Anulabilidade da venda de ascendente para descendente

11/04/2013. Enviado por

Diz respeito às minucias da venda de ascendente para descendente, suas peculiaridades, proibições e a forma correta do procedimento.

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

 

Como se sabe, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema sucessório conhecido como “sistema da divisão necessária”, o qual reconhece parcial autonomia ao autor da herança na medida em ele poderá dispor apenas de metade dos seus bens, caso existam os chamados herdeiros necessário ou reservatórios.

Com vistas a defender o patrimônio indisponível reservado aos herdeiros necessários e como forma de desvirtuar eventual negócio jurídico simulado para transferência de bens de ascendente para descendente, mais comumente feito entre pai e filho, o legislador fez constar no Código Civil de 2002 o artigo 496, cujo texto fora substancialmente modificado em comparação com seu correspondente do Código Revogado de 1916.

O negócio jurídico que antes era nulo[1], ou pelo menos era este o entendimento majoritário, passou então a ser, indiscutivelmente, anulável, dada a nova redação do já mencionado dispositivo:

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

A mudança legislativa gerou diversas consequências na esfera prática, levando-se em consideração as inúmeras diferenças e peculiaridades de ato nulo e anulável.

Nesta esteira, sendo a venda feita de ascendente para descendente, o ato deverá conter, para sua validade, o consentimento do cônjuge do vendedor e de todos os seus descendentes. A falta de consentimento não gera automaticamente a invalidade do ato, que será válido e eficaz até manifestação judicial em contrário. Lembrando que a arguição de nulidade feita por um, aproveita aos demais interessados.

Ainda, segundo inteligência do artigo 172[2] e 176[3] do CC, um ato anulável é passível de confirmação e será validado se a autorização faltante for dada posteriormente, o que se enquadra para o presente estudo, de modo que a aquiescência dos demais descendentes, tanto pode ser anterior, contemporânea ou posterior ao ato. Já o ato nulo não é passível de confirmação ou convalidação em razão do tempo (art. 169, CC)

Deste modo, realizada a venda de um determinado imóvel de ascendente para descendente sem a anuência do cônjuge e demais herdeiros, este negócio será válido até declaração judicial em contrário (ação de desconstituição de negócio jurídico), observando que a anulação não se decreta sem prova do prejuízo.

É dispensável, porém, a anuência de cônjuge casado sob regime da separação obrigatória (art. 1.641 c/c art. 496, § único), por não haver interesse jurídico reconhecido por lei no patrimônio do alienante.

No que toca à forma do ato, a anuência ou autorização deve dar-se por escritura pública e, sempre que se possa, no mesmo instrumento do ato principal (art. 220, CC). Noutra esteira, não será exigida a escritura pública de anuência para aqueles negócios jurídicos que não dependem de pública forma para sua validade.

Já o consentimento é considerado personalíssimo. Por exemplo, se a filha (descendente) não só concordou como defende a validade da concordância, nada pode opor o genro, com ela casado. E mais, não há confundir tal situação com venda de bens do casal, de modo que não há exigência legal sobre intervenção obrigatória do cônjuge neste tipo de negócio jurídico.

Não raro existirem situações em que o sogro pratica negócio jurídico com o genro. Vejam que aqui não há venda de ascendente para descendente, porém, segundo melhor doutrina, a exigência de consentimento se estende a esses casos, como bem salienta MARIA HELENA DINIZ:

“A limitação contida no art. 496 não se cinge apenas aos descendentes do alienante, mas compreende também o cônjuge, uma vez que, pelo vinculo da afinidade criado pelo casamento, estão ligados aos parentes de seu consorte. Em que pese a afinidade se distinga do parentesco em sentido estrito, também gera restrições de caráter patrimonial.

Entende-se, assim, que o termo “descendente” abrange o genro e a nora sob pena de fraudar-se o preceito legal proibitivo. Ainda, pelas novas diretrizes do direito de família, à luz da Constituição Federal, pode-se afirmar que a vedação do citado artigo atinge também o companheiro do descendente, no caso de união estável”.

Há ainda a possibilidade de suprimento judicial de tal anuência, uma vez que a recusa caprichosa de algum interessado não é motivo que impeça a realização do negócio jurídico pretendido.

Por sua vez, não deve o registrador de imóveis negar o registro sob alegação de falta de consentimento do cônjuge e demais descendentes, isto porque a qualificação registral opera sobre dois tipos de dados: os documento apresentados pelo interessado no registro e os assentos existentes em sua serventia, não podendo esta análise ser demasiadamente ampla. E mais, trata-se ai de nulidade relativa, somente podendo ser pronunciada por legítimos interessados.

O prazo de decadência para alegação do vício é de dois anos (art. 179, CC), a contar da data da conclusão do ato. No caso de venda de imóvel este prazo se iniciará a partir do registro no RGI, que confere publicidade ao negócio jurídico. O prazo é decadencial, não podendo ser suspenso ou interrompido, mas poderá ser declarado de ofício pelo juiz.

Importante ainda observar que a restrição constante do artigo 496 não abrange a hipoteca feita por ascendente em proveito do descendente, isto porque a hipoteca não é venda e, sendo legal, não há como presumi-la simulada ou fraudulenta.

Por fim, a necessidade de consentimento se estende a contratos preliminares, como é o caso da promessa de compre e venda, vez que tem como objetivo garantir um contrato de compra e venda futuro. Aliás, exceto quanto à forma, o contrato preliminar deve conter todos os requisitos do principal. Este consentimento está ligado à capacidade ou legitimação das partes.

Portanto, a venda de ascendente para descendente é um negócio jurídico que depende de anuência de todos os demais descendentes e do cônjuge do alienante. A forma da anuência deve observar a forma do ato principal e, sempre que possível, constar do mesmo ato. Fica mais uma vez demonstrado o protecionismo patrimonial do código civil em favor dos herdeiros, pondo-se, pois, mais obstáculo contra os maus intencionados.

 

Autor: Bruno Bittencourt Bittencourt

 

Referência:

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 1 : parte geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 14. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo : Saraiva, 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 4, tomo II : contratos em espécie / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 5. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo : Saraiva, 2012.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2011.

NERY JUNIOR, Nelson. Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3 ed. Revista dos Tribunais. São Paulo : 2005.

 



[1] Art. 1.132, CC 1916 – Os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam.

[2] Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.

[3] Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.

Assuntos: Contrato de compra e venda de imóvel, Direito Civil, Direito de Família, Direito de Sucessões, Direito processual civil, Doação de bem, Família, Propriedade

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