Prescrição do contrato de seguro: antinomia de dispositivos do CC e CDCO

17/02/2014. Enviado por

Considerando a importância do contrato de seguro para sociedade, uma vez que todos os indivíduos estão sujeitos a estes contratos, mesmo que de forma indireta através de contratos firmados por terceiros, o presente trabalho tem como objetivo analisar

1. INTRODUÇÃO

O instituto do contrato de seguro não é novo no sistema normativo brasileiro, e possui previsão no ordenamento desde o Código Comercial de 1850, com o seguro marítimo. Com a elaboração do Código Civil de 1916 recebeu ordenamento definitivo e ganhou tipicidade, avançando no ponto legal e doutrinário. Atualmente a sua estrutura está presente no Código Civil de 2002 no artigo 757 e seguintes.

Os avanços legislativos quanto à matéria são reflexos de como esta modalidade de contrato está presente no cotidiano da nossa sociedade, cercada dessas relações jurídicas. Os contratos de seguro podem ser celebrados para segurar um bem imóvel, veículos terrestres, marítimos e aéreos, maquinários, pessoas, como qualquer objeto passível de indenização.

Assim, considerando que todos os indivíduos da sociedade estão sujeitos a essas relações, mesmo que celebradas por terceiros, é de suma importância nos atentar no porque do atual entendimento jurisprudencial e na possibilidade de uma interpretação diversa, uma vez que temos um aparente conflito normativo no que tange a prescrição do contrato de seguro.

Conceituando sucintamente, o contrato de seguro é uma transferência de risco. Neste negócio jurídico, uma das partes se obriga a garantir interesse de outro sujeito contra riscos pré-determinados, mediante pagamento de determinado valor compensatório.

Sua prescrição tem incisos próprios no art. 206, §1º, II e §3º, IX, do CC (Código Civil), sendo de um ano a pretensão do segurado contra o segurador (ou vice e versa), e três anos a pretensão do beneficiário contra o segurador.

Desta forma, um conflito dentro da legislação ordinária do sistema normativo brasileiro surge, mesmo que aparente. O contrato de seguro é considerado relação de consumo pelo artigo 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, ficando assim, também sujeito ao prazo de cinco anos previsto pelo art. 27 do diploma.

O tema é objeto do enunciado da ainda vigente súmula 101 do Superior Tribunal de Justiça editada antes da vigência do atual Código Civil, que reconheceu a aplicação da prescrição ânua invés da quinquenal.

Através de análise documental e bibliográfica, seja de leis, jurisprudência dos tribunais superiores e doutrinas, o objetivo da pesquisa é compreender de forma conclusiva, o porquê dos entendimentos jurisprudenciais atuais sobre o tema e se  realmente são viáveis os fundamentos para considerar a aplicabilidade da prescrição do CDC (Código do Consumidor) nos contratos de seguro.

Especificamente a pesquisa irá compilar e conceituar tudo o que diz respeito ao tema de forma clara e conexa com o fim de compreender os conceitos básicos dos institutos fundamentais para a discussão, expor entendimentos doutrinários e jurisprudências, além de deixar evidente a intenção do legislador.

 

2. CONTRATOS

2.1       CONCEITO

A noção de contrato e sua concepção estão conectadas intimamente com a constituição de negócios jurídicos, aquele é a concretização destes. A convergência de vontades humanas para criar direitos e obrigações, entre duas ou mais pessoas, é a centelha da formação de um contrato.

Neste sentido, Caio Mário da Silva Pereira (2010, p. 7) conceitua que “o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”.

No mesmo entendimento caminha a compreensão de outros doutrinadores como Arnaldo Rizzardo (2010, p. 5): “acordo simultâneo de vontades para produzir efeitos jurídicos”; e Sílvio de Salvo Venosa (2008, p. 347): “quando o homem usar de sua manifestação de vontade com a intenção precípua de gerar efeitos jurídicos, a expressão dessa vontade constitui-se num negócio jurídico”.

O professor Paulo Nader (2006, p. 11), além de compartilhar deste entendimento, atesta ainda que há três conceitos de contrato que se distinguem, do mais extenso ao mais conciso:

Um deles é amplíssimo e significa o acordo de vontades para produzir efeitos jurídicos os mais diversos. Nesta acepção lata, a noção de contrato alcança as diversas províncias do Direito Privado, Direito Público Interno e Internacional. Em sentido menos amplo, quer dizer acordo de vontades que visa obter resultados jurídicos de conteúdo econômico. Tal definição restringe o sentido, desconsiderando os vínculos contraídos sem finalidade patrimonial, como o do casamento e adoção, mas alcança os estabelecidos no âmbito do Direito das Coisas, Direito do Trabalho, entre outros. Finalmente, a acepção mais restrita: a que designa por contrato apenas a reunião de vontades, que tem por objeto a produção de efeitos jurídicos na órbita do Direito das Obrigações. (grifo do autor)

Assim, apesar de os contratos englobarem diversos ramos do direito como supracitado, apenas o último conceito, consequentemente o mais estrito, é pertinente para o tema aqui discutido.

 

2.2       EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Apesar de haver relatos de formas precárias de contrato que surgiram em civilizações antigas, foi no Império Romano que floresceu o Direito e quando surgiu o embrião do “contrato” como conhecemos hoje. Atualmente o mesmo termo abrange um significado muito mais amplo do que nos tempos da Roma Antiga, época qual a expressão “contrato” era espécie de um gênero.

Paulo Nader (2006) ressalta que atualmente podemos utilizar a figura do contrato, convenção e pacto, como sinônimos. No entanto, o Direito Romano as diferenciava quanto a sua executoriedade entre as partes. Segundo preceitua Sílvio de Salvo Venosa (2008, p. 350):

“Convenção é termo mais genérico, aplicável a toda espécie de ato ou negócio bilateral. O termo pacto fica reservado para cláusulas acessórias que aderem a uma convenção ou contrato, modificando seus efeitos naturais, como o pacto de melhor comprador na compra e venda e o pacto antenupcial no casamento. Pacto, usado singelamente, não tem a mesma noção de contrato. Utiliza-se para denominar um acordo de vontades sem força cogente.” (Grifo do autor)

Também fazendo referência a Roma, afirma Arnaldo Rizzardo (2010, p. 8): “ficou bem consolidado o conceito de contrato, que o gênio jurídico dos romanos distinguiu em três formas: a convenção, o pacto e o contrato propriamente dito”.

Expõe Caio Mário da Silva Pereira (2010) que o Direito Romano não se diferenciava apenas na nomenclatura. Os contratos eram imbuídos de extremo formalismo, que superava a vontade das partes. Apenas eram aceitos formas de contrato previstas, não existindo uma categoria geral de contrato. O contrato era previsto, conhecido pelo direito civil e dotado de força obrigatória, enquanto o pacto não exercia força cogente por ser inominado.

Venosa (2008, p. 350), em outras palavras explicita: “Para que se criasse uma obrigação, havia necessidade de certas formas que se exteriorizasse à convenções, sob certas formalidades, constituía um contractus”.

Continuando o raciocínio, Rizzardo (2010) aponta que com a queda do Império Romano o formalismo gradativamente foi sendo substituído pelo sentido obrigatório dos acordos pactuados entre as partes. O direito canônico foi um marco neste sentido, pois assimilava a quebra de compromisso com a mentira, um pecado capital.

Segundo os ensinamentos de Venosa (2008) a partir do século XVIII a autonomia da vontade humana foi ganhando força, sendo inclusive, normatizada no Código Francês e Alemão. O liberalismo se tornou o centro de todas as convenções, estes venerando a liberdade contratual. Neste diapasão leciona também Rizzardo (2010, p. 9):

“A teoria da autonomia da vontade humana foi desenvolvida pelos enciclopedistas, filósofos e juristas que precederam a Revolução Francesa e afirmara a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as, para as partes contratantes, à própria lei. [...] O Contrato não apenas se limita a criar obrigações, mas vai além, ao criar, modificar ou extinguir, inclusive, os direitos reais”.

Assim, no direito moderno não tem importância os termos utilizados, seja convenção, pacto ou contrato. Todos estes são dotados de exigibilidade. Caio Mário da Silva Pereira (2010, p. 9) ensina que: “toda convenção é modernamente dotada de força vinculante e mune o credor de ação para perseguir em juízo a prestação em espécie ou em equivalente”.

Embora vigore ainda nos ordenamentos jurídicos contemporâneos a autonomia da vontade, nos ensinamentos de Venosa (2008), esta liberdade contratual não é absoluta, devendo ser respeitos os limites impostos pela função social do contrato e a boa-fé que deve ser praticada pelos contratantes.
 

2.3       PRINCÍPIOS GERAIS DOS CONTRATOS

As diversas obras que tratam dos princípios do instituto contrato, o abordam de forma diferenciada, dando mais importância para alguns, e omitindo outros. A seguinte classificação se dará com base na doutrina de Silvio Salvo Venosa.

 
2.3.1  Autonomia da Vontade

Como já discorrido acima, e corroborando com o entendimento de Rizzardo (2010) é consagrado nos contratos o acordo de vontades livres e soberanas. O doutrinador conceitua que o referido princípio assegura a criação de direitos e deveres com caráter de cumprimento obrigatório.

Brilhantemente, Salvo Sílvio Venosa (2008, 359) dispõe a liberdade de contratar sob dois aspectos:

Pelo Prisma da liberdade propriamente dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato, ou pelo prisma da escolha da modalidade do contrato. A liberdade contratual permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos).

No entanto, o professor supracitado afirma que este princípio é relativo, não podendo exceder os limites que a lei estabelece. São as chamadas normas de ordem pública, esparsas no texto da lei, configurando uma verdadeira intervenção estatal para garantir a função social do contrato. Destaca ainda, que o art. 421 do Código Civil vigente traz em seu texto: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

Portanto, conclui Venosa (2008), que o Estado coibirá qualquer contrato que não atender o que se entende por interesse social considerando os casos concretos.


2.3.2  Força Obrigatória dos Contratos

Preceitua Rizzardo (2010) que este princípio é difundido através do brocardo jurídico pacta sunt servanda, o qual significa que os acordos devem ser cumpridos. Consiste no valor de lei atribuído ao que foi acordado entre as partes, criando vínculo de obrigatoriedade, sendo ilícito caso algum dos contratantes se negue a cumprir.

Sobre o aspecto da origem de tal obrigatoriedade, Caio Mário (2010, p. 14) afirma que: “a lei natural que leva o homem a dizer a verdade, como imposição de suas tendências interiores [...] concepção utilitarista de Jeremy Bentham aponta-lhe como suporte a conveniência de cada um, que no respeito ao interesse alheio enxerga o resguardo dos seus próprios”.

Segundo Venosa (2009, p. 360): “Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou indenizar pelas perdas e danos”.

Assim, Rizzardo (2010) deduz que o contrato obriga as partes tendo em vista o compromisso firmado, seja pelo dever de veracidade e por determinação da própria lei natural, ou na obediência da lei que impõe sanções para os descumprimentos e ferramentas para forçar o cumprimento.



2.3.3  Relatividade dos Contratos

Sílvio de Salvo Venosa (2008, p. 361) preconiza que este princípio delimita os efeitos do contrato apenas as partes que os celebraram, não podendo atingir terceiros, uma vez que ninguém pode tornar-se devedor ou credor contra sua vontade. Da mesma forma abrange o objeto do contrato, pois o mesmo não pode negociar bens que não pertencem as partes. Ainda, o autor afirma:

Nesse sentido, conclui-se que o contrato não produz efeito com relação a terceiros, a não ser nos casos previstos na lei. Temos de entender por parte contratual aquele que estipulou diretamente o contrato, esteja ligado ao vínculo negocial emergente e seja destinatário de seus efeitos finais. Por outro lado, deve ser considerado como terceiro, com relação ao contrato, quem quer que apareça estranho ao pactuado, ao vínculo e aos efeitos finais do negócio. (Grifo do autor)

Em outras palavras, os contratos só tem efeitos perante as partes contraentes, é o efeito estritamente inter partes.

 

2.3.4  Boa-fé Contratual

Segundo Rizzardo (2010) este princípio está intimamente ligado ao princípio da probidade, e foi previsto pelo Código Civil de 2002 no art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão, como em execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

O autor define ainda que este instituto consiste no dever das partes agir com clareza e transparência, sem uso de subterfúgios ou intenções outras que as expressas no instrumento formalizado. É a lealdade e confiança entre os pactuantes, além da justiça, equilíbrio e comutatividade das prestações.

Se aprofundando mais na análise deste princípio, Venosa (2008, p. 363) afirma que o Código Civil de 2002 adotou a boa-fé objetiva, e conceitua a mesma, diferenciando-a da boa-fé subjetiva:

Na boa-fé subjetiva, o manifestante de vontade crê que sua conduta é corretam tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio. Para ele há um estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado.

A boa-fé objetiva, por outro lado, tem compreensão diversa. O intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos.

Dando sequência ao seu pensamento, o doutrinador Sílvio Salvo Venosa (2008, p. 364), conclui que o Código Civil aplica a boa-fé objetiva sobre três aspectos: “função interpretativa (art. 113); função de controle dos limites do exercício de um direito (art. 187); e função de integração do negócio jurídico (422)”.

Por fim, conclui que da mesma forma que o Diploma Civil, o Código de Defesa do Consumidor também adotou tal princípio, coexistindo harmonicamente.

 

2.3.5  Função Social do Contrato


Dispõe o Código Civil na redação do art. 421: a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

É uníssono na doutrina que a função social do contrato surge como um limitador da autonomia da vontade na celebração de um pacto. Caio Mário (2010, p. 11) leciona no sentido que a autonomia da vontade deve ser limitada quando esteja divergente do interesse social, devendo prevalecer este último. Segundo o autor, a finalidade deste instituto é: “evitar a inserção de cláusulas que venham injustificadamente a prejudicar terceiros ou mesmo proibir a contratação tendo por objeto determinado bem, em razão do interesse maior da coletividade”.

Brilhantemente e concisamente, o professor VENOSA (2008, p. 365) abrange o principio da Função Social do Contrato nos seu âmago:

[...] a função social do contrato, preceito de ordem pública, encontra fundamento constitucional no princípio da função social do contrato lato sensu (art. 5º, XXII e XXIII, e 170, III), bem como no princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), na busca de uma sociedade mais justa e solidária (art. 3º, I) e da isonomia (art. 5º, caput). Isso repita-se, em uma nova concepção do direito privado, no plano civil-constitucional, que deve guiar o civilista no nosso século, seguindo tendência de personalização. Grifo do autor.

Ademais, Caio Mário (2010, p. 12) exemplifica perfeitamente este princípio na sua forma concreta: “o Código consagra a rescisão do contrato lesivo, anula o celebrado em estado de perigo, combate o enriquecimento sem causa, admite a resolução por onerosidade excessiva, disciplina a redução de cláusula penal excessiva”.

 

2.3.6  Proibição de Comportamento Contraditório

Apresentado também através do brocardo venire contra factum proprium. Venosa (2008) o define como a antítese da boa-fé objetiva. É a conduta que contraria uma anteriormente tomada, com o intuito de favorecer-se da outra parte celebrante do contrato.

Tal conduta é considerada ilícita e conforme a situação, permite indenização por perdas e danos, e moral. O comportamento contraditório, segundo Venosa (2008, p. 367): “pode e deve ser alegado processualmente como matéria de defesa ou exceção substancial, para obstar qualquer pretensão que tenha como fundamento comportamento contraditório”.

 

2.4       CLASSIFICAÇÃO E ESPÉCIES DE CONTRATOS

A classificação dos contratos tem o objetivo de dar identidade aos mesmos, através das suas características é possível especificar número de partes, possibilidade de dispor de cláusulas contratuais, forma de execução etc.

Dispõe Arnaldo Rizzardo (2010) que a classificação dos contratos subdivide-se em: unilaterais ou bilaterais; gratuitos e onerosos; comutativos e aleatórios; nominados ou inominados; reais, formais ou consensuais; mistos ou coligados; instantâneos, sucessivos e de execução diferida; principais e acessórios; por tempo determinado ou indeterminado; intuitu personae ou impessoais; derivados ou subcontratos; individuais ou coletivos; negócio ou contrato indireto.

Quanto aos contratos nominados ou inominados, Rizzardo (2010, p. 77) se manifesta no seguinte sentido:

Como nominados se classificam os contratos previstos e regulados na lei. Inominados consideram-se aqueles que não se enquadram numa figura típica prevista pelo legislador. Ou seja, os primeiros estão expressamente previstos na lei, que os regula através de normas, ao passo que os segundos se firmaram e se impõem pelo costume.

De acordo com Paulo Nader (2006) são regulados pelo Código Civil de 2002 as seguintes espécies: compra e venda; troca ou permuta; contrato estimatório; doação; locação de coisas; comodato; mútuo; prestação de serviço; empreitada; depósito; mandato; comissão; agência e distribuição; corretagem; transporte; seguro; constituição de renda; jogo e aposta; fiança; transação; e por fim, compromisso.

Ademais, seja contrato típico ou atípico, importante ressaltar que um mesmo pacto comporta várias classificações.

 

2.5       CONTRATO DE SEGURO

 

2.5.1  Evolução Histórica e Conceito

 

O contrato de seguro é um instituto que começou a ganhar evidência apenas a partir da Idade Média, mais especificamente o seguro marítimo, é o que afirma Paulo Nader (2006). O autor explicita que no Direito Romano não alcançou maior ênfase, pois os juristas da época não conseguiam distinguir do jogo e aposta.

Suscita Caio Mário (2010) que na Era Moderna começou a ganhar força e penetrar em diversas camadas da sociedade, admitindo seguro contra incêndio e sobre a vida partir do século XVIII. No século XIX apesar de não haver tipicidade nos Códigos mais pioneiros, já era aplicado para segurar o que a conveniência das pessoas assimilava como propicia a riscos.

No Brasil, ficou marcada sua maturidade com a elaboração do Código Civil de 1916. Evoluiu significativamente durante o século XX, ganhando caráter de interesse social e hoje sendo amplamente tipificado no Diploma Civil de 2002 (NADER, 2006).

Parafraseando o art. 757 do Código Civil de 2002, Caio Mário (2010, p. 409) conceitua o seguro como:

Seguro é o contrato por via do qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o recebimento de um prêmio, a garantir interesse legítimo desta, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos futuros predeterminados.

Muito próximo deste entendimento, Nader (2006) diz que como a sociedade como um todo está envolvida de insegurança e risco quanto a vida e o patrimônio, se faz necessário celebrar contratos para compensar os danos materiais ou perdas relacionadas à saúde e vida.

 

2.5.2  Características

 

Segundo Nader (2006, p. 466): “O contrato de seguro é nominado, consensual, bilateral, oneroso, aleatório, não formal, e de adesão”.

É explicitado pelo doutrinador que o contrato é nominado por estar tipificado na Constituição Federal e regulamentado em legislação ordinária; consensual, pois as formalidades não retiram o caráter consensual, não integrando a substância do negócio, sendo apenas elemento de prova; bilateral, pois gera obrigações para o segurado e segurador; oneroso, uma vez que há ônus e vantagens para um e para outro; aleatório, pela incerteza do pagamento mediante ocorrência de condição futura; tem a característica de não formal, pois pode ser provado pelo comprovante do pagamento do prêmio; e por fim, de adesão, já que o seguro apenas anui as cláusulas impostas pela seguradora, não havendo discussão sobre as cláusulas.

 

2.5.3  Espécies de Seguro

 

Define Paulo Nader que o Código Civil de 2002 dividiu o contrato de seguro em dois planos: seguro de dano e seguro de pessoa. O primeiro tem caráter indenizatório e o segundo compensatório.

Suscintamente o autor conceitua o seguro de dano como:

No seguro de dano, também chamado por seguro de coisa, os objetos garantidos referem-se a bens materiais ou a qualquer outro interesse suscetível de avaliação econômica. Assim, seguram-se casas, automóveis, créditos contratuais ou não, responsabilidade civil, entre outros bens e interesses. Os seguros mais comuns são os de proteção contra riscos de incêndio, furto ou roubo, transporte e acidentes pessoais. (NADER, 2006, p. 477)

Nesse diapasão o citado professor diz que esta modalidade visa garantir o segurado quanto à efetiva perda e despesas com o sinistro, não podendo exceder tal quantia, podendo abranger também a responsabilidade civil quanto à obrigação de indenizar terceiros. É possível a transferência do seguro, se o bem segurado for alienado ou cedido para outrem.

Oportuno trazer à baila o entendimento de Caio Mário (2010) sobre o seguro de pessoa, este compreende uma compensação pela integridade física do segurado, havendo a possibilidade de beneficiar terceiros com legítimo interesse. Nesta espécie, como o bem segurado é a vida e a integridade física, que não pode ser valorada, o valor da apólice fica a deliberação das partes contratantes, sendo possíveis assim, várias coberturas sobre a mesma pessoa.

 

3.           RELAÇÃO DE CONSUMO

 

3.1       CONCEITO

 

O bem jurídico tutelado pela Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) é a relação jurídica de consumo, sendo comum a ocorrência desta em várias áreas do Direito. É uma lei especial aplicável aos fornecedores e consumidores em suas relações, criada em razão destes últimos. Este conceito nos é trazido pelo professor Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 46). Dando continuidade ao seu raciocínio:

As normas jurídicas de proteção do consumidor, nelas incluídos os princípios, incidem sempre que ocorrem, em qualquer área do Direito, atos de consumo, assim entendidos o fornecimento de produtos, a prestação de serviços, os acidentes de consumo e outros suporte fáticos, e fazem operar os efeitos jurídicos nela previstos. O que particulariza essa relação jurídica é que os sujeitos serão sempre o consumidor e o fornecedor, e terá por objeto produtos ou serviços [...].

Assim, o ilustríssimo doutrinador compreende que para identificarmos uma relação jurídica devem estar presentes elementos essenciais subjetivos e objetivos: os primeiros são os sujeitos da relação jurídica, consumidor e fornecedor; os segundos são relacionados com o objeto das prestações, produtos ou serviços.

Chega-se a conclusão, portanto, que ocorre a relação de consumo quando os elementos essenciais estão preenchidos. Para tanto, o próprio CDC se preocupou em conceituar tais elementos nos seus arts. 2º e 3º.

Este pensamento é compartilhado por Rizzato Nunes (2011, p. 116): “[...] haverá relação jurídica de consumo sempre que se puder identificar num dos polos da relação o consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços”.

 

3.2       CONSUMIDOR

 

Apesar de o Código Consumerista ter se preocupado em conceituar os sujeitos da relação de consumo, a doutrina e jurisprudência não chegaram a um consenso sobre sua definição. A redação do art. 2º aparentemente é clara quanto ao conceito de consumidor quando diz que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

De acordo com o magistério de Rizzato Nunes (2011), a divergência das correntes se encontra quando ao termo destinatário final. Desse impasse surgiram duas teorias, a maximalista (objetiva) e finalista (subjetiva).

Resumindo o brilhantismo de Cavalieri Filho (2008), a teoria maximalista é mais ampla, considera consumidor todo aquele que tem aparência de destinatário fático do bem ou serviço. Retira estes do mercado, encerrando a cadeia produtiva. O Superior Tribunal de Justiça adotava esta corrente, neste sentido temos os julgados do REsp 488.274/MG, REsp 286.441/RS e 468.148/SP, todos de 2003.

Em contrapartida, segundo o mesmo doutrinador, a teoria finalista considera imprescindível que a aquisição no mercado seja para satisfazer uma necessidade pessoal do sujeito, seja pessoa física ou jurídica. O consumo não deve incrementar atividade profissional lucrativa, fazendo parte da transformação, beneficiamento ou montagem dos bens e serviços. Este é a corrente seguida atualmente pelo STJ, ementa in verbis:

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO.FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e,portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. [...] (STJ - REsp: 1195642 RJ 2010/0094391-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 13/11/2012, T3 - TERCEIRA TURMA. Disponível em: <http://splashurl.com/odvr97d Acesso em: 09 out. 2013)

Afirma ainda o autor que, além de ser destinatário final, utilizando o bem e serviço para necessidade pessoal, para se enquadrar como consumidor, o mesmo deve estar na posição de destinatário fático e econômico, ter vulnerabilidade em sentido amplo e finalidade da aquisição seja não profissional.

No entanto este último requisito pode ser relativizado, pois se comprovados que o produto ou serviço foi utilizado fora do campo de especialidade profissional ou comercial, e presente a vulnerabilidade da empresa, pode incidir a relação de consumo.

Ademais o art. 2º em seu § único faz a seguinte ressalva: “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. José Geraldo Brito Filomeno (2012, p. 40-41) elucida ainda art. 29 e art. 17, respectivamente: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”; “para os efeitos da Seção que cuida da responsabilidade dos fornecedores pelo fato do produto e do serviço, equiparam-se aos consumidores as vítimas do evento”.

 

3.3       FORNECEDOR

 

Primeiramente, é importante elucidar o conceito de fornecedor trazido pelo Código de Defesa do Consumidor no seu art. 3º, para depois destrinchá-lo:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

No entendimento de José Geraldo Brito Filomeno (2012), são fornecedores aqueles que estão dispostos a oferecer bens e serviços no mercado de consumo, abastecendo habitualmente uma casa ou outro estabelecimento, com o intuito de aferir lucro.

Adere este conceito Cavalieri (2008, p. 61), porém, afirma ser resumido. Segundo o professor, a redação do citado dispositivo é bastante ampla, indicando o termo fornecedor como gênero. Desta forma, sobre as espécies deste termo comporta, expõe: “quer no que respeita ao sujeito em si (pessoa física ou jurídica; pública ou privada; nacional ou estrangeira), quer no que se refere às atividades que desenvolve [...]”.

Dando continuidade ao seu pensamento, o douto doutrinador assevera que o legislador teve a intenção de abranger todos os que atuam nas diversas etapas do processo produtivo antes de chegar às mãos do destinatário final.

De maneira didática, Rizzato Nunes (2011, p. 132-134) exemplifica este instituto da seguinte forma:

Por exemplo, se uma loja de roupas vende seu computador usado para poder adquirir um novo, ainda que possa descobrir no comprador um “destinatário final”, não se tem relação de consumo, porque essa loja não é considerada fornecedora. A simples venda de ativos sem caráter de atividade regular ou eventual não transforma a relação jurídica em relação de consumo.

[...]

Há, ainda, outra situação em que a pessoa física será identificada como fornecedora. É aquela em que desenvolve atividade eventual ou rotineira de venda de produtos, sem ter-se estabelecido como pessoa jurídica. Por exemplo, o estudante que, para pagar a mensalidade da escola, compra joias para revender entre os colegas, ou o cidadão que compra e vende automóvel – um na sequência do outro – para auferir lucro.

Ainda, Rizzato (2008) destaca que o Diploma Consumerista dá tratamento diferenciado em seus dispositivos utilizando o termo “fornecedor” quando a redação for direcionada a todas as espécies, e designa os destinatários específicos de alguns artigos quando menciona “fabricante”, “produtor” etc.

 

3.4       SERVIÇOS DE NATUREZA SECURITÁRIA

 

Sobre o prisma da doutrina de Sergio Cavalieri (2008), o caput do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, ao definir quem se encaixa no perfil de fornecedor, define também a obrigação que este assume para ser chamado considerado como tal. Fornecedor é aquele que realiza atividades de “produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos e serviços” (grifo nosso). Nos resta saber o que se entende por produtos e serviços.

No entanto, o próprio artigo em seus parágrafos conceitua:

Art. 3º [...]

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso)

Assim, dando ênfase ao objeto da pesquisa aqui discorrido, é um tanto claro que os serviços de natureza securitária se submetem a legislação consumerista. De acordo com os ensinamentos de Rizzato Nunes (2011), o legislador fez um reforço acautelatório, prevendo que os bancos, financeiras e empresas de seguro iriam tentar escapar da aplicação da Lei 9.078/90.

Afirma ainda o autor, que apesar do Superior Tribunal de Justiça sempre haver reconhecido a incidência em tais serviços, houve tentativa de declarar tal dispositivo como inconstitucional em 2001, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591, fundamentado que estaria viciado de inconstitucionalidade formal e material. A referida ADIN foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal em 2006.

Afirmando o entendimento uníssono da jurisprudência pátria, Cláudia Lima Marques (2005, p. 473):

Em resumo, a jurisprudência brasileira interpreta hoje os contratos de seguro à luz do Código de Defesa do Consumidor, como ensina a decisão do STJ: “Seguro – Competência – Ação de cobrança de indenização = Código de Defesa do Consumidor. O descumprimento da obrigação de indenizar é fato ilícito contratual e gera a responsabilidade civil do infrator. Ocorrendo na relação de consumo (serviço de seguros), pode a ação dela derivada ser proposta no foro de domicílio do autor, nos termos do art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor” (STJ, 4.ª T., Resp 193.327/MT, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJE 10.05.1999).

Além do fator preponderante para a aplicabilidade do CDC para tais serviços é a disposição expressa, o doutrinador José Geraldo Brito Filomeno (2012, p. 50) elaborou uma síntese que os caracteriza como relação de consumo:

(a) por serem remunerados; (b) por serem oferecidos de modo amplo e geral, despersonalizado; (c) por serem vulneráveis os tomadores de tais serviços, na nomenclatura própria do CDC; (d) pela habitualidade e profissionalismo na sua prestação.

Fica configurado assim, pelo entendimento consolidado da doutrina e jurisprudência, que perante a existência de relação de consumo nos contratos de natureza securitária, deve-se aplicar o Código de Defesa do Consumidor.

 

3.4.1  Princípios do Código de Defesa do Consumidor aplicáveis ao seguro

 

Sérgio Cavalieri Filho (2008) exalta dois princípios do Código Consumerista de forte e ampla aplicação no contrato de seguro.

Primeiramente, o autor suscita a boa-fé, explícita no art. 4º, III, e art. 51, IV da lei em comento. Vale destacar que esta boa-fé é a objetiva, impondo lealdade, comportamento ético e cooperação de ambos os celebrantes. Deveres que extrapolam as cláusulas escritas no contrato. Segundo a Lei 9.078/90:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

[...]

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Outro princípio trazido à discussão por Cavalieri (2008, p. 205) é o da transparência: “é o dever que tem o fornecedor de dar informações claras, corretas e precisas sobre o produto a ser vendido, o serviço a ser prestado, ou sobre o contrato a ser firmado”. Essa determinação se encontra nos seguintes dispositivos:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

[...]

§ 3o  Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Afirma o doutrinador que o CDC através da redação exposta, impôs o ônus ao fornecedor de informar ao consumidor todas as cláusulas que ele estará sujeito, sob pena de ineficácia por ser cláusula abusiva.

 

 4.           PRESCRIÇÃO

 

4.1       CONCEITO

 

Os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2013) asseguram que o personagem principal do instituto da prescrição é o tempo. Este sempre esteve presente nas relações jurídicas, e há profundo interesse em atribuir juridicidade as situações que perduram nele. O tempo pode extinguir ou criar direitos, assim, a prescrição ramifica-se em extintiva e aquisitiva. A Parte Geral do Código Civil de 2002 limitou-se a cuidar da parte extintiva e o direito das coisas da aquisitiva nos artigos 1238 e seguintes.

Segundo o já citado doutrinador, o Código Civil de 2002 expõe como prescrição, exclusivamente e taxativamente, os prazos discriminados nos arts. 205 e 206.

Portanto, resta definir o conceito claro do que vem a ser a prescrição extintiva que trata estes artigos. Nas palavras de Caio Mário (2008, p. 682):

Diferentemente da prescrição aquisitiva, que atua como força criadora, a extintiva ou liberatório conduz à perda da pretensão pelo seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo, e pode ser, em contraste com a primeira, encarada como força destrutiva.

Em outros termos, Venosa (2013, p. 575) conceitualiza: “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso delas, durante um determinado espaço de tempo”. O doutrinador conclui que na prescrição o direito sobrevive, perecendo o exercício desse direito pela inércia do titular.

Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 512)  afirma a necessidade da prescrição para atribuir tranquilidade à ordem jurídica, dispensando a conservação de todos os recibos de quitação, exame de títulos dos alienantes e de seus sucessores. É a efetiva consolidação de todos os direitos. O mestre agora citado, traz a orientação filosófica sobre os fundamentos da prescrição:

“o interesse público, a estabilização do direito e o castigo à negligência; representando o primeiro o motivo inspirador da prescrição; o segundo, a sua finalidade objetiva; o terceiro, o meio repressivo de sua realização. Causa, fim e meio, trilogia fundamental de toda instituição, devem constituir o fundamento jurídico da prescrição”.

Corroborando com o exposto acima, Venosa (2013, p. 572) alega a importância da prescrição para a estabilidade das relações sociais, trazendo segurança jurídica para as partes. Apesar parecer injusto, pois estaria respaldando quem não honrou em cumprir suas obrigações, sob outro aspecto, a prescrição isenta os negócios jurídicos do perigo de eventual pleitos judiciais ad aeternum. O brilhante doutrinador exemplifica: “não fosse o tempo determinado para o exercício dos direitos, toda pessoa teria de guardar indefinidamente todos os documentos dos negócios realizados em sua vida, bem como das gerações anteriores”.

 

4.2       PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO CIVIL

 

Como já exposto, o atual Diploma Civil limitou-se a tratar da prescrição extintiva nos artigos 205 e 206. Assim, decorrido os lapsos de tempo previsto, o titular do direito não pode exigi-lo.

No entanto, alude Venosa (2013) que a lei estipula causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. A ausência dessas circunstâncias permite que os prazos fluam normalmente.

Nesse passo, é de todo oportuno trazer a diferenciação feita pelo respeitável Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 522):

Se o prazo ainda não começou a fluir, a causa ou obstáculo impede que comece. Se, entretanto, o obstáculo surge após o prazo ter se iniciado, dá-se a suspensão. Nesse casso, somam-se os períodos, isto é, cessada a causa de suspensão temporária, o lapso prescricional volta a fluir somente pelo tempo restante. Diferentemente da interrupção, que será estudada adiante, em que o período já decorrido é inutilizado e o prazo volta a correr novamente por inteiro.

Devemos dar ênfase, portanto, no objeto pertinente a pesquisa, qual seja a prescrição na relação entre segurado e segurador.

 

4.2.1  Na pretensão do segurado contra o segurador – segurador contra o segurado

 

O prazo prescricional para a pretensão do segurada contra o segurador, ou vice e versa, é de 1 (um) ano, e está previsto no art. 206, § 1º, II, do Código Civil. A exata redação diz que é ânua: “a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele”.

A doutrina faz poucas ressalvas a este dispositivo, uma vez manteve o prazo do Código de 1916. Flávio Tartuce (2008) indica apenas a mudança quanto o início da contagem do referido prazo, presente nas alíneas “a” e “b”. A primeira, diz que nos seguros de responsabilidade civil o prazo inicia-se na data de citação para responder por ação de indenização proposta por terceiro prejudicado, ou da data que este é indenizado (com anuência do segurador). A segunda tem natureza residual, pois os demais seguros tem o termo aquo contados da ciência do fato gerador da pretensão.

Observação importante a ser acrescentada é que em virtude dos fatores de interrupção e suspensão da prescrição. No caso de requerimento administrativo perante a seguradora, incide a suspensão da prescrição, continuando a contagem da data da negativa:

SEGURO DE VIDA - PRAZO PRESCRICIONAL DE UM ANO (ARTIGO 206, § 1º, INCISO II DO CÓDIGO CIVIL/2002 - ARTIGO 178, § 6º, INCISO II DO CC/1916) - CONTAGEM A PARTIR DA CIÊNCIA SOBRE A INCAPACIDADE - SUSPENSÃO DO PRAZO COM O REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - REINÍCIO A PARTIR DA CIÊNCIA SOBRE A NEGATIVA AO PAGAMENTO PELA SEGURADORA - PRESCRIÇÃO CONSUMADA - Prescreve em um ano a pretensão do segurado contra o segurador, sendo que tal prazo, na hipótese, flui a partir da ciência inequívoca do segurado acerca de sua invalidez, é suspenso com o pedido administrativo e volta a correr, pelo tempo que lhe sobejava, a partir da ciência acerca da decisão. Ultrapassado o prazo de um ano, não há como apreciar a pretensão do autor, posto fulminada pela prescrição - Apelo improvido, com observação. (TJ-SP - Apelação: 1976780520098260100 SP 0197678-05.2009.8.26.0100, Relator: José Malerbi, Data de Julgamento: 26/11/2012, 35ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/11/2012. Disponível em: http://splashurl.com/q2rl5sf Acesso em: 09 out. 2013)

Ainda, quanto aos fatores que impedem a fluência da prescrição, o Superior Tribunal de Justiça editou enunciado sobre o termo inicial na ação de indenização, que seria a data da ciência inequívoca da lesão. Originou a súmula 278 que define: “o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.”

 

4.2.2  Na indenização no que diz respeito ao beneficiário contra segurador

 

É dado tratamento diferenciado para o beneficiário pleitear ação com intuito de receber indenização do segurador, devendo concretizar sua pretensão no prazo trienal. Também previsto no art. 206, o §3º traz o prazo de 3 (três) anos na: “pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. ”

Flávio Tartuce (2008) ressalta que é inovação legislativa, visto que não tem dispositivo correspondente no Código Civil de 1916. Ademais, o autor afirma que o termo inicial para contagem do prazo trienal é a data do sinistro, aplicando-se as regras de suspensão e interrupção inerentes ao instituto da prescrição.

 

4.3       PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

Leciona Cavalieri Filho (2008) que o Código de Defesa do Consumidor se preocupou em tratar da prescrição e decadência das suas relações. O diploma legal dispõe sobre decadência quanto ao vício do produto ou do serviço, seja na qualidade e quantidade, no art. 26, e sobre prescrição quando diz respeito ao fato do produto ou serviço (acidente de consumo), no art. 27. Vejamos a redação deste último:

Art. 27. Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Quanto a abrangência deste dispositivo, Rizzato Nunes (2011) indica que a norma se refere ao prazo para o consumidor pleitear indenização por defeito, este gerador de dano material ou moral, criando o direito de receber por tais danos.

No mesmo tema o professor Cavalieri (2008, p. 275), extrai as seguintes conclusões sobre a prescrição quinquenal do CDC:

Também aqui a prescrição está ligada a uma lesão do direito do consumidor e à consequente pretensão à reparação do dano.

Outra conclusão que se extrai da parte final desse art. 27 é que o CDC estabeleceu prazo prescricional único para todos os casos de acidentes de consumo – cinco anos – prazo esse que só começa a correr a partir do conhecimento do dano e de sua autoria -, “iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”. (grifo do autor)

Ademais, quanto ao objeto da prescrição, Rizzato Nunes (2011, p. 451) aduz que a prescrição quinquenal será aplicada: “sempre que o consumidor sofrer dano por defeito quer diretamente, como lá está expressamente tratado, quer indiretamente, como consequência do não cumprimento da obrigação de resolver o vício”. Desta forma, toda e qualquer relação de consumo estaria submetida a este dispositivo.

 

5.           CONFLITO DE NORMAS

 

5.1       CONCEITO

 

Primeiramente, vale iniciar a discussão indagando-se sobre a existência de conflitos normativos. Maria Helena Diniz (2001) afirma que a resposta para tal dúvida está na análise da ferramenta metodológica que incide as antinomias jurídicas, o sistema jurídico.

Assevera a autora que o sistema jurídico não é o direito, e sim o objeto deste, apto a ser estudado pela ciência do direito. O papel do jurista é apresentar o direito de forma sistemática, facilitando a compreensão de todos que o aplicam.

Dando sequência ao seu pensamento, a doutrinadora atesta que cabe a ciência do direito purgar qualquer contradição para harmonizar os textos legais. Desta finalidade surgiram critérios para a solução dos conflitos normativos.

Assim, quando surge qualquer lei nova, é passível do estudo das antinomias.  Entretanto, Venosa (2006, p. 114) destaca que a revogação expressa de uma lei por outra, exime os aplicadores da lei desta análise, in verbis:

Não ocorrerá essa problemática, como vimos, quando o legislador é expresso e aponta quais as leis que o novo diploma legal revoga. Portanto, na revogação expressa não há conflito. A questão surgirá quando a lei é omissa, bem como perante a vazia expressão revogam-se as disposições em contrário.

Desta forma, no mesmo sentido corrobora Flávio Tartuce (2010, p. 64), trazendo conceito suscito de antinomia: “é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto”.

O autor se preocupou em deixar cristalino que as leis devem ser plenamente vigentes e válidas, aplicáveis simultaneamente no mesmo lapso de tempo para que haja presença de antinomia.

Maria Helena Diniz (2001), diz que perante um caso concreto sempre haverá conflito de normas, ante as diversas possibilidades de interpretação das leis. Assim, apenas haverá antinomia se após a interpretação, a incompatibilidade entre as normas perdurar.

 

5.2 CLASSIFICAÇÃO DAS ANTINOMIAS

 

Leciona perfeitamente Maria Helena Diniz (2001) que as antinomias podem se classificar sobre 5 aspectos: quanto a solução; ao conteúdo; ao âmbito; à extensão da contradição.

 

 5.2.1 Quanto à solução

 

No que tange a solução, a antinomia se divide em aparente e real. A primeira pode ser resolvida através de critérios elucidados por Norberto Bobbio (1999) que definirão qual norma será aplicada, são estes: cronológico, de especialidade e hierárquico. Já a antinomia real, segundo Flávio Tartuce (2010), é quando a ineficácia dos critérios de solução de antinomia aparente gera uma lacuna no ordenamento jurídico, exprimindo a necessidade de edição de nova norma pelo Poder Legislativo ou intepretação através da analogia, costume e princípios,

Para ficar reconhecida a presença de uma antinomia real, Maria Helena Diniz (2001), explana os seguintes requisitos: elas devem ser jurídicas, não havendo conflito entre uma normal moral e uma norma jurídica; devem pertencer ao mesmo ordenamento jurídico e serem vigentes; ser emanadas de autoridade competente, sendo o destinatário da norma, o mesmo sujeito; contradição no comportamento (ação ou omissão) exigido pelo sujeito; posição de dúvida insustentável pelo sujeito.

 

5.2.2 Quanto ao conteúdo

 

Quanto ao conteúdo da antinomia, Maria Helena Diniz (2001, p. 26), ramifica esta classificação em própria e imprópria. A própria está ligada com o comando da norma, com indicativos de conduta no sentido oposto. Desta forma, sempre que optar por uma delas, estará infligindo à outra. Exemplificando o tema:

 “se norma de Código Militar prescreve a obediência incondicionada a ordens de um superior e disposição do Código Penal proíbe a prática de certo atos (matar, privar alguém de liberdade), quando um capitão ordena o fuzilamento de um prisioneiro de guerra, o soldado vê-se às voltas com duas normas conflitantes, a que o obriga a cumprir ordens do seu superior e a que o proíbe de matar um ser humano.”

Assuntos: Consumidor, Direito Civil, Direito do consumidor, Direito processual civil, Seguro, Seguro de veículo, Seguro de vida

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