A Regra da Motivação das Decisões Judiciais

05/08/2016. Enviado por

Uma breve exposição de como os tribunais e juízes e cortes superiores devem motivar suas decisões judiciais. O padrão ou modelo pronto não satisfaz a regra, para outros doutrinadores um princípio, da motivação das decisões judiciais.

No dia-a-dia forense, temos nos deparado com decisões judiciais, sejam estas sentenças, acórdãos ou decisões interlocutórias, ou seja, pronunciamentos (art. 203, do Novo código de processo civil), que envolvem um grau de elevada atividade intelectiva dos magistrados, mal fundamentadas ou destituídas de fundamentação. Muitos juízes e desembargadores cansados com a pletora de processos na justiça, dado o crescente volume de processos-, o que o IRDR(Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas), previsto no art. 976 e ss. do novo código de processo civil vêm para amenizar impedindo decisões conflitantes de matérias unicamente de direito e risco à igualdade e à segurança jurídica-, e a razoável duração do processo(art. 5º, inciso LVXVIII, da Carta Magna)- assim como já ocorria com o julgamento de recursos por amostragem-, esqueceram-se do juiz Hércules preconizado por Ronald Dworkin, em que o magistrado ao conceder direitos no processo de reconstrução da norma material, atribuindo-lhe sentidos, tem, diante de si, os notáveis 12 trabalhos, isto porque vêm dando preferência a atuar nos casos concretos, e sem a devida parcimônia, utilizando-se de decisões padronizadas ou standardizadas, também, podendo ser aqui cognominadas de decisões padrão.

A seguir, exemplos destas decisões:

Acórdãos e decisões interlocutórias monocráticas dos tribunais - depois de indicar dispositivos legais sem explicar a relação com a causa ou a questão decidida, conforme dispõe o art. 489, §1º, inciso I, do novo código de processo civil, Lei nº 13.105/15, ou, pasmem, não indicar nenhum dispositivo legal ou sequer jurisprudência uniforme ou um precedente, os desembargadores, simplesmente, determinam “mantemos a decisão ou a sentença por seus próprios fundamentos”.

Acórdãos e decisões interlocutórias das Turmas Recursais dos JEC’s – como se não bastasse o art. 46, da Lei nº 9.099/95 rezar que “o julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”, é comum ver no acórdão “mantenho a decisão-, em caso de agravo na instância da Turma Recursal-, ou a sentença por seus próprios fundamentos.” Ora, fundamentação sucinta não é esta simples frase, o magistrado tem que explicar a relação com a causa, e o por que de ter mantido a sentença ou a decisão. Isto decorre de uma deficiente interpretação da lei 9.099/95, confundindo-se os critérios ou princípios do art. 2º, do mesmo diploma legal, quais sejam, a celeridade, a oralidade, a simplicidade, a informalidade e a economia processual. Ou seja, estes princípios não podem ser motivos para uma suposta sumariedade da fundamentação, que tem que ser sucinta, mas não é, simplesmente, este resumo. E quando se requer a nulidade da decisão os magistrados vêm com a seguinte determinação: “a decisão sucinta e suficiente atende ao art. 93, inciso IX, da C.R.F.B./88”. A resposta é o que se diz: pior ainda, porque para H.L.A. Hart, as palavras da lei quando proclamadas, numa atribuição de sentido às mesmas, não podem ser simplesmente mencionadas, mas devem ser usadas,[1] nos exatos termos do art. 489, §1º, inciso I, do novo código de processo civil, isto é, não se limitar a indicar, reproduzir ou paráfrasear o dispositivo legal, mas fazer isto explicando sua relação com a causa ou a questão decidida.

Acórdãos, sentenças e decisões interlocutórias em geral – esta já virou praxe no judiciário, e ninguém aguenta mais: “nego provimento aos embargos de declaração, posto que a parte pretende dar efeito infringente ou modificativo ao julgado”, quando é cediço na doutrina que há a possibilidade de embargos declaratórios com efeito infringente ou modificativo nestes casos:quando não atendem ao princípio do contraditório. E para os juristas Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina há efeito infringente: “a)quando este efeito decorrer das hipóteses “normais” de cabimento deste recurso, como efeito secundário. O caso mais comum é o suprimento da lacuna na decisão, cujo preenchimento torne inviável a subsistência do resto do julgado;b) quando houver correção de erro material;c) quando se tratar de decretar de ofício ou a requerimento das partes, formulado nos próprios embargos declaratórios, nulidade absoluta”.[2] Este tipo de decisão é teratológica(malformada e incompreensível), e esconde uma decisão solipsista(solitária, sem objetividade, não baseada no mundo fenomênico dos fatos empíricos em diálogo das partes com o juiz)  que pretende parecer coonestada à vista de uma suposta fundamentação. Ou seja, o juiz, simplesmente, denegou a jurisdição.Em outra palavra, prevaricou.Contra a prevaricação existe o remédio da ação rescisória, consoante prevê o art. 966, inciso I, do novo código de processo civil. Lembrando que em sede de Juizados Especiais Cíveis, reza o art. 59, da Lei nº 9.099/95 que não cabe ação rescisória. Logo, quando o autor escolhe esta justiça há uma renúncia à ação rescisória.

Decisões principiológicas – isto ocorre quando o juiz, muito embora os princípios não tenham só pretensões de complementaridade, indica dispositivos legais e decide com base em princípios, postulados, jurisprudência, doutrina, afastando a regra. Sendo assim, o novo código de processo civil já disciplinou a hipótese em que o juiz deverá explicar o afastamento da regra, porque é sabido e consabido que a regra incide em razão do princípio do tudo-ou-nada (all-or-nothing), consagrado por Ronald Dworkin; o juiz não pode, simplesmente, decidir com base num princípio se tem uma regra prevista para o caso concreto. De resto, é o que prescreve o art. 489, §2º, do novo código de processo civil, que adotou a teoria da ponderação, e assim predetermina: “no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.

Decisões que se limitam a invocar a jurisprudência e o enunciado de súmula - O art. 489, §1º, inciso V, predetermina que a decisão não será considerada fundamentada quando se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.Nestes casos, o juiz, para esconder a própria arbitrariedade, indica apenas o enunciado da súmula ou a jurisprudência sem precisar os motivos determinantes(ratio decidendi), de modo que aparentemente a decisão estaria supostamente fundamentada.

Decisões com emprego de conceitos jurídicos indeterminados meramente indicados – o juiz se limitar a indicar, por exemplo, que o réu violou o princípio da dignidade da pessoa humana, ou o princípio da boa-fé, que têm vagueza, porosidade, e não explica o por que da sua incidência no caso.É o que deve ser feito: explicar o por que da sua incidência no caso. É decorrente do art. 489, §1º, inciso II, do código de processo civil.                           

Decisões sem correção – para Antônio Magalhães Gomes Filho[3] a correção é um requisito substancial da motivação das decisões judiciais.Há decisões que não têm como base elementos condizentes com os contidos no processo. Assim, estas decisões são aqueles modelos padrões decididos em vários outros processos que não açambarcam a concreção da norma num determinado caso.

Decisões per relationem –há decisões, de acordo com o art. 489, §1º, inciso III ,da Lei nº 13.105/15, novo código de processo civil, que são usadas com correlação com outras que já foram proferidas no mesmo processo, que invocam motivos que servem para justificar qualquer outra decisão, também não se consideram fundamentadas/motivadas/justificadas.Violando o princípio ou regra da fundamentação/motivação/justificação das decisões judiciais, inserida no art. 93, inciso IX, Carta Magna, assim como no art. 11, daquele codex. O juiz deve evocar as razões de decidir(ratio decidendi)numa atribuição de sentido às normas, diz a mais abalizada doutrina. Além, é claro dos dispositivos legais, daquele diploma, versando sobre a tutela provisória no art. 298: “na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso”. E no art. 373, §1º, quanto às provas, na teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova: quando o juiz distribui o ônus da prova de modo diverso, o fará em decisão fundamentada.

Decisões que não fazem o distinguish – quando o precedente obrigatório invocado pela parte não é seguido, o juiz se limita a tão-somente invocar outro precedente sem estabelecer a distinção no caso concreto ou a superação do entendimento posto à lume do juízo colegiado ou monocrático para dirimir. A doutrina diverge se há vinculação ao precedente invocado, mas por disposição do inciso VI, do art. 489, §1º, do novo código de processo civil.

Decisões em que o juiz não enfrenta todos os argumentos deduzidos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador – advém do inciso IV, do art. 489, §1º, do novo código de processo civil – é comum o magistrado não se ater a todos os argumentos jurídicos materiais e até mesmo processuais evocados pela parte, o que caracteriza uma omissão, além da nulidade da decisão. O remédio cabível segundo o novo código de processo civil, que abarca todas as hipóteses são os embargos de declaração, previsto no art. 1.022, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 13.105/15. Se o prazo decorrer in albis para que os embargos de declaração sejam opostos, por força da preclusão temporal cabe em recurso de fundamentação livre, como o é a apelação, impugnar em sede de preliminar processual do recurso em tela.

Decisões em que provas são rejeitadas – o juiz deve, com efeito, explicar o por que está rejeitando provas em cotejo com as demais provas constantes dos autos do processo. Deve explicar o motivo por que desconsiderou uma prova, sob pena de nulidade por não fundamentada a decisão.Isto é decorrência lógica dos arts. 11 e 93, inciso IX, da Lei nº 13.105/15 e da Constituição da República, respectivamente.

Decisões que simplesmente o juiz determina com as palavras da lei que, verbi gratia, não há omissão, obscuridade ou contradição no julgado, razão por que nos termos do art. tal nego provimento ao recurso de embargos de declaração. E de outra feita: não vislumbro presentes os requisitos ou pressupostos da tutela antecipada e nomeia os requisitos, indicando o dispositivo legal, por vezes, apenas mencionando as palavras e não usando-as. O que nos reporta ao art. 489, §1º, inciso I, do código de processo civil, acima salientado.

Por fim, não esgotando a classificação, há as decisões que juízes e tribunais simplesmente, justificam(externa ou internamente – respectivamente com conceitos extrajurídicos ou conceitos jurídicos), porém, no entanto, não há nenhuma fundamentação, neste caso ou o juiz se limita a indicar o dispositivo legal sem explicar a relação com a causa ou a questão decidida ou não indica o dispositivo legal, princípios, postulados, doutrina ou jurisprudência uniforme ou precedentes utilizando-se de palavras da lei, entretanto, sem usá-las apenas mencionando-as. Convém esclarecer que parte da doutrina diverge e considera a justificação como fundamentação e outra parte da doutrina considera a justificativa uma parte distinta da fundamentação. O novo código de processo civil no art. 489, §1º, inciso III, emprega o termo justificativa com sinonímia para fundamentação. Contudo, na prática, vê-se que a justificativa pode encobrir uma decisão não fundamentada ou mal fundamentada.

Em todos estes casos o juiz comete o crime de prevaricação previsto no art. 319, do código penal, em sendo, na senda do direito, a vedação ao non liquet, ou seja, o juiz não pode se escusar, nem se eximir de decidir alegando obscuridade ou lacuna do ordenamento jurídico, de dizer o direito aplicável e, em caso de lacuna, deverá recorrer a analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, de acordo com o art. 4º, da LINDB (Lei de Introdução às normas do direito brasileiro) e art. 140, caput,  do novo código de processo civil.

Da legitimação do Poder Judiciário decorre que sejam suas decisões motivadas à luz do sistema jurídico, interpretações doutrinária e jurisprudencial, princípios e postulados, que, repita-se, não possuem pretensões de complementaridade, devem ser explicados à luz do arcabouço jurídico.

Trata-se, com efeito, de um vício do procedimento(error in procedendo) que ofende o princípio da legalidade, o que não se confunde com o paleojuspositivismo, expressão cunhada por Luigi Ferrajoli, em que o juiz era meramente a boca que pronuncia as palavras da lei(la bouche qui pronounces les paroles de la loi), isto é, quando o juiz julgava de modo abstrato, hoje o juiz além de ser a boca que pronuncia as palavras da lei usando-as com o fato do caso concreto, deve atentar para o telos (objetivo) da norma, a chamada interpretação teleológica, em que o espírito do sistema jurídico e seus fins sociais e as exigências do bem comum são buscadas(art. 5º, da LINDB).

Em países da civil law, o primado da lei não pode ser olvidado, logo as decisões se baseiam na lei.É sua fonte formal primária. Uma prova disto é que o art. 979, §2º, da Lei nº 13.105/15 prevê para o IRDR que para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados. Grifo nosso.

Ademais, o juiz ou tribunal que assim age em decisões teratológicas e/ou solipsistas acaba sendo suspeito de parcialidade, esconde, também, uma vontade que não se coaduna com a vontade da lei(voluntas legis).Ou seja, acaba julgando com a sua consciência, numa subjetividade em que invade a esfera legiferante, e se faz de legislador, inobstante serem as decisões normas individuais aferíveis no caso concreto, e não no plano abstrato da lei. Ora, o julgamento é objetivo, muito embora haja subjetividade deixadas propositalmente ao intérprete como nos conceitos jurídicos indeterminados e nas cláusulas gerais. No mais, haverá parcialidade sempre que o juiz na sua decisão for favorável ao réu ao não fundamentar a decisão, muito embora fundamentar seja também a segurança jurídica do réu. O princípio da imparcialidade do juiz restará vulnerado.

Para o jurista Leonard Ziesemer Schimitz “o juiz deve fundamentar para decidir; jamais decidir para fundamentar”.[4]

Concluindo: as decisões standardizadas não se coadunam mais com o Estado Democrático de Direito, assim como com as chamadas decisões principiológicas, ou a justificativa, sem fundamentação,  haja vista que naquela espécie de Estado a fundamentação judicial é dada ao controle popular do judiciário, e não tão-somente a seus pares por ocasião do recurso. Este controle popular se firma no primado da lei, na jurisprudência uniforme, nos precedentes e na doutrina, fontes primária, a primeira, e secundárias, as outras três, do direito. O controle democrático do judiciário por meio da fundamentação das decisões judiciais é exercida pelo jurisdicionado que tem razão e daquele que, embora, não a tenha embraça o broquel de fiscal da lei até que a mesma seja cumprida. Não havendo tão-somente o controle do cumprimento da lei, mas, também, pacificação social com justiça, além, é claro, da integridade do ordenamento jurídico e da segurança e “certeza” jurídicas no dirimir conflitos oriundos de fatos sociais relevantes.

Por Karla Christina Faria de Almeida, advogada, especialista em processo civil.

BIBLIOGRAFIA

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. 2 ed., rev. e at.Editora Revista dos Tribunais.São Paulo:2013, p. 146

HART, H.L.A.Ensaios sobre teoria do Direito e Filosofia.Tradução: GIRHARDI, José Garcês.ESTEVES, Lenita Maria Rimoli.Editora Elsevier: Campus Jurídico:2010, p. 330

SCHMITZ, Leonard Ziesemer.Fundamentação das Decisões Judiciais. A crise na construção de respostas no processo civil.Coleção Liebman. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 345

WAMBIER ARRUDA ALVIM, Teresa.MEDINA, José Miguel Garcia. Processo Civil Moderno. V. 2Recursos e Ações Autônomas de Impugnação. 3 ed., rev, at. e amp., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo:2013, p. 217



[1] HART, H.L.A.Ensaios sobre teoria do Direito e Filosofia.Tradução: GIRHARDI, José Garcês.ESTEVES, Lenita Maria Rimoli.Editora Elsevier: Campus Jurídico:2010, p. 330

[2] WAMBIER ARRUDA ALVIM, Teresa.MEDINA, José Miguel Garcia. Processo Civil Moderno. V. 2Recursos e Ações Autônomas de Impugnação. 3 ed., rev, at. e amp., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo:2013, p. 217

[3] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. 2 ed., rev. e at.Editora Revista dos Tribunais.São Paulo:2013, p. 146

[4] SCHMITZ, Leonard Ziesemer.Fundamentação das Decisões Judiciais. A crise na construção de respostas no processo civil.Coleção Liebman. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 345

Assuntos: Administrativo, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Penal, Direito processual, Processo, Questões processuais

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