Codicilo

07/11/2013. Enviado por

Breve análise dos artigos 1.881 a 1.885 do Código Civil

O codicilo, instituto do Direito Civil brasileiro, é a manifestação de última vontade realizada por pessoa capaz, apta à leitura e escrita, o qual consta disposições sobre assuntos de pouca importância, despesas de pequena monta, enterro e legado de pequeno valor econômico.

Sua etimologia é de origem latina e tem significado de epístola ou pequena carta. Era comumente utilizado pelos romanos como diminutivo de codex, ou sinônimo de pequeno código.

Após sua deflagração em diversos países ao redor do mundo, o Brasil foi um dos últimos a positivá-lo, apesar de já previsto no Código Civil de 1916, tendo reprodução quase fidedigna no Código Civil de 2002, o qual foi disciplinado em seus artigos 1.881 a 1.885.

Atento às particularidades de um ato que muito se assemelha ao testamento, porém com menor burocracia, o legislador trouxe ao ordenamento jurídico o conceito e as exigências legais deste instituto, vejamos:

Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal.

Com base no dispositivo acima, CARLOS ROBERTO GONÇALVES (p. 295/296) descreve com erudição sobre o tema, asseverando as possibilidades de utilização deste instituto jurídico: “Pode o codicilo ser utilizado pelo autor da herança para as seguintes finalidades: a) fazer disposições de última vontade sobre seu enterro; b) deixar esmolas de pouca monta; c) legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal (art. 1.881); d) nomear e substituir testamenteiros (art. 1.883); e) reabilitar o indigno (art. 1.818); f) destinar verbas para sufrágio de sua alma (1.998); g) reconhecer filho[1] havido fora do matrimônio, uma vez que o art. 1.609, II, do Código Civil permite tal ato por “escrito particular”, sem maiores formalidades.”

Noutro sentido, não poderá ser objeto codicilar a instituição ou deserdação de herdeiros, bem como não é ato próprio para disposições patrimoniais de alto valor, podendo, porém, dispor de utensílios domésticos, como televisores, refrigeradores, fogões etc., desde que, somados, não compreendam valor significativo do acervo hereditário. Bens imóveis, por sua natureza, somente mediante testamento poderão ser dispostos.

Neste diapasão, já há entendimentos no qual as disposições do codicilo não poderão exceder a 10% do valor do acervo hereditário. A preocupação com a monta do patrimônio disposta no codicilo é também tema de decisão do Superior Tribunal de Justiça[2] que entende que até mesmos relógio e jóias, quando altamente avaliados, estão excluídos das disposições codicilares.

Apesar de adotar um procedimento mais simples e menos solene que o testamento, o codicilo é cercado de formalidades e exigências legais, sem as quais a manifestação de última vontade torna-se inócua. Conforme 1.881 do Código Civil, já transcrito acima, são requisitos de validade do ato:

a)      Capacidade para testar: o autor do codicilo deve ter capacidade para testar, nos moldes das exigências do artigo 1.860 e 1.861 do Código Civil[3];

b)      Forma hológrafa simplificada: a cédula do codicilo deve ser totalmente escrita, datada e assinada pelo autor, admitida forma mecânica de escrita ou digitação eletrônica;

c)      Capacidade de leitura e escrita: considerando ser o codicilo um ato personalíssimo de última vontade e considerando a forma hológrafa, deve o seu autor saber e poder escrever. Vale salientar que não se admite escrita ou assinatura a rogo no codicilo (alografia);

d)     Data: a data é explicitamente exigida, sendo, pois, requisito essencial, sem a qual o documento não tem valor;

e)      Assinatura: a assinatura na cédula codicilar é formalidade ad solemnitatem, indispensável, sem a qual o documento equivale a uma minuta ou projeto, sem valor algum como manifestação de última vontade.

Apesar de o Código Civil dispor expressamente que o codicilo deve ser feito por escrito particular, parte da doutrina[4] entende que a forma pública não é proibida, uma vez que traz maior segurança e garantia ao ato. Ademais, a forma cerrada de codicilo é permitida pelo artigo 1.885 do diploma Civil, devendo ser aberto do mesmo modo que o testamento cerrado[5] e coma a devida aprovação do tabelião.

O nobre jurista PONTES DE MIRANDA entende que, apesar de o código exigir a forma hológrafa, quando ele for praticado por tabelião de notas, ou seja, por instrumento público ou na modalidade pública cerrada, a holografia será mitigada e deverá o oficial exigir as formalidades dos testamentos e, sendo nulo, o delegatário poderá responder civil e criminalmente pelo erro.

É também entendimento pacífico de que o codicilo e o testamento podem coexistir, desde que obedecido alguns critérios, prevalecendo, via de regra, as disposições testamentárias sobre as codicilares. Nesta esteira de raciocínio, o testamento revoga o codicilo naquilo que lhe for contrário ou quando houver disposição expressa nesse sentido. O codicilo, por sua vez, não possui o condão de revogação do testamento, porém, o codicilo revoga outro de mesma espécie.

Pode ocorrer, no entanto, de o testamento posterior simplesmente silenciar a respeito do codicilo, sem fazer qualquer referência sua. Nesse caso, sendo modificado ou não tendo confirmado o teor do codicilo anterior, este será considerado tacitamente revogado, conforme mandamento do artigo 1.884 do Código Civil.

Por seu turno, a revogação expressa do codicilo ocorrerá sempre que um outro codicilo ou testamento posterior fizer menção à sua revogação.

Não se pode olvidar, entretanto, que um codicilo, escrito dentro dos seus limites legais e posterior ao testamento, o derroga no que lhe for contrário. ZENO VELOSO e PONTES DE MIRANDA comungam da mesma idéia. A título exemplificativo, vejamos:

“[...] se o codicilo posterior ao testamento regula matéria inerente ao seu conteúdo possível (art. 1.881), revoga o que, sobre o mesmo assunto, ditava o testamento. Se, por exemplo, o testador lega seu relógio de algibeira (de pouco valor) a um amigo, e, depois, em codicilo, deixa o mesmo relógio ao sobrinho Luiz Augusto, é o sobrinho que fica com o relógio, após o decesso do autor da sucessão. O codicilo, nessa parte, porque a disposição é compatível, insere-se no seu conteúdo específico, e está conforme os limites possíveis, derroga o testamento. Seria absurdo, ilógico, no caso, que o relógio coubesse ao amigo e não ao sobrinho do de cujus”.(Zeno Veloso, cit., v. 21, p. 155)

No que toca à existência de codicilo e a lavratura de inventário extrajudicial, conforme faculdade da Lei 11.441/2007, poucos autores se manifestam a respeito do tema e não há, entretanto, qualquer legislação ou normatização infralegal que vede a utilização da via administrativa caso o autor da herança tenha deixado codicilo conhecido.

Neste caso, entendemos possível a utilização da via extrajudicial para resolução da partilha, mesmo havendo codicilo, desde que obedecidos os requisitos legais aqui já expostos e respeitado a manifestação de última vontade de seu subscritor.

Sobre o tema, JULIANA DA FONSECA BONATES vai mais longe. Para ela as razões para impedir a utilização da via extrajudicial não existem quando o falecido deixa apenas codicilo, e tampouco quando o testamento não realiza partilha alguma, limitando-se à revogação do testamento anterior, à deserdação de um herdeiro, ou, ainda, se o conteúdo patrimonial não for economicamente relevante: esmolas, funerais, etc.

Em assim sendo, caso cartório seja procurado para lavrar um codicilo público, este deverá ser procedido no Livro de Notas em Geral, com emolumentos de escritura sem ou com valor declarado, conforme o caso.

Por se tratar de ato próprio diferente do inventário, não se faz necessária a comunicação à Central de Testamento, bem como não há incidência de ITCD sobre os bens ali descritos.

Portanto, as declarações de última vontade descritas no codicilo deverão versar sobre bens móveis de pequeno valor, esmolas de pouca monta ou disposições não patrimoniais, como enterro, reconhecimento de filhos e etc. O codicilo, apesar de pouco utilizado, deve ser respeitado pelos sucessores, observado seus requisitos formais de validade e observada a sua possibilidade de acesso às vias extrajudiciais.

 

Fontes:

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 7 : direito das sucessões – 5 ed. – São Paulo – Saraiva, 2011

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2011.

VELOSO, Zeno. Comentários ao Código Civil. Coordenação de Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo : Saraiva, 2003. v. 21.



[1] Ressalva-se, nesta hipótese, que determinados autores entendem que o codicilo não é meio hábil para reconhecimento de filhos, porém maior parte da doutrina entende de maneira diversa, dentre eles, ZENO VELOSO, que, baseado em interpretação “construtiva, teleológica, humanitária, pois o direito de ter revelada a ascendência biológica é substancial, e diz respeito à dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III), assim o “reconhecimento da filiação tem que ser incentivado, facilitado, e não dificultado, embaraçado, este é o ponto”.

[2] "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CODICILO. VALIDADE SÓ PARA BENS DE PEQUENA MONTA. EXIGÊNCIA DE FORMA HOLÓGRAFA. A disposição contida no codicilo, que deliberou a respeito de cerca de metade dos bens hereditários, é imprestável para fins de equiparação ao testamento, uma vez que ao instituto em questão deve se restringir a diminutas questões patrimoniais, tais como móveis, roupas ou jóias, não muito valiosas, de uso pessoal, na forma do disposto no art. 1.651 do Código Civil de 1916. [...]”. (Processo Ag 885248. Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Data da Publicação 05/06/2007).

[3] Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

Art. 1.861. A incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.

[4] Pontes de Miranda e Carlos Roberto Gonçalves.

[5] Art. 1.875. Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido, se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade.

Assuntos: Bens, Direito Civil, Direito de Família, Direito de Sucessões, Direito processual civil, Família, Partilha de Bens

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