Desconsideração da Pessoa Jurídica - Linhas Gerais

12/09/2012. Enviado por

Linhas gerais sobre o artigo 50 do Código Civil, o qual trata da desconsideração da pessoa jurídica para alcance do patrimônio pessoal dos sócios.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A personalidade jurídica é considerada pela doutrina uma aptidão genérica conferida pela lei para que um determinado ente ou pessoa seja considerado sujeito de direito, capaz de direitos e obrigações na vida civil.

A princípio, somente as pessoas naturais (ou físicas) possuíam personalidade jurídica. No entanto, para melhor satisfazer aos interesses sociais e comerciais, foi necessário haver uma diferenciação, uma desvinculação, ou seja, cria-se um ente autônomo com direitos, patrimônio, obrigações e responsabilidades distintas, não se confundindo com as pessoas de seus membros. A este ente com “vida” própria e independente, deu-se o nome de Pessoa Jurídica.

As pessoas jurídicas estão previstas no Código Civil brasileiro e dividem-se em: pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41), pessoas jurídicas de direito público externo (art. 42) e pessoas jurídicas de direito privado (art. 44).

Estas últimas, tema deste trabalho, estão expressas, de maneira não exaustiva, segundo parte da doutrina, no artigo 44 do Código Civil brasileiro, e são elas: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partido políticos, e a mais recente criação legislativa, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), criada pela lei 12.441, de 11 de julho de 2011.

A existência da pessoa jurídica depende basicamente de dois requisitos: o substrato, que é o seu ato constitutivo; e a concessão de sua personalidade, que é o registro.

O registro civil das pessoas jurídicas, que é o ato de seu nascimento, da sua existência no mundo jurídico, tem natureza constitutiva, e será feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial, a depender da natureza do ente a ser registrado.

Efetivado o registro, observar-se-á o surgimento de quatro efeitos precípuos, de natureza pessoal, patrimonial, processual e obrigacional, vejamos:

Efeito pessoal: com o registro nasce uma pessoa que se distingue dos seus sócios, associados ou membros;
Efeito Patrimonial: distinção do patrimônio pessoal dos sócios e da pessoa jurídica. Há uma limitação do risco.
Efeito Processual: quando a pessoa jurídica aciona ou é acionada, é ela quem o faz, e não seus sócios ou associados.
Efeito Obrigacional: todas as obrigações são da pessoa jurídica, e não de seus sócios.
Quanto aos efeitos patrimoniais, a pessoa jurídica terá patrimônio próprio, o qual não se confunde com o patrimônio dos seus sócios. Porém, na prática, não é raro observamos abusos deste direito, praticados, normalmente, pelos sócios ou administradores, prejudicando eventual credores.

Pautado nestes possíveis prejuízos e possibilidade de fraude, surge a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que vem anglo-saxônica disregard doctrine (ou disregard of legal entity) e da germânica durchgrift (tradução: penetração, através de). Tal teoria tem origem no julgado inglês do final do século XIX, Salomon x Salomon Company, e desenvolveu-se, posteriormente, na Alemanha e na Itália. No Brasil, Rubens Requião foi precursor no tratamento do tema, no final dos anos 1960, criando, inclusive, a atual denominação. Ele defendia a utilização do instituto pelos juízes independentemente de especificação legal, tamanha sua importância.

Apesar dos primeiros precedentes datarem do final do século XIX, o Código Civil de 1916 não disciplinou a doutrina da desconsideração, que seria consagrada, mais tarde, por meio de leis especiais. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11/09/1990) foi pioneiro no assunto, consagrando a teoria em seu artigo 28, também conhecida como “Levantamento do véu”.

Por falta de previsão legal, os tribunais valiam-se do artigo 135 do Código Tributário Nacional, que responsabilizava pessoalmente os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado por créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com “excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.

Atualmente prevista no artigo 50 do Código Civil, a doutrina da desconsideração pretende o afastamento temporário da personalidade da pessoa jurídica para permitir que o credor satisfaça o seu direito no patrimônio pessoal do sócio ou administrador que cometera o ato abusivo. Não só sociedades empresárias, mas pessoas jurídicas em geral e até entidades filantrópicas estão sujeitas à doutrina da desconsideração (enunciado 284, da 4ª jornada).

Para sua caracterização a doutrina enumera alguns requisitos: Descumprimento da obrigação (ou insolvência); e abuso cometido pelo sócio ou administrador, por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O desvio de finalidade está ligado à discrepância entre a atividade, de fato, realizada pela pessoa jurídica e aquela que ela deveria realizar, na teoria. Como exemplo, uma empresa que tinha como finalidade a venda de carnes, frutas e peixes e, na verdade, empresta dinheiro a juros abusivos.

A confusão patrimonial ocorre, por exemplo, quando pelo exame da escrituração contábil ou contas bancárias é possível a constatação de que a sociedade paga dívidas particulares dos sócios ou este recebe créditos dela, ou o inverso, ou constatar-se a existência de bens de sócios registrados em nome da sociedade.

O Código Civil brasileiro adotou a Teoria Maior da desconsideração da pessoa jurídica, mais difícil de ser aplicada, pois, além do descumprimento da obrigação (insolvência), exige ainda a prova do abuso caracterizado pela confusão patrimonial ou pelo desvio de finalidade.

O requisito do ‘dolo específico’, no entanto, não é mais acatado pela doutrina moderna pela dificuldade de comprovação. Na linha objetivista de Fábio Konder Comparato, podemos concluir pela desnecessidade de se demonstrar a intenção (dolo específico) do sócio ou administrador em cometer o ato abusivo, basta apenas a configuração dos requisitos expostos nos parágrafos anteriores.

Ainda, a desconsideração da pessoa jurídica é matéria sobre reserva de jurisdição, ou seja, somente o juiz poderá decretá-la. No entanto, de forma excepcionalíssimas, o STJ aceitou, em um caso específico, que a administração pública (em processo administrativo) desconsiderasse a pessoa jurídica sem passar pelo Judiciário, por ter havido uma grave fraude à lei, com fundamento no princípio da moralidade e indisponibilidade do interesse público (confira: Recurso em Mandado de Segurança - 15166/BA).

É também admitida pela doutrina[1] (Fábio Konder Comparato) e jurisprudência[2] a chamada desconsideração “inversa” da pessoa jurídica, hipótese em que é afastada a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio (pessoa física). Clássico exemplo é a hipótese de um dos cônjuges registrar imóvel de alto valor em nome da pessoa jurídica sob seu controle, a fim de que este bem não entre na partilha em eventual processo de divórcio. Assim, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge do sócio.

Por fim, por ser uma sanção, a decisão que decretar a desconsideração da pessoa jurídica deverá ser devidamente fundamentada, respeitada todas as garantias inerentes ao devido processo legal, só se aplicando àquele que praticou o ato ou que dele se beneficiou.

Portanto, a doutrina da desconsideração é um meio de garantir ao credor o pagamento de dívida cuja adimplência seja prejudicada pelo véu de proteção dada à pessoa jurídica. O instituto nada mais é do que o afastamento temporário da personalidade, não modificando, tampouco extinguindo o ente jurídico.

Bibliografia

GLAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO,Rodolfo. Novo curso de direito civil – parte geral. Saraiva : 2011

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : parte geral : v. 1 – São Paulo : Saraiva, 2003.

[1] Enunciado 283, da 4ª Jornada - Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

[2]Agravo de Instrumento - Ação Civil 33453/01, da 16ª Vara Cível de São Paulo.

Assuntos: Desconsideração da Personalidade Jurídica, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito processual civil, Empresa, Empresarial

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