Regras de direito internacional na dissolução da sociedade conjugal

07/11/2013. Enviado por

Dispõe sobre o procedimento de divórcio no exterior de casamento ocorrido no Brasil e divórcio no Brasil de casamento ocorrido no exterior

A abrangência e importância da atividade notarial e registral permeia diversos ramos do direito, dentre eles o direito internacional privado. Não raro, os notários brasileiros deparam-se com pedidos de divórcio de um casamento celebrado no exterior ou, o registrador civil, recebe em sua serventia para registro no Livro E e averbação no assento de casamento documento estrangeiro que decreta o fim da sociedade conjugal de ato realizado em seu cartório.

O Brasil é signatário de diversos tratados de direito internacional, os quais visam à harmonização da legislação pátria com a legislação alienígena, permitindo assim convivência pacífica entre elas, principalmente ao tratarmos do direito de família. O principal deles é o Código de Bustamante, inserido no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto Nº 18.871[1], de 13 de agosto de 1929, após sua retificação pela então República dos Estados Unidos do Brasil, que se deu em seguida à Sexta Conferencia Internacional Americana, reunida na cidade de Havana, Cuba, naquele mesmo ano.

No âmbito do registro civil, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ - editou a Resolução 155, de 16/07/2012, cuja regulamentação versou a respeito do ingresso de atos realizados no exterior, por autoridade brasileira ou estrangeira, nos livros do registro civil em nosso país. Com muita sapiência, o órgão administrativo discriminou os procedimentos específicos para o traslado de nascimento, casamento e óbito, silenciando-se, no entanto, quanto à dissolução das núpcias.

Sob a ótica jurisdicional, o Código de Processo Civil fixa a autoridade judiciária brasileira como competente quando o “réu, qualquer que seja sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil[2]”. Salienta-se, porém, que esta competência não é exclusiva, podendo as ações ou pedidos serem propostos perante a autoridade competente de outro país, conforme o caso concreto.

De maneira análoga, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB – preconiza em seu artigo 7º que a “lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”.

Ambos os dispositivos legais supracitados são partes integrantes de normas de direito internacional privado insertos nas legislações brasileiras, os quais devem, sempre, ser interpretados de maneira conjunta e dinâmica, de forma a harmonizar o sistema jurídico. Porém, a gama de normas a que devemos nos atentar transcende o direito pátrio, como é o exemplo do Código de Bustamante.

Neste diapasão, duas situações devem ser levadas em consideração: (i) casamento celebrado no exterior e o divórcio feito no Brasil; (ii) divórcio realizado no exterior de casamento celebrado no Brasil.

Para todo ato lavrado, seja no Brasil, seja no exterior, requisitos de validade são impostos para que surtam seus efeitos no país de destino. Uma escritura pública lavrada no Brasil (ou no exterior) deverá produzir seus efeitos mediante a legislação alienígena (ou no Brasil), desde que: (a) praticada pela autoridade competente (Tabelião); (b) na presença de ambas as partes; (c) devidamente acompanhadas de seu advogado; (d) ausência de incapaz; (e) consensualidade entre as partes; (f) tradução por tradutor oficial; e (g) registro do ato no RTD[3].

Assim, para que um divórcio extrajudicial feito no Brasil surta seus efeitos no país de origem do casamento, ele deve ser revestido das formalidades legais exigidas pela lei brasileira, assim como descrito no parágrafo acima. Observa-se que a fixação do país onde o ato poderá ser lavrado diz respeito ao local de domicílio dos interessados.

Esta mesma regra também é válida para documentos com força de escritura pública lavrados em país estrangeiro. A título exemplificativo, um divórcio realizado por escritura pública lavrada por tabelião francês poderá ingressar no registro civil brasileiro, surtindo todos os efeitos, isto porque na França, assim como no Brasil, é possível que um divórcio seja feito extrajudicialmente.

Desta forma desde que os pressupostos exigidos pela legislação brasileira sejam todos adimplidos, o ato poderá ser válido no Brasil sem necessidade de homologação judicial, tampouco pelo STJ, somente sendo exigido o registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos – RTD - após sua tradução, conforme inteligência do artigo 129, 6º da Lei 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos.

Não será admissível, porém, um divórcio feito no Brasil com partilha de bens situados no exterior. Neste caso há expressa vedação legal, inclusive pelo artigo 29, da Resolução 35 do CNJ. Por sua vez, o CPC (art. 89, I e II), estabelece competência exclusiva da autoridade brasileira para “conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil”, bem como “para proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional”.

Seguindo os entendimentos acima, recebido pelo tabelião de notas brasileiro pedido de divórcio de casamento realizado no exterior, este deverá observar, desde logo, se o domicílio dos interessados e os bens do casal se situam no Brasil. Não sendo aqui o domicílio, o delegatário deverá se recusar a lavrar o ato e, caso exista qualquer bem situado no exterior, não poderá haver a partilha com relação a ele, mas tão somente o divórcio.

Noutra esteira, o registrador civil que receber em seu cartório documento com força de escritura pública lavrada no estrangeiro deverá se atentar se as formalidades do ato foram adimplidas e se no país de origem existe possibilidade de divórcio extrajudicial. Além disso, o ato deve ser traduzido e registrado no RTD, em obediência à Lei dos Registros Públicos. Caso tais requisitos não sejam todos satisfeitos, o divórcio não surtirá seus efeitos no Brasil.

E mais. A averbação de divórcio realizado no exterior poderá ser feita no registro civil, conforme leitura analógica do artigo 221, III, da LRP, que admite para fins de inscrição no Registro de Imóveis os atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados, traduzidos na forma da lei e registrados por Oficial de Registro de Títulos e Documentos[4].

Portanto, os atos realizados fora do Brasil poderão surtir efeitos em nosso país, da mesma maneira que os atos aqui praticados terão eficácia garantida no estrangeiro. Porém, para que isso ocorra de maneira efetiva, deve, tanto o tabelião de notas quanto o registrador civil, se atentarem às normas do direito internacional privado, observando, sempre, todos os requisitos exigidos para o ato.

Autor: Bruno Bittencourt Bittencourt 

Fonte:

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2011.

MIRANDA, Jeferson. Manual Prático do Tabelião de Notas. Espírito Santo, 2007.

SANTOS, Marcelo Velloso dos. Divórcio. Escritura Pública lavrada por Notário Estrangeiro. Condições para Averbação.  Disponível em: http://registrocivil.wordpress.com/2010/08/12/divorcio-escritura-publica-lavrada-por-notario-estrangeiro-condicoes-para-averbacao/. Acessado em 06/03/2012.

PAIVA, João Pedro Lamana. Inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pro via administrativa. Artigo.



[1] OBS: para conhecer os tratados em vigor para o Brasil, verifique o site do Ministério das Relações Exteriores em  www.mre.gov.br e Ministério da Justiça www.mj.gov.br

[2] Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

[3] As letras “f” e “g” dizem respeito à validade de ato lavrado no exterior para ingresso no sistema brasileiro.

[4] Marcelo Veloso dos Santos

Assuntos: Direito Civil, Direito de Família, Direito Internacional, Direito processual civil, Divórcio, Família, Separação, União estável

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