Vícios da execução fundada em nota promissória

17/05/2013. Enviado por

Em matéria de cobrança de juros, taxas, capitalização, comissão de permanência etc., convém não pensar que uma mera sociedade comercial ou mesmo uma pessoa física, possa agir como fazem os bancos, cobrando juros de 2%, 3%, 5% e até 8% ao mês.

Waldemir Banja [*]


Sabemos todos que a nota promissória, possivelmente o mais popular e o mais utilizado dos títulos de crédito entre os que circulam no País, se sujeita, entre nós, às diretrizes constantes da chamada Lei Uniforme de Genebra e às ditadas pelo famigerado Dec. n. 2.044, de 1908.

Assim, sob o foco de tais normas legais, a ausência de qualquer dos requisitos genéricos e/ou específicos da nota promissória que lastreie processo de execução deverá ser identificada pelo Juiz condutor do processo na ocasião de seu juízo de admissibilidade, para não submeter o suposto devedor a atos de invasão na sua esfera patrimonial com base em processo judicial flagrantemente nulo.

Mesmo no processo de execução de título executivo extrajudicial, como se dá no caso de execução de nota promissória, faz-se imperiosa a prévia realização do juízo de admissibilidade através do qual o Juiz verificará se estão presentes os requisitos genéricos e específicos, necessários à propositura e admissibilidade da execução. Entre os requisitos específicos, pode-se exemplificar o objeto lícito; a inadimplência do devedor; e a existência de título executivo líquido (de valor conhecido e livre de suspeitas), certo (de existência inquestionável) e exigível (vencido), e não prescrito.

É equivocado o entendimento pelo qual a via processual adequada, alguns até dizem via única, para exame de tais matérias seria a dos embargos à execução. Ledo engano. O Direito não é estático, evolui e se transforma acompanhando a marcha da sociedade, ainda que isso incomode os operadores do Direito que prefiram lidar com normas e conceitos imutáveis ou estagnados.

Nada impede, ao contrário, mostra-se mesmo recomendável que o executado provoque a discussão de temas desse jaez no próprio processo de execução, por via de exceção de pré-executividade. Logo, de plano, verifica-se ser perfeitamente viável a discussão nos autos da execução sobre a licitude do objeto do contrato ao qual se vincule a nota promissória executada. O mesmo se diga nos casos em que a nota promissória houver sido assinada em branco a título de garantia, prática essa costumeiramente imposta pelos bancos aos seus incautos tomadores de empréstimos. Adiante-se que, em todos os casos em que a nota promissória contiver no seu verso expressa vinculação a contrato celebrado entre credor e devedor, não poderá prosperar a execução da nota promissória se tal contrato não instruir a petição inicial.

Merece especial referência a observância da Lei de Usura. Muita gente pensa que aquela lei foi revogada, mas não foi; muita gente pensa que pode agir como os bancos, sob a égide do Conselho Monetário Nacional e seu silêncio comprometedor, mas não pode. Em matéria de cobrança de juros, taxas, capitalização, comissão de permanência etc., convém não pensar que uma mera sociedade comercial ou mesmo uma pessoa física, possa agir como fazem os bancos, cobrando juros de 2%, 3%, 5% e até 8% ao mês, sem se preocupar com a incidência da Lei de Usura. É que, a exceção de instituição bancária, no caso da nota promissória vinculada a contrato de empréstimo no qual foram cobrados juros superiores aos fixados na Lei de Usura ou com capitalização deles em período inferior a um ano, o título executado não é exigível, porque vinculado a contrato ilícito por força do art. 11 da Lei de Usura. Nesse caso, a nota promissória não passa de título nulo de pleno direito.

Ao executado é dado, via de exceção de pré-executividade, suspender o processo executivo e submeter todas essas questões a exame do Poder Judiciário. O mesmo se diga nas hipóteses em que se alegue a ocorrência da prescrição do crédito excutido; ou quando o devedor disponha de prova do pagamento da nota promissória (STJ, AGI n. 741593/PR, DJU de 8.6.2006, p. 132); ou quando, havendo sido ela assinada e entregue em branco, venha a ser posteriormente preenchida abusivamente pelo credor.

Presentes nulidades ou vícios processuais ou pré-processuais, que tornem ineficaz o título executivo, a matéria pode ser objeto de exceção de pré-executividade interposta por mera petição, diretamente nos autos do processo de execução, pois se despe de qualquer sentido lógico ou jurídico a exigência de prévia segurança do juízo. E advirta-se: o âmbito da defesa direta do devedor, nos próprios autos da execução, não está restrito ao tema dos vícios formais do título. Como bem diz Galeno Lacerda, “na defesa do executado, há exceções prévias, lato sensu, que afastam a legitimidade da própria penhora, já que esta, como é notório, pressupõe executoriedade do título. Se o título não for exeqüível, não tem sentido a penhora, desaparece o seu fundamento lógico e jurídico”.

É bom frisar que, nos casos em que a nota promissória for assinada em branco pelo devedor e entregue ao credor a título de garantia de pagamento do contrato de empréstimo celebrado entre as partes, a cártula perde seu caráter de título executivo extrajudicial, entre outras coisas, por não gozar de autonomia e por não deter a necessária liquidez, uma vez que o seu valor veio a ser fixado unilateralmente pelo próprio credor. A propósito do tema, adite-se que, em se tratando de nota promissória executada pelo próprio favorecido, isso é, nota promissória que não chegou a circular, dispõe a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que é permitido ao devedor argüir a iliquidez da obrigação original (REsp n. 404087, rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 27.6.2005, p. 398).

Outro deslize comum aos processos de execução fundada em nota promissória se dá quando, tratando-se de nota promissória vinculada a contrato de mútuo, o credor deixa de instruir a inicial da execução com tal contrato e com o indispensável demonstrativo contábil do valor do crédito reclamado (REsp n. 154679/RS, rel. Min. Costa Leite, DJU de 31.8.1998, p. 74).

Não pensem os incautos que podem emprestar dinheiro a juros abusivos sem sofrer as conseqüências. O art. 406 do vigente Código Civil (CC) estatui que, quando não forem convencionados, os juros serão fixados segundo a taxa em vigor para pagamento de impostos, do que resulta a aplicação da taxa de 1% (um por cento) ao mês (§ 1.º do art. 161 do CTN); e o art. 591 do CC dispõe que, em casos de mútuo, os juros não poderão exceder a taxa referida no art. 406 do CC. A Lei de Usura, por sua vez, no seu art. 11, declara nulo de pleno direito o contrato que a infringir. Veja-se:

“Art. 11. O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais”.

E o art. 104 do vigente CC, ao tratar da validade do negócio jurídico, tomou tal termo em sentido amplo, fazendo inserir na norma tanto os requisitos quanto os elementos de existência do negócio jurídico. Obviamente, a norma não se presta a conceituar e explicar o instituto, mas se mostra suficiente a inserir, entre os requisitos de validade do negócio jurídico, a licitude do objeto. A par disso, o inc. II do art. 166 do CC dispõe que é nulo o negócio jurídico quando for ilícito o seu objeto.

Assim, porque vigente a Lei de Usura, não é lícito a qualquer pessoa física ou mera sociedade empresarial emprestar dinheiro a juros com taxa de 2%, 3% ou 10% ao mês, com capitalização mensal. Isso é vedado por lei. Mesmo se celebrado por forma escrita, tal contrato de empréstimo não existe no mundo jurídico e nula é a nota promissória que se encontre a ele vinculada, e lastreie a execução. @


[*] Advogado empresarial, ex-conselheiro da OAB- Seção do Distrito Federal, Professor de

Direito Processual Civil e Juiz de Direito aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Assuntos: Direito Financeiro, Direito Tributário, Execução Fiscal, Financeiro

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