25/06/2019. Enviado por Dr. Ronivaldo Nascente da Silva Almeida em Moradia
A Promessa de Compra e Venda é um contrato utilizado em larga escala no dia-a-dia do direito imobiliário, admitido tanto na forma particular como pública. É com base nesta flexibilização que será analisado alguns aspectos jurídicos.
Ronivaldo Nascente da Silva Almeida
Advogado, Especializado em Direito Público e Direito Processual pela PUC-MG, Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito –EPD.
O nosso propósito é a elaboração de uma simples resenha, precisa e objetiva, consistente em breves comentários, cotejando-se, quando possível e necessário, a norma anterior com a atual.
Inicialmente se faz necessário um breve resumo quanto as mudanças contemporâneas ocorridas no Brasil, em especial na última década, em que o país experimentou um virtuoso crescimento econômico, ciclo que alavancou o mercado imobiliário brasileiro gerando, por conseguinte, confiança no consumidor para o investimento em imóveis.
Efeito social que demandou a empregabilidade de vários institutos jurídicos, notadamente, como o contrato de promessa de compra e venda de imóveis entre particulares, bastante utilizado nas aquisições de imóveis urbanos e rurais mediante o pagamento de preço em prestações, disciplinado e aperfeiçoado pelo legislador na forma do: Decreto-Lei 58/37; Lei nº649/49;Decreto-Lei 21/67 e Lei nº 6.766/79.
Dito contrato, em sua forma visa garantir ao promissário comprador uma segurança jurídica na transação imobiliária, uma vez que respeitado os requisitos, tem como escopo encarrilhar a celebração de outro contrato definitivo gerando para o adquirente poderes inerentes ao domínio que até o advento do Decreto-lei 58/37 era apenas direitos obrigacionais.
Vale dizer, pelo compromisso de venda e compra os poderes inerentes ao domínio são transferidos ao adquirente compromissário. Ao promitente vendedor lhe resta apenas a nua-propriedade enquanto o comprador compromissário não pagar todo o preço avençado, quando então a propriedade plena é atribuída ao comprador.
Em respeito ao princípio da autonomia privada o Decreto-lei 58/37, no art. 11, autorizou que as partes de forma livre, efetuassem o compromisso de compra e venda por instrumento público ou particular.
Contudo, prescreve o indigitado decreto em seu art. 16 que uma vez, cumprido o adimplemento por parte do compromissário comprador, e recusando o vendedor a outorgar a escritura definitiva no caso do artigo 15, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo.
Eis que surge, em alguma medida na jurisprudência pátria, a hesitação a respeito da necessidade ou não do registro para se intentar a ação de adjudicação compulsória, visto que dito decreto em sua norma artigo 22 estabelece duas condicionantes legais para a propositura da ação de adjudicação compulsória, quais sejam, não haver clausula de arrependimento e estar devidamente inscritos, a qualquer tempo.
No caso, a segunda exigência, a inscrição a qualquer tempo- leia-se: contrato de compromisso de compra e venda averbado em cartório de registro de imóveis devidamente qualificado pelo oficial de cartório, é que paira, com menos força é bem verdade conforme já foi dita alhures, a dita discussão, posição de um e doutro tribunal pátrio.
Tribunal de Justiça de São Paulo
Adjudicação Compulsória - Necessidade de registro do compromisso de compra e venda - Inadmissibilidade - Eficácia e validade não condicionadas a formalidade do instrumento público - Obligatio faciendi assumida pelo promitente-vendedor que possui o condão de dar ensejo a adjudicação - Inaplicabilidade da Súmula 167 do Supremo Tribunal Federal - Extinção do processo afastada - Recurso provido. A promessa de venda gera pretensões de direito pessoal, não dependendo, para sua eficácia e validade, de ser formalizada em instrumento público. A obligatio faciendi, assumida pelo promitente vendedor, pode dar ensejo à adjudicação compulsória. O registro imobiliário somente é necessário para produção de efeitos relativamente a terceiros. (Apelação Cível n. 000.747-4 - São Paulo - 8ª Câmara de Férias de Direito Privado - Relator: Cesar Lacerda - 31.01.96 - V. U.)
Fato é que tem se decidido que quando inscrito cabe ação de adjudicação compulsória conforme o art. 26 do Decreto-Lei 58/37, e quando não, caberá execução de obrigação de fazer com base no artigo 495 e 501 do Código de Processo Civil.
Uma vez realizado na forma pública, averbado pelo oficial de cartório de registro de imóveis, atribui ao compromissário direito real oponível a terceiro, quanto à alienação ou oneração posterior, mesma sorte não assiste ao comprador compromissário que o fizer na forma particular.
Tribunal de Justiça de São Paulo
Processo n. 0396642-5/005 - Apelação Cível - São Paulo - Órgão: 6ª Câmara - Julgamento: 13/09/1988 - Relator: Augusto Marin – Decisão unânime. Penhora - incidência sobre imóvel, objeto de compromisso de compra e venda não inscrito no registro imobiliário - irrelevância de a promessa ter sido celebrada anterior ou posteriormente ao ato constritivo - embargos de terceiro improcedentes - sentença mantida. Anotação da comissão: no mesmo sentido: Apelações nos. 393.256-7 – Rel. Alexandre Germano; 400.585-6 – Rel. José Bedran; 404.351-6
Superior Tribunal de Justiça
Processo n. 00019319-6/004 - Recurso Especial - Origem: Taubaté - Terceira Turma - Julgamento: 19/05/1992 - Relator: Min. Waldemar Zveiter - Decisão: unânime. Processual Civil - embargos de terceiro - contrato de promessa de compra e venda não inscrito no registro de imóvel - posse - penhora - execução - artigo 1046, parágrafo 1° do Código de Processo Civil. I - Inexistente fraude, encontrando-se os recorridos na posse mansa e pacifica do imóvel, estão legitimados na qualidade de possuidores a opor embargos de terceiro, com base em contrato de compra e venda não inscrito no registro de imóvel, para pleitear a exclusão do bem objeto da penhora no processo de execução, onde não eram parte, a teor do artigo 1046, parágrafo 10. Do Código de Processo Civil - precedentes do Superior Tribunal de Justiça. II - Recurso conhecido pela letra "c", do permissivo constitucional, a qual se nega provimento.
Para aquele adquirente que optou pela forma pública, ato de averbação realizado em livro próprio por um oficial de cartório de registro de imóvel, surge, o manejo da ação de adjudicação compulsória, ação que emana do contrato preliminar de promessa de compra e venda, cujo fim é compelir o promitente vendedor a transferir a propriedade através de sentença que tem o condão de substituir a vontade do inadimplente.
Para o adquirente que escolheu pela forma particular lhe resta a ação de execução de obrigação de fazer disciplinada pelo artigo 495 e 501 do Código de Processo Civil, 48 e 84 do Código de Defesa do Consumidor.
Segundo Orlando Gomes, o registro tratar-se-ia de anotação preventiva na exata medida em que o promitente-vendedor não pode alienar o bem nem impedir ou dificultar o cumprimento da pretensão do promitente comprador de se tornar seu legítimo proprietário(ob. cit. p. 315).
Dessa forma observa-se a posição primaz com que o legislador trata a inscrição do contrato de promessa de compra e venda no registro imobiliário, conferindo ao comprador direito de sequela, permitindo-lhe reivindicar a propriedade ao cumprir o compromisso e exigir a outorga de escritura pela adjudicação compulsória desde que o contrato seja irretratável e não possua cláusula de arrependimento.
“TÍTULO IX - Do Direito do Promitente Comprador
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
Reiterando. É bem de se ver que o registro, uma vez qualificado, aos olhos do legislador possui uma robustez maior na defesa das garantias do promissário comprador, tendo como exemplo, até mesmo o condão de impedir futura alienação do imóvel para terceiros de boa-fé caso alegassem desconhecimento do contrato em detrimento do direito real oponível erga omnes.
Isto posto, sem muito esforço mental temos que dito arcabouço normativo deixa impar a necessidade do registro do instrumento de promessa de compra e venda no cartório imobiliário competente, para que o comprador possa garantir o direito real e assim finalmente adquirir seu direito pleno de aquisição do bem, caso o vendedor não cumpra com sua obrigação, através da adjudicação forçada.
Nessa linha, o que dizer da Súmula nº 239 do Superior Tribunal de Justiça - STJ, cujo teor segue adiante na íntegra para uma maior compreensão do tema:
Sumula 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
Indaga-se, estaria a Súmula nº 239 do STJ revogada com o novo regramento da matéria trazido pelo Código Civil, ou haveria possibilidade de se recepcionar tal entendimento a partir de um exercício hermenêutico.
Da doutrina de Arruda Alvim entende-se que “A súmula 239 do STJ continua vigendo, pois não há contradição entre seu teor e o dispositivo previsto no art. 1.417 do Código Civil, na medida em que, na hipótese, os apelantes não pretendem exercer direito real, mas apenas direito pessoal correspondente à outorga do título de domínio”
Na prática, a doutrina e a jurisprudência majoritárias vêm admitindo a adjudicação compulsória sem o registro do compromisso de compra e venda, entendendo que a única eficácia do registro imobiliário público seria a de conferir direito real ao promitente comprador, oponível a terceiros.
PROCESSO: DF (2014/0256631-0); RECURSO ESPECIAL Nº 1.490.802; RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. EMBARGOS DE TERCEIRO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO. NATUREZA JURÍDICA. EFEITOS. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFASTADA. AUSÊNCIA DO REGISTRO DO MEMORIAL DE INCORPORAÇÃO E DEMAIS DOCUMENTOS PREVISTOS NO ART. 32 DA LEI Nº 4.591/1964. ÔNUS DA INCORPORADORA. NULIDADE AFASTADA. SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA - PRESCINDIBILIDADE DE REGISTRO DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS - DECISÃO MONOCRÁTICA DANDO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DA DEMANDA. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS RÉUS. 1. Considera-se devidamente prequestionada a questão federal enfrentada e debatida pelas instâncias ordinárias, o que se verifica na hipótese em tela. 2. Nos termos do enunciado da Súmula 239 desta Corte, o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis. 3. Agravo regimental desprovido. Precedentes: (AgRg no REsp nº 1.134.942/MG; REsp nº 1.221.369/RS).
Em vista dos argumentos apresentados pode-se concluir que a promessa de compra e venda, enquanto não registrada, é um direito pessoal, seja por escritura pública ou por instrumento particular e uma vez registrada, passa a constituir um direito real, oponível erga omnes, atribuindo ao seu titular o direito de sequela, de outro modo, a diferença entre a promessa de compra e venda registrada e não registrada reside na oponibilidade a terceiros de que dispõe aquela e não dispõe esta, e não na possibilidade ou não de se intentar ação de adjudicação compulsória nos termos do Decreto-Lei 58/37, mesma conclusão que exsurge dos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil.