Brasil: democracia frágil e corrupção tutelada

12/06/2012. Enviado por

Após Collor sair, o Brasil inauguraria nova fase de legitimidade institucional, mas decidiu-se manter a composição clientelista e opaca do Estado. Nossa lenta evolução social esmaga, sob o peso da prolongada escravidão, as oportunidades de mudanças.

Por que o Presidente da República Federativa do Brasil, com o poder que ostenta, fica preocupado em não desagradar setores que a ele deveriam estar subordinados? Após o fim da ditadura, os militares se mantiveram tutelando a sociedade civil através de um pacto, fruto de uma tradição de acordos e conchavos políticos. Mesmo sob os governos democráticos, esse pacto não foi arranhado. Ao contrário, foi renovado”. (Pedro Pomar, jornalista e Eugênia Gonzaga, procuradora).

Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta, acusado de ter relações espúrias com o bicheiro “Carlinhos Cachoeira”, com a sinceridade própria dos derrotados, revelou um traço fundamental da nossa suposta democracia, ao queixar que virou “leproso” por ter “quebrado”, só por ter sido pego, não por estar no centro de uma gigantesca máquina de corrupção.

Em 1992, no impeachment de Collor, afastado do poder sob a acusação de corrupção, o que causou espanto não foi a prática da corrupção em si, mas sim o fato de ter ele sido reconhecido como um político corrupto. Afinal, o ex-presidente não agira muito diferente dos antecessores.

O Brasil poderia inaugurar uma nova fase de legitimidade institucional. Preferiu-se manter a composição clientelista e opaca do Estado. A lenta evolução da história brasileira esmaga, sob o peso da prolongada escravidão, todas as oportunidades de mudanças: o Brasil ‘moderno’ paga propina ao Brasil ‘arcaico’ para poder existir [1].

As raízes dessa corrupção remontam à mentalidade da casa grande e senzala, que está longe de mudar. Os senhores da casa grande se sentem com pleno direito de conduzir as instituições públicas como um assunto privado e imune ao controle público (aqui se confunde “público” com a senzala).

A elite anacrônica exerce esse suposto direito com desenvoltura. A casa grande crê, realmente, não dever explicações à senzala. A “modernização” e a incorporação à economia de setores outrora excluídos do consumo sequer abalaram essa estrutura; pior, foram fortalecidas as máfias e as oligarquias regionais que julgam também ter direito de participar desse bolo.

Carlos Cachoeira e outros revelam a face hedionda dessa antiga prática já consagrada no Brasil, ou seja, o dinheiro privado compra os favores dos incumbidos de gerenciar a coisa pública. Eles funcionam como intermediários da privatização do estado pela corrupção. A prática está disseminada em todos os níveis de governos.

Fernando Luiz Abrucio, cientista político, professor pesquisador da FGV-SP, chama atenção para um estudo feito pelo Instituto Ethos (www.ethos.org.br) que mostra a crescente concentração de poderes nas mãos de governadores.

A publicação apurou que os executivos estaduais mantêm o controle das máquinas dos estados. Têm influência sobre os deputados estaduais e dispõem de avassaladoras maiorias nas assembleias legislativas, capazes de impedir o surgimento da oposição e de sufocar as eventuais tentativas de investigação das práticas lesivas à democracia.

O trabalho aponta também que, na maioria dos estados, os colegiados dos Tribunais de Contas mantêm relações de “forte proximidade política” com os governadores. Em suma: as raposas tomam conta dos galinheiros!

Em Brasília, os parlamentares se limitam a legitimar atos emanados pelo “monarca” eleito. No máximo, negociam-se as fatias do orçamento que alimentam os esquemas regionais de favores e clientelismos, mais exatamente, o espaço em que atuam as empreiteiras. O equilíbrio entre os poderes não passa de um simulacro. A farsa só é perceptível quando um grande esquema ilegal é desmantelado.

Ao contrário do que se depreende dos fatos, a história em curso não é inexorável nem o Brasil precisa ser inviável ou ter um destino previamente traçado.

Há outros caminhos a trilhar antes que se promovam mudanças que legitimem essa democracia. É preciso antes desestimular a concentração existente entre donos do latifúndio, agronegócio e sistema financeiro, donos da mídia e os que controlam o congresso nacional.

A percepção atual é a de que isso está longe de acontecer! No momento em que todos esses grupamentos deixarem de ser um só, o Brasil será outro. Primeiro, precisará ser abolida a nossa servidão!


[1] MARTINS, José de Souza. O poder do atraso (Ensaios de Sociologia da História Lenta), 1. ed., São Paulo: Hucitec, 1994.

 

Assuntos: Administração pública, Criminal, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito processual civil, Direito processual penal, Improbidade Administrativa

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