A proibição de dispor

11/04/2013. Enviado por

Trata das proibições de dispor existentes no registro de imóveis, seu funcionamento, registro, averbação e cancelamento.

A PROIBIÇÃO DE DISPOR

Linhas gerais sobre a indisponibilidade de bens no Cartório de Registro de Imóveis

 

O direito de propriedade, um dos mais antigos e defendidos institutos jurídicos, ganhou espaço de destaque na Constituição Federal de 1988 quando alocado no caput do artigo 5º[1], o qual trata dos direitos e garantias fundamentais, tornado-se cláusula pétrea (CF, art. 60, §4, IV), somente podendo ser suprimido com a promulgação de uma nova constituição.

A propriedade é um instituto complexo, que envolve o direito de usar, gozar, dispor e reaver a coisa de quem quer a possua (ius utendi, ius fruendi e ius abutendi), sendo a faculdade de disposição regra geral do ornamento, o que, por sua vez, possibilita o tráfico jurídico de bens e, consequentemente, a circulação e criação de riquezas. No entanto, tal faculdade pode ser suprimida pela ordem jurídica que, para fins específicos e previstos em lei, tolera ou impõe sua suspensão de forma temporária.

Por seu turno, a proibição de dispor é uma figura jurídica que não recebe tratamento sistemático pelo ordenamento jurídico, estando suas normas dispostas em leis esparsas.

Por definição, a proibição de dispor pode ser entendida como a “privação do poder de disposição inerente ao direito de propriedade, com maior ou menor amplitude e visando finalidades diversas. Nesse sentido, a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade”.

Embora não constitua direito real, a proibição de dispor prevista em negócios jurídicos gratuitos deverão ser levada a registro no cartório de Registro de Imóveis competente, sob pena de não serem eficazes perante terceiros. Regra esta que diverge das restrições legais, as quais passam a surtir efeitos erga omnes a partir da publicação da lei concernente.

A indisponibilidade constitui uma espécie de modo ou encargo, visto tratar-se de limitação ou restrição às faculdades dispositivas de um direito. Deve, portanto, ser interpretada restritivamente e não pode ser presumida, uma vez que contraria o estado natural da propriedade, assegurado pelo artigo 1.231 do Código Civil, o qual dispõe que a “propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”.

As proibições de dispor têm, quase que unanimemente, o mesmo fim imediato, ou seja, a indisponibilidade do patrimônio. No entanto, elas podem ter diferentes origens, quais sejam: proibições legais de dispor, proibições judiciais ou administrativas e as proibições voluntárias.

As proibições legais são aquelas decorrentes da lei, produzem seus efeitos desde logo, independente de declaração judicial ou administrativa ou de sua publicidade no Registro de Imóveis, ou seja, elas não necessitam de inscrição própria ou de qualquer menção no conteúdo do assento, vez que a própria lei já supre esta necessidade. Entretanto, embora não dispensada a publicidade registral, nada impede o registro da restrição legal de dispor, podendo a lei prever sua inscrição.

Inúmeras são as proibições legais de dispor[2], passamos então à análise daquelas mais recorrentes no dia-a-dia do registrador de imóveis:

a)      Proibição de dispor decorrente do registro de hipoteca cedular (arts. 35 e 59 do Decreto-Lei 167/1967)

b)      Proibição de dispor decorrente da averbação de penhora em processo de execução fiscal (art. 53, § 1º, da Lei 8.121/1991)

c)      Proibição de dispor decorrente de normas que estabelecem a fração mínima imobiliária (art. 4º, II, Lei 6.766/1979 e estatuto da Terra). É proibida a alienação de imóvel urbano com área inferior a 125 metros quadrados, com no mínimo cinco metros de frente (salvo existência de exigência maior ou menor em lei municipal); e de imóveis rurais com área inferior ao módulo legal previsto para a região. A finalidade da lei é assegurar a função social da propriedade, que seria comprometida nas hipóteses de parcelamentos mínimos.

d)      Proibição de disposição relativa a imóveis rurais em que o interessado na aquisição é pessoa estrangeira.

e)      Proibição de disposição de imóveis do ausente: os imóveis do ausente não podem ser alienados, salvo se a venda tiver por finalidade evitar a ruína e mediante alvará judicial. Podem, entretanto, ser desapropriados e hipotecados (art. 31, CC). A finalidade da norma legal é a preservação do patrimônio do ausente, quando ainda existir possibilidade de retorno. Aberta a sucessão definitiva, os imóveis podem ser vendidos e, regressando o ausente nos dez anos seguintes de sua abertura, fará jus ao preço ou aos bens sub-rogados em seu lugar (art. 39, CC)

f)       Proibição de disposição de imóveis oriundos de projetos de reforma ou regularização agrária ou urbana que contemplam população de baixa renda.

g)      Proibição de alienar imóvel em virtude de ausência da anuência conjugal. Segundo o art. 1.647, I, do Código Civil, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis, exceto no regime da separação absoluta. Quando um dos cônjuges denegue a autorização sem motivo justo, sua outorga pode ser suprimida pelo juiz (art. 1.648, CC). A norma legal visa proteger o patrimônio familiar, ainda que se trata de bem próprio, salvo, como foi visto, no regime de separação absoluta de bens.

h)      Proibição de alienar imóveis de filhos menores, tutelados ou curatelados. Os pais ou representantes legais não podem alienar ou gravar de ônus reais os imóveis dos filhos menores, salvo se houver necessidade ou interesse evidente da prole e mediante autorização judicial (art. 1.691, CC). A mesma restrição legal é aplicada na tutela e na curatela: nesses casos, além da autorização judicial é necessária prévia avaliação judicial (arts. 1.750 e 1.774 do CC).

Como já salientado em parágrafos anteriores, além da proibição legal de dispor, temos também a judicial, administrativa e a voluntária. Passamos então à análise das judiciais e administrativas.

As restrições judiciais de dispor são aquelas emanadas de autoridade judiciária, cuja finalidade é assegurar o resultado útil de uma sentença ou pela autoridade administrativa em procedimento não judicial. Tais restrições não emanam diretamente da lei, mas de decisões judiciais ou administrativas que tem por embasamento a norma legal.

Essas restrições devem ser averbadas[3] no fólio real para que surtam efeitos erga omnes (perante terceiros), já que implicam em alteração do conteúdo do registro e produzem relevantes efeitos sobre o tráfico imobiliário.

Vale ressaltar que, mesmo por ordem judicial ou administrativa, o registrador de imóveis deve proceder a qualificação registral e observar o princípio da prioridade, sendo que os títulos anteriormente prenotados terão preferência para o registro.

Já as proibições voluntárias de dispor são aquelas que decorrem da manifestação de vontade do titular do direito e somente são possíveis no ordenamento jurídico brasileiro em negócios jurídicos gratuitos como a doação, o testamento e a instituição de bem de família.

A proibição voluntária de dispor é composta basicamente pelas cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade, o que significa dizer que os bens constituídos por tais gravames não estão sujeitos a venda ou doação, também não poderão ser dado em garantia real (penhor ou hipoteca), tampouco serem penhorados em execução movida contra o seu titular e, se gravados com a cláusula de incomunicabilidade, não se comunicarão ao cônjuge.

O Código Civil, em seu artigo 1.911, anota que “a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade”. Coadunando com o dispositivo acima, o Supremo Tribunal Federal já possui entendimento sumulado sobre o tema (Súm. 49), dispondo que “a cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens”.

Via de regra, é vedado ao testador incluir cláusula de inalienabilidade nos bens componentes da legítima, salvo se houver justificação autêntica e verdadeira. Para que isso seja possível, a doutrina entende que os motivos ensejadores devem constar expressamente do testamento. Tais razões não podem se fundar em motivos egoísticos do testador, ou seja, apenas se admite tais estipulações para salvaguardar os interesses dos herdeiros, como por exemplo, evitar a dilapidação do patrimônio por herdeiro toxicômano ou pródigo, ou seu perecimento em virtude de má administração, dívidas e até mesmo ambição de cônjuge interesseiro.

É possível, segundo a doutrina, a estipulação apenas de cláusula de impenhorabilidade e incomunicabilidade, de modo que o bem não poderá sofrer constrição judicial nem se comunicará ao cônjuge, podendo, entretanto, ser alienado.

Noutro giro, há também a possibilidade de estipulação de cláusula de Inalienabilidade parcial, de modo que fica apenas vedada a alienação a determinada(s) pessoa(s), afinal, quem pode o mais – que é proibir a disposição absoluta do bem - pode o menos. Regra esta que decorre da livre manifestação de vontade e não ultrapassa os limites legais.

Por fim, a cláusula de inalienabilidade não pode viger eternamente, sob pena de retirada total e perpétua do bem do tráfico jurídico, violando princípios fundamentais como a função social da propriedade e a livre iniciativa. Tal modo ou encargo apenas será vigente enquanto viver o herdeiro ou donatário, não podendo passar para geração seguinte. Em caso de instituição de bem de família sua extinção se dá com a morte de ambos os cônjuges e com a maioridade dos filhos, salvo se curatelados.

Portanto, diversas são formas de proibição de dispor que poderão ingressar no registro de imóveis, as quais poderão emanar da lei, ordem judicial ou administrativa e pela vontade do instituidor. O registrador de imóveis, assim como o tabelião de notas, que lavrará a escritura, conforme o caso, deverão estar sempre atentos às características de cada ato, pois, apesar de na prática terem função similares, cada um possuirá particularidades próprias que variarão da forma de instituição, registro e sua extinção.

Para melhor entendimento do tema, recomendamos a leitura de outros artigo já publicados em nossas revistas:

1-      Possibilidade de hipotecar imóvel objeto de alienação fiduciária – Revista Outubro de 2012, pág. 19.

2-      Alienação de Bem Imóvel Penhorado – Revista Agosto de 2012, pág. 09.

3-      Cessão de Direitos Hereditários de Bem Individualizado – Revista de Julho de 2012, pág. 16.

4-      Bem de Família – Revista Fevereiro de 2012, pág. 6.

 

Autor: Bruno Bittencourt Bittencour



[1] “CF - Art. 5º -Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”

[2] Segundo Luiz Guilherme Loureiro.

[3] Art. 247 - Averbar-se-á, também, na matrícula, a declaração de indisponibilidade de bens, na forma prevista na Lei.

Assuntos: Direito imobiliário, Direito processual civil, Imóvel, Moradia, Propriedade

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