiva de tal prática (HUNGRIA, 1978, p. 273).

 

PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE: http://www.meuadvogado.com.br/entenda/download/artigo-anencefalia.pdf.

Assuntos: Aborto, Criminal, Direito Constitucional, Direito de Família, Direito processual civil, Direito processual penal, Família

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