Tráfico e porte de drogas: você acha que o Brasil está no caminho certo?

15/09/2015. Enviado por em Criminal

Foram gastos bilhões de dólares na guerra contra as drogas e o tráfico vai muito bem, obrigado, diz o antropólogo e estudioso do tema, Luiz Eduardo Soares.

O assunto sobre a criminalidade brasileira sempre aparece em conversas entre rodas de amigos, e dentre os seus motivos logo está o tráfico de drogas com suas consequências. Dentre essas discussões, naturalmente, está a liberação ou não do consumo de entorpecentes.

É sabido que a maior repressão, nos dias atuais, ao tráfico de drogas, está em razão deste ter como consequência crimes que costumam chocar a sociedade como homicídios, latrocínios, roubos, furtos, corrupção ativa entre outros.

Muitos apontam que a solução é a repressão com a edição de leis mais severas e aplicação de penas cada vez maiores pelo judiciário. Será? Dados apontam que nos últimos 25 (vinte e cinco) anos a leis penais brasileiras se tornaram mais severas e, no entanto, a criminalidade se recusa a diminuir.

Tomando como exemplo as medidas tomadas por outros países, podemos constatar que duas das três consequencêmicas indesejadas pela atual política de drogas brasileira seriam dirimidas se tivéssemos um serviço diferente: a redução da população carcerária e de custos do Estado com persecuções penais com alvo em atitudes mínimas.

Seria BURRICE o caminho da repressão escolhido pelo Brasil?

Quais políticas de combate as drogas já foram adotada pelo Brasil?
A Constituição de 1988 determinou que o tráfico de drogas é crime inafiançável e sem anistia. Em seguida, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) proibiu o indulto e a liberdade provisória e dobrou os prazos processuais, com o objetivo de aumentar a duração da prisão provisória.

Já a Lei de Drogas (Lei11.343/06) eliminou a pena de prisão para o usuário e o dependente, ou seja, para aquele que tem droga ou a planta para consumo pessoal. A legislação também passou a distinguir o traficante profissional do eventual, que trafica pela necessidade de obter a droga para consumo próprio e que passou a ter direito a uma sensível redução de pena.

Já a criação da Força Nacional de Segurança e as operações nas favelas do Rio de Janeiro, iniciadas em 2007 e apoiadas pelas Forças Armadas, seguidas da implantação das unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), reforçaram a repressão e levaram a presença do Estado a regiões antes entregues ao tráfico.

As discussões em torno das leis que tratam do tráfico e dependência de drogas continuam a ser feitas no Congresso, atualmente está em votação a discriminalização do porte da drogas para uso pessoal e por decorrência, também se apresentam propostas da quantidade que poderia ser considerada parâmetro para distinguir usuários de traficantes, por exemplo, o limite de porte de 25 gramas.

Por que a repressão não é a solução?
Pensemos na conhecida lei da mercado. Onde quanto menor a oferta de um produto, maior é o preço. Pois é exatamente isso que ocorre com o tráfico de entorpecentes. Quanto maior a repressão, menor a oferta e maior o lucro.

Aliados a esses lucros estratosféricos, essa atividade não é sujeita à tributação e ao recolhimento de obrigações trabalhistas, tornando o tráfico cada vez mais lucrativo e assim atrair cada vez mais pessoas mais preparadas, mais inteligentes, mais endinheiradas, mais violentas, e assim por diante.

Por estas e outras razões que fica claro que a política de combate ao tráfico adotada pelo Brasil não é a tendência mundial, observando o exemplo de outros países citados a seguir, é possível constatar que a repressão não pôs fim ou sequer reduziu o comércio e o consumo das substâncias ilícitas. Pelo contrário, foram observados os mesmo fenômenos percebidos em nosso país, quais sejam: aumento do comércio e do consumo, superpopulação carcerária e explosão da criminalidade.

Diante disto, está claro que o Brasil está na contramão do mundo, ou seja, não é inteligente o combate ao tráfico de drogas voltado única e exclusivamente para a repressão.

A atuação dos outros países

ARGENTINA
A Corte Suprema Argentina declarou a inconstitucionalidade de lei que pune com prisão ou penas alternativas a posse de drogas para uso pessoal. O ministro Eugenio Zaffaroni entende que “o processamento dos usuários se torna um obstáculo para a recuperação das poucas pessoas que são dependentes, pois não faz mais que estigmatizar e reforçar sua identificação através do uso de substâncias tóxicas”.

Destaca-se, ainda, a criação por parte do governo da “Comissão Assessora em Matéria de Controle do Tráfico Ilícito de Entorpecentes, Substâncias Psicotrópicas e Criminalidade Complexa.” Tal comissão definiu várias linhas temáticas que defendem a necessidade de uma lei mais humana.

COLÔMBIA
A Corte Suprema da Justiça da Colômbia, assim como a da Argentina, reafirmou que o porte de quantidade de qualquer droga para uso pessoal não pode ser penalizado. Esta decisão cobre inclusive o porte de quantidades para vários dias de provisão destinado ao uso pessoal e não à distribuição.

Como afirmado pelo Corte Suprema colombiana, o consumo drogas é um “comportamento autodestrutivo”, mas pertence ao âmbito da liberdade individual e, portanto, não é passível de punição.

EQUADOR
A proposta da “anistia a pequenos traficantes” (em espanhol, chamados de mulas) no final de 2008 permitiu a libertação de 1.500 presos por microtráfico de drogas no Equador. Os argumentos do governo foi, inclusive, a necessidade de aliviar o peso sobre o sistema prisional, sobrecarregado, em parte, pelo grande número de condenações por venda de pequenas quantidades de entorpecentes.

O Equador tem uma das leis sobre drogas mais repressivas da América e pune com penas similares os delitos por venda de qualquer quantidade de drogas e por crimes violentos. Isto gerou a superlotação de prisões entre 1993 e 2007: a população prisional aumentou de 9.000 para 14.000 presos em 14 anos. Não se tratou de um perdão geral e negligente, este estabelecia diversas condições para receber o benefício: não ter condenações anteriores por crimes relacionados ao tráfico de drogas e, no momento da detenção, quem estivesse com até dois quilos de qualquer substância entorpecente.

ESTADOS UNIDOS
Dentro da atuação policial nos Estados Unidos voltada à punição, algumas práticas com o objetivo de coibir a violência juvenil relacionada ao tráfico de drogas se destacaram e são lembradas até hoje como uma inovação. Por consequência, foi realizado o projeto “Boston Gun”, o qual, com o objetivo de diminuir também a violência juvenil associada ao mercado de armas e ao tráfico, ao investigar e reunir informações sobre as gangues criminosas que estavam em disputa pelo mercado de drogas, a polícia de Boston lhes deu um ultimato: se fosse registrada uma morte relacionada a ataques de grupos traficantes, a polícia prenderia todos os criminosos contra os quais elas já tinham provas. A estratégia funcionou e, em pouco tempo, conseguiu-se diminuir a taxa de homicídios juvenis da cidade.

Outra experiência que teve êxito foi o caso de High Point, no qual a polícia agrupou evidências suficientes para encarcerar boa parte dos criminosos envolvidos com o tráfico de drogas local. Em seguida, passou a se reunir com amigos e parentes dos traficantes mais ativos da comunidade e esclareceu que, se os jovens abandonassem as atividades relacionadas ao mercado das drogas, eles não seriam mais perseguidos e suas famílias teriam assistência para superar as dificuldades que enfrentavam. Desse modo, a polícia conseguiu influenciar, diversas vezes, os jovens a deixar de trabalhar para o tráfico, e possibilitou a diminuição da taxa de crimes violentos em 35%.

MÉXICO
Em abril de 2009, o Congresso mexicano aprovou a chamada “Ley de Narcomenudeo”, ou Lei do Narcovarejo, que descriminalizou a posse de pequenas quantidades de drogas, ou seja, descriminalizou seu uso. Sendo considerado vendedor de varejo ou “narcovarejista” quem é encontrado em flagrante delito com quantidades de maconha entre cinco gramas e meio quilo.

Mas profissionais alertaram que a medida pode estimular uma corrupção policial nas ruas, pois as quantidades de drogas estipuladas não correspondem à realidade. Supondo-se poder portar 0,5 grama de cocaína, quando se vende por grama.

ESPANHA
O uso de entorpecentes a sós e em locais privados não infringe a legislação nacional. Já em locais públicos, o porte, mesmo que para consumo pessoal, expõe o usuário a sanções penais ou encaminhamento aos serviços de saúde.

No caso da atenção ao usuário, existe um sistema descentralizado de serviços que inclui a estratégia de redução de danos em regiões e cidades autônomas e a abordagem penal para combater organizações criminosas que se capitalizam através do tráfico de substâncias ilícitas segue, via de regra, o cânone internacional. A Espanha, devido a sua proximidade com a África e a América do Sul (se comparada com o resto da Europa), é rota do tráfico para escoamento no restante do continente, sendo necessário um forte esforço por parte das autoridades espanholas para impedir o ingresso de entorpecentes em seu território.

O país adota uma postura diferenciada em relação à canábis. Desde 1974, o consumo pessoal e privado da planta é permitido, muito embora seu comércio seja considerado crime passível de privação de liberdade.

REINO UNIDO
O Governo Britânico implementou em 1999 um programa que oferece aos usuários problemáticos de drogas, que tenham cometidos delitos, tratamento à dependência, o que reduz a taxa de reincidência destes indivíduos.

Há, claro, casos em que o crime cometido não pode ser “perdoado” e um período em instituição penal é necessário, mas, havendo concordância por parte do indivíduo, parte da pena pode ser cumprida em liberdade desde que frequente a instituição para tratamento.

Referências
Políticas de Drogas: Novas práticas pelo mundo. CBDD - Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia. 2011. Link: http://www.bancodeinjusticas.org.br/wp-content/uploads/2011/11/Pol%C3%ADtica-de-drogas-novas-pr%C3%A... - Acessado em 20/07/2015.
Tudo ou Nada. Soares, Luiz Eduardo. 2012
Brasil. Disponível no Sítio do Senado Federal -http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/dependencia-quimica/iniciativas-do-governo-no-c...- Acessado em 20/07/2015.

O artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a posição do MeuAdvogado.

Assuntos: Direito Constitucional, Direito Penal, Direito processual penal, Drogas, Tráfico


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