Da interdição e seus reflexos

14/05/2013. Enviado por

Linhas Gerais sobre o instituto da interdição, tutela e curatela voltada para o Direito Notarial e Registral

Inserido dentro do Direito de Família, a interdição é consequência da instituição da tutela ou curatela do incapaz, tem característica fortemente assistencial, constitui um múnus público e sua força e importância deu origem ao Princípio da Solidariedade Familiar, baseado na solidariedade social, própria do instituto.

Nos dizeres de Luiz Guilherme Loureiro, a “interdição é um instrumento jurídico que tem por finalidade proteger as pessoas incapazes de reger suas próprias vidas, em virtude de incapacidade mental, mediante a curatela (ou tutela), que é o encargo público que a lei comete a alguém para reger, defender e administrar os bens de uma pessoa maior de idade (ou menor,conforme o caso) que, por si só, não está em condições de fazê-lo em virtude de enfermidade física ou mental”.

O jurista Paulo Lôbo, com sapiência, discorre sobre o tema:

“O fundamento comum da tutela e da curatela é o dever de solidariedade que se atribui ao Estado, à sociedade e aos parentes. Ao Estado, para que regule as respectivas garantias e assegure a prestação jurisdicional. À sociedade, pois qualquer pessoa que preencha os requisitos legais poderá ser investida pelo Judiciário desse múnus. Aos parentes, porque são os primeiros a serem convocados, salvo se legalmente dispensados”.

O instituto tem por finalidade precípua a proteção dos interesses de pessoa incapaz, é um poder/dever concedido a terceiro de administrar bens e interesses do interdito e somente é alcançada com a competente ação judicial.

A tutela e a curatela são institutos autônomos do Direito Civil, porém com finalidades em comum: propiciar a representação legal e a administração de sujeitos incapazes de praticar os atos da vida civil.

Fundamentalmente, a diferença entre os dois institutos reside em seus pressupostos, isto porque a tutela se refere à menoridade legal (na falta dos pais ou na perda do poder familiar), ao passo que a curatela se relaciona com situações de deficiência física ou mental, total ou parcial e, até mesmo, em hipóteses excepcionais, de preservar interesse do nascituro.

TUTELA

O instituto da tutela, previsto no Código Civil pátrio a partir do artigo 1.728, pode ser conceituada como “a representação legal de um menor, relativa ou absolutamente incapaz, cujos pais tenham sido declarados ausentes, falecido ou hajam decaído do poder familiar. A tutela está umbilicalmente ligada ao Direito de Família, uma vez que tem por finalidade suprir a falta dos pais.”[1].

Preceitua o artigo 1.728[2] do Código Civil, que os filhos menores são postos em tutela com o falecimento dos pais, sendo estes declarados ausentes ou em caso de perda do poder familiar.

No que toca aos sujeitos da tutela, temos o sujeito ativo, ou seja, o tutor e o sujeito passivo, o tutelado ou pupilo. Neste diapasão, o Código Civil estabelece que os pais serão responsáveis pela nomeação do tutor e o poderão fazer por testamento, escritura pública ou escrito particular. Nestes casos, os tutores serão conhecidos como “tutores testamentários” ou “tutores documentais”, de acordo com o instrumento que os nomeou.

Vale também acrescentar que a nomeação conjunta dos pais não pressupõe a existência de vínculo de parentesco, não sendo raras as situações em que os pais têm mais confiança em um amigo íntimo do que em parentes.

Não havendo nomeação de tutor pelos pais, o próprio Código já estabelece um rol de preferência para sua nomeação, neste caso, parentes consangüíneos, não sendo, porém, conforme decisão do STJ, um rol absoluto ou inflexível, podendo o juiz da causa escolher dentre eles o mais apto a exercer a tutela. Tais tutores recebem a denominação de “tutores legítimos”.

Entretanto, em caso de ausência de ambos os pais, sem designação de quem deve exercer a tutela, bem como não havendo parentes consangüíneos, a nomeação será feita, supletivamente, pelas regras constantes do artigo 1.732 do Código Civil:

Art. 1.732. O juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do menor:

I - na falta de tutor testamentário ou legítimo;

II - quando estes forem excluídos ou escusados da tutela;

III - quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o testamentário.

A tutela será deferida sempre em favor do tutelado ou pupilo, até que complete 18 (dezoito) anos de idade. O ECA (art. 36), em consonância com o Código Civil dispõe de maneira análoga.

Um dos desdobramentos da tutela refere-se à preferência de nomeação de um único tutor para irmãos órfãos. O caput do artigo 1.733 reza que, nesta hipótese, procurar-se-á dar sempre um único tutor. Obviamente, o comando deverá ser aplicado analisando detidamente o caso concreto e com olhos voltados ao interesse do menor, pois, obviamente, não será sempre possível a nomeação de um único tutor, dada a dificuldade inerente à assunção do cargo.

Demonstrando a similitude e proximidade entre os institutos da tutela e curatela, o § 2º do artigo 1.733 do Código Civil, permite que, por disposição testamentária, alguém pode nomear um menor como seu único herdeiro ou legatário, instituindo também uma curatela específica para os bens deixados, tudo sem prejuízo de um terceiro ser o tutor desse menor.

Exemplificando: “Imagine-se que Amanda deixe, por testamento, um bem específico para o menor Micael, que está sob a tutela de Djalma. Poderia, nesse caso, instituir Magda como curadora, em relação a esse bem, sem prejuízo da tutela exercida por Djalma[3]”.

Portanto, a tutela aplicar-se-á ao menor, até que complete dezoito anos de idade, sendo o tutor nomeado pelos pais ou, na falta deles, pelo juiz competente. A relação tutor/tutelado vai muito além do que uma simples administração de patrimônio, vez que aquele se torna, em verdade, o representante legal do menor, suprindo, ainda que parcialmente, a ausência das figuras parentais.

CURATELA

A curatela em muito se assemelha com a tutela, a ponto de lhe serem aplicáveis as suas regras gerais e de exercício, na forma dos artigo 1.774[4] e 7.781[5], do Código Civil.

A principal diferença reside nos caracteres pessoais do curatelado que, ao revés do que ocorre com o tutelado, será sempre em favor do maior de idade, padecente de alguma incapacidade física ou mental ou de qualquer circunstância que impeça a sua livre e consciente manifestação de vontade, resguardando-se, com isso, o seu patrimônio, como se dá na curadoria (curatela) dos bens do ausente.

O curador será nomeado de acordo com os preceitos do artigo 1.775 do Código Civil, o qual determina que o cônjuge ou companheiro, desde que não separado de fato ou judicialmente, deve ser nomeado curador do outro. Na falta deste o curador será escolhido entre os descendentes, sendo que os mais próximos precedem aos mais remotos. Não existindo cônjuge, companheiro ou descendente, ficará a cargo do juiz escolher quem cumprirá tal mister.

Assim como ocorre com a tutela, o curador deverá prestar contas do exercício da curadoria, salvo nos casos em que o cônjuge assuma o múnus e o regime seja da comunhão universal de bens. De qualquer forma, o cônjuge poderá ser compelido à prestação de contas por determinação judicial.

Já o curatelado será aquele que se enquadre em algum dos incisos do artigo 1.767, do Código Civil:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V - os pródigos.

A curatela será definida no bojo de um processo de interdição (art. 1.177 a 1.186 do CPC), de competência da Justiça Estadual, oportunidade em que, após interrogar o incapaz, caso isso seja possível, bem como após a realização de perícia médica, o juiz então decidirá pelo reconhecimento ou não da incapacidade.

Dentre as pessoas descritas no rol do dispositivo acima transcrito, cabe aqui salutar observação a respeito do pródigo. Nos dizeres de PABLO STOLZE GAGLIANO “a curatela do pródigo somente o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração. Não suporta restrição, pois, a prática de atos pessoais, uma vez que a sua incapacidade, justificadora da curatela, refere-se apenas a atos que possam diminuir o seu patrimônio[6]”.

Interessante observar ainda que, em situações excepcionais, como por exemplo no caso de uma mulher sob curadoria e grávida, na falta do pai, a curatela do nascituro também será de responsabilidade curador da mãe, vez que a autoridade deste se estende à pessoa e aos bens dos filhos menores ou incapazes do curatelado.

Portanto, defere-se a tutela em favor do maior que, acometido por enfermidade mental ou física não seja capaz de exprimir suas vontades para prática dos atos da vida civil. A ação judicial para sua decretação será de competência da Justiça Estadual e, assim como na tutela, o seu exercício constitui um múnus público com característica fortemente assistencial.

REGISTRO DA INTERDIÇÃO NO R.C.P.N.

O registro da interdição, seja ela precedida pela tutela ou curatela, será sempre no Livro “E”do Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da comarca onde fora proferida a sentença de interdição[7], e será feito a requerimento do curador ou promovente e, caso não providenciado por eles no prazo de oito dias (art. 91, LRP), será feita mediante comunicação do juízo que prolatou a sentença, por mandado contendo os dados necessários e acompanhada da certidão da respectiva sentença.

Não raro são os envios de mandados para o cartório onde se lavrou o registro de nascimento do interdito com finalidade de averbação no Livro “A”, no entanto, ante a qualificação registral de praxe, o registrador civil deverá devolvê-lo, uma vez que a interdição, como dito no parágrafo anterior, deverá ser registrada no Livro “E”, devendo tal serventia comunicar àquela onde fora lavrado o nascimento para que se proceda a anotação da interdição no assento de nascimento e no de casamento, se o interdito for casado[8].

“As interdições serão registradas no Livro “E”, salvo quando tiver havido seu desdobramento, pela natureza dos atos, em livros especiais, a requerimento do curador ou do promovente, ou mediante comunicação do juiz, contendo os dados necessários e acompanhada de certidão da respectiva sentença”. (art. 1.030 do CNES e 92 da LRP)

Acompanhando o caput do dispositivo alhures, o seu parágrafo primeiro traz à baila os requisitos que devem conter no ato, vejamos:

§ 1º O registro da interdição conterá:

I – data do registro;

II – nome, prenome, idade, estado civil, profissão, naturalidade, domicílio e residência do interdito, data e Unidade de Serviço em que foram registrados o nascimento e o casamento, bem como o nome do cônjuge, se for casado;

III – data da sentença, nome e vara do juiz que a proferiu;

IV – nome, profissão, estado civil, domicílio e residência do curador;

V – nome do requerente da interdição e causa desta;

VI – limites da curadoria, quando for parcial a interdição;

VII – lugar onde está internado o interdito.

Como já salientado acima, caberá ao oficial promover a qualificação registral do título judicial para verificar se estão presentes todos os requisitos extrínsecos elencados nos artigo 92 da Lei 6.015/73 e 1.030 do Código de Normas capixaba. Segundo LUIZ GUILHERME LOUREIRO, “se a causa da interdição não constar expressamente do mandado, mas estiver mencionada na sentença ou no laudo pericial que acompanha o título judicial, entendemos que a devolução seria excesso de formalismo, dado que informação essencial ao registro pode ser encontrada nas peças oficiais que acompanham o mandado”.

Observa-se que a lei não faz qualquer menção à data do trânsito em julgado da sentença que decretou a interdição, isto porque ela produz efeitos desde logo e eventual apelação será recebida somente no efeito devolutivo.

Após a efetivação do registro da interdição, o oficial comunicará o fato ao juízo que a determinou, para que seja assinado pelo curador o termo de compromisso.

Por fim, o artigo 1.033 do Código de Normas diz que “é vedado o uso de cópia de sentença judicial de emancipação, interdição, declaração de ausência e morte presumida, para fins de obtenção e/ou liberação de direitos, sem que esteja devidamente registrada na Unidade de Serviço de Registro Civil competente, na forma do artigo 89 e seguintes, da Lei Federal nº. 6.015/73 – LRP”.

Portanto, em linhas gerais, a tutela será deferida para os menores de dezoito anos, na falta de seus pais ou pela perda do poder familiar. A curatela, por sua vez, será deferia aos maiores, que estejam acometidos de incapacidade mental ou física que os impeça de exprimirem suas vontades.

A seu turno, o registro da interdição, seja pela tutela ou curatela, será feito no Livro “E” da comarca onde haja sido proferida a sentença, devendo o fato ser comunicado ao cartório onde se lavrou o registro de nascimento do interdito (e casamento, se for casado) para que se proceda à devida anotação. O oficial deverá fazer a qualificação registral do mandado ou pedido do interessado, comunicando ao Juiz o seu registro.

 

Autor: BRUNO BITTENCOURT BITTENCOURT

Referências:

CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada / Walter Ceneviva. – 20. Ed. – São Paulo : Saraiva, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 6 : Direito de família – As famílias em perspectiva constitucinal / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 2. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo : Saraiva, 2012.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2011.

NERY JUNIOR, Nelson. Código civil comentado e legislação extravagante : atualizado até 15 de junho de 2005 / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. – 3. ed. ver., atul. v ampl. da 2. ed. Do Código Civil anotado. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.

NEVES, Gustavo Bregalda. Registros Públicos / Gustavo Bregalda Neves – São Paulo : Saraiva, 2010.



[1] CARLOS ROBERTO GONÇALVES. P. 712.

[2] Neste mesmo sentido, estabelece o artigo 36 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 36.  A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18 (dezoito) anos incompletos.

Parágrafo único. O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do pátrio poder familiar e implica necessariamente o dever de guarda

[3] Carlos Roberto Gonçalves. P. 716.

[4] Art. 1.774. Aplicam-se à curatela as disposições concernentes à tutela, com as modificações dos artigos seguintes.

[5] Art. 1.781. As regras a respeito do exercício da tutela aplicam-se ao da curatela, com a restrição do art. 1.772 e as desta Seção.

[6] Pablo Stolze Gagliano, p. 730.

[7] Art. 1029. O registro da sentença de emancipação, interdição, morte presumida ou declaração de ausência será feito na Comarca onde foi proferida a sentença respectiva. Caso o registro do emancipado, interdito, tutelado, ausente e do falecido presumido esteja em outra serventia, deverá ser expedida comunicação para averbação.

[8] CNES - Art. 1034. O registro da emancipação, interdição, declaração de ausência e morte presumida, observados os requisitos legais, será anotado à margem do assento de nascimento e, quando for o caso, de casamento, com posterior arquivamento em pasta própria e em ordem cronológica.

Parágrafo único. Quando o nascimento ou casamento for registrado em outra serventia, o registro será comunicado para a devida anotação.

Assuntos: Curatela, Direito Civil, Direito processual civil, Família, Interdição, Tutela

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