30/05/2011. Enviado por Dr. Paul Estanislau
Em todos os canais onde se vislumbra o neoliberalismo encontramos o capital agindo de forma agressiva em detrimento dos trabalhadores. Um exemplo emblemático dessa desproporção entre o capital e o trabalho é a República da China, que tem conseguido resultados extremos às custas de uma remuneração péssima ao setor laboral.
Todo esse neoliberalismo, essa globalização, esse link entre produção e bens de consumo entrou num campo de competitividade desenfreada, “estourando” diretamente nas costas dos trabalhadores em geral e, quando falamos em globalização, temos como referência principal os portos do mundo, que são em realidade os instrumentos que materializam objetivamente essa distribuição e logística de produtos.
Todavia, no que se refere ao trabalho portuário; aos poderes constituídos nesta federação (art. 2º da CF/88); ministérios específicos e a constituição, temos o trabalhador portuário como categoria diferenciada, sujeita a princípios como o indubio pro operario [1], o Princípio da Proteção do Emprego, as regras de hipossuficiência, os mecanismos e instrumentos coletivos que tentam, de forma muito tímida, acalmar esse apetite capitalista.
Não se pode olvidar, que a implementação de novos terminais e, portanto, da instauração de uma competitividade majorada entre portos, que se apresentam cada vez mais modernos, não deve retirar das médias salariais dos trabalhadores portuários as suas diferenças positivas e lucros.
Ademais, nos casos de concorrência desleal, dumping [2], ou até mesmo de tomada integral de mercado de operação portuária, uns em desfavor de outros, os órgãos incumbidos em fiscalizar as práticas predatórias e desleais devem ser provocados, para que ao final, a justificativa do patronal não seja a de que não está mais suportando a concorrência, tentando assim, baixar custos de mão-de-obra; sendo que ao invés deverá acionar órgãos fiscalizatórios e aprimorar o seu desempenho administrativo. Não deve a classe patronal querer induzir em erro a sociedade e as pessoas do meio portuário, que atuam nos desdobramentos da operação, sob a pálida justificativa de que os custos de outros terminais estão a diminuir e que assim deve também a redução de salário ser um fato – ledo engano.
Se formos focar toda a questão portuária, em metas de produção a serem alcançadas, no que diferem entre si os terminais portuários em sua operação? A resposta é clara: Diferenciam-se em tecnologia, em automação. Quem possuir a maior abrangência tecnológica e o mais modernos equipamentos eliminará custos e se tornará ainda mais atrativo ao mercado. Só que a diminuição de custos nestes casos também representa ao trabalho portuário a diminuição de postos de trabalho. Portanto, otimização de custos para o patronal não deve andar separada do conceito que de Proteção do Emprego, princípio que por sua vez protege o trabalho da automação (artigo. 7º, XXVII, da CF/88).
Sobre o princípio da proteção, ensina Maurício Godinho Delgado:
[...] que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia - o obreiro-, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver- se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesse obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a idéia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente [3].
A Lei 8.630/93, que por sua vez também é conhecida como Lei de Modernização dos Portos, não modernizou nada no que tange a automação, pois não traz em seu conteúdo regramento específico para a proteção dos trabalhadores contra essas novas modalidades e equipamentos, porém, o próprio art. 29 da Lei informa que a remuneração, a definição das funções, a composição dos termos e as demais condições do trabalho avulso serão objeto de negociação entre as entidades representativas dos trabalhadores portuários avulsos e dos operadores portuários.
Portanto, não é necessário fazer algum esforço interpretativo-jurídico para se concluir que a cada novo equipamento inserido na operação portuária, quer seja em área de porto organizado (onde nesses casos há uma autoridade portuária e um OGMO), quer seja fora dela, os setores fiscalizatórios das mais variadas áreas (Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, CADE [4], Conselho de Supervisão Portuária) devem ser informados – pois os reflexos ocorrem em todos os terminais em geral.
Mutatis mutandis, é quase como se operadores portuários patronais fossem pescadores, alguns usam redes que pegam peixes menores; outros usam redes que pescam somente os peixes maiores, ao final quem terá recolhido mais peixes?
Há que se respeitar o defeso e a continuidade das espécies, não é mesmo? Da mesma forma, o patronal deverá respeitar o limite de quantidade de postos de trabalho nos terminais privativos e portos pelo Brasil afora, pois não estamos na Europa (onde as regras são outras), estamos em um país regido por uma Constituição Federal, por Leis Trabalhistas, pelo Princípio da Proteção do Emprego, pelo in dúbio pro operario e demais regras preventivas que protegem os obreiros, em tese, do capitalismo selvagem – somos um país republicano, e os portos são da União. Essas regras acima citadas deveriam ser colocadas em prática definitivamente, com certeza – cobrando ainda o regramento específico da Convenção 137 da OIT.
Por fim, caberá as entidades sindicais (federais e regionais) e ao suporte técnico existente nessas áreas trabalhistas e portuárias a manutenção e vigilância constante a partir de agora das regras que manterão, ou não, os postos de trabalhos, sob pena de que o trabalhador portuário passe a ser apenas mais uma espécie que foi extinta no oceano do capitalismo intolerante, gerador de pobrezas progressivas dentro de nossa sociedade contemporânea.
[1] Arnaldo Sussekind em seu livro “Instituições de Direito do Trabalho”, ed. Ltr, 11 ed. p. 129, leciona que o “(...) princípio ‘in dubio pro operario’, que aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória”.
[2] Dumping é uma prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país venderem seus produtos por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo para outro país (preço que geralmente se considera menor do que se cobra pelo produto dentro do país exportador), por um tempo, visando prejudicar e eliminar os fabricantes de produtos similares concorrentes no local, passando então a dominar o mercado e impondo preços altos.
[3] DELGADO, 2004, p.197-198
[4] CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça
Brasileiro / www.cade.gov.br