A visita técnica dos procedimentos licitatórios

21/09/2011. Enviado por

Lei de Licitações prevê a possibilidade de a Administração Pública requerer a comprovação de que o licitante recebeu os documentos e tomou conhecimento de todas as informações e condições do local para o cumprimento do objeto licitado

1 Introdução


A Lei de Licitações, em seu art. 30, inc. III prevê a possibilidade de a Administração Pública requerer a comprovação de que o licitante recebeu os documentos e tomou conhecimento de todas as informações e condições do local para o cumprimento do objeto licitado, nos seguintes termos:

Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

III – comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que, recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação”;

No entanto, verificamos que ainda existem muitas dúvidas por parte dos órgãos públicos quanto à sua utilização e muitos questionamentos perante os Tribunais de Contas em razão de cláusulas restritivas relacionada à questão da visita técnica.

Conforme se verifica pela legislação acima citada, oatestado de visita técnica é enquadrado pela Lei de Licitações como documento habilitatório relativo à comprovação da qualificação técnica do licitante.

Por meio desse documento comprova-se que a empresa licitante tomou conhecimento das condições do(s)local(is) para o cumprimento das obrigações objeto do certame. Contudo, a referida norma não prevê determinadas especificidades para realização da visita técnica, como por exemplo: quem pode realizá-la, qual o período para a sua realização, se se trata de obrigação ou faculdade da empresa licitante. Tais normatizações deverão constar do ato convocatório.

São essas indagações que tentaremos responder com este artigo.

 2 Competência para realização da visita técnica


A primeira indagação refere-se a quem compete realizar a visita técnica.

Não é raro analisarmos editais de licitação para execução deobra ou prestação de serviços de engenharia e nos depararmos com cláusula na qual a Administração exige que somente o engenheiroda empresa licitante poderá realizar a visita técnica.

A nosso ver, esse tipo de cláusula é restritiva ao caráter competitivo do certame e,quiçá ilegal.

A lei não determina a quem compete verificar o local de prestação de serviços ou execução da obra, deixando a responsabilidadeda indicação do responsável a cargo da empresa licitante. Para esta, no entanto, é interessante enviar um profissional capacitado e que tenha conhecimento suficiente do objeto licitado, para, inclusive auxiliar na elaboração da proposta, uma vez que é nesse momento que a empresa esclarecerá dúvidas técnicascom relação ao local de prestação dos serviços ou execução da obra.

Conforme ensina Marcelo Palavéri:

Com a visita técnica pode se cometer ilegalidade, antecipando exigência da fase de habilitação, caso se estabeleça a necessidade de que seja realizada por determinado profissional, responsável técnico do licitante. Isso antecipará a apresentação pelo licitante de seu representante, o que só é exigido quando da apresentação do envelope de habilitação, em momento posterior à visita, O Tribunal rechaça esse tipo de exigência, de modo que os editais devem deixar a cargo do licitante a indicação dos profissionais que promoverão a visita, sendo certo que os licitantes enviarão técnicos habilitados, por vezes, os próprios responsáveis técnicos para que possam obter as indispensáveis informações para bem formular as propostas”. (cf. inLicitações Públicas. Comentários e notas às súmulas e à jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, 1ª ed., Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2009, p.762).

Recentemente, inclusive, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo traçou diretrizes gerais a respeito da matéria, no julgamento do TC nº 333/009/11, nos seguintes termos:

Por derradeiro, em relação à pessoa que deverá ser designada para o evento, penso que o encargo é atributo exclusivo da licitante, cabendo a ela eleger o profissional responsável que entenda como o mais adequado para a tarefa, independente de ser engenheiro ou não.

Aliás, assim decidiu o Plenário do Tribunal, nos TC-000202/013/10, TC-13464/026/09 e TC-16339/026/08”.

 3 Período para sua realização


Outra questão bastante polêmica refere-se ao período para realização da visita técnica.

Em que pese se tratar de poder discricionário da Administração estabelecer no ato convocatório, as datas e horários para a realização da visita técnica,essa discricionariedade encontra limites nos princípios da competitividade e razoabilidade, razão pela qual se recomenda que se estabeleça um período flexível de datas e horários distintos a fim de dar fiel cumprimento aosreferidos princípios.

A fixação de uma única data para a realização da visita técnica é amplamente rechaçada pelos Tribunais de Contas, pois restringe a ampla competitividade do certame.

Assim se manifestou o Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 3119/2010 - Plenário:

1.6.2. alertar a (…), para que, nos futuros procedimentos licitatórios que envolvam recursos públicos federais, haja observância das seguintes orientações:

(…)

1.6.2.2. estabeleça prazo adequado para a realização de visitas técnicas, não restringindo-a à dia e horário fixos, tanto no intuito de inibir que os potenciais licitantes tomem conhecimento prévio do universo de concorrentes, quanto a fim de que os possíveis interessados ainda contem, após a realização da visita, com tempo hábil para a finalização de suas propostas” (supressão nossa)

Além disso, determinar que a visita técnica seja realizada em um único horário de determinado dia pode dar azo àpossibilidade de ajustes prévios entre os licitantes.

Nesse sentido leciona Marcelo Palavéri:

1. agendamento de data única: sob o argumento de que não pode deixar servidor disponível para os licitantes, e de que não pode ficar à disposição destes, a Administração marca data única para a visita. Com isso, concentra todos os licitantes em uma única reunião antes de apresentarem as propostas, dando espaço para acertos preliminares que poderão comprometer a competitividade (…) O Tribunal, acertadamente, vem entendendo em decisões mais recentes que durante o prazo destinado a aguardar as propostas deve se deixar livre para o licitante a possibilidade de agendar antecipadamente a visita e promovê-la  sozinho ou em grupo a qualquer momento”.(ob. cit., p.754).

Conforme mencionado anteriormente, em relação ao assunto o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo traçou as seguintes diretrizes gerais:

a marcação de mais de uma data para vistoria, inclusive com a possibilidade de agendamento, preferencialmente intercaladas entre si, ou dentro de um lapso temporal moderado, a critério da discricionariedade administrativa, restringindo-se a estipulação de data única somente em casos excepcionalíssimos, nos quais haja justificativas de ordem técnica que amparem a medida;

as datas ou o intervalo de tempo para o evento deverão ser marcados de acordo com o princípio da razoabilidade, de forma que proporcionem, de um lado, a plena ciência do edital a todos que efetivamente se interessem e, de outro, tempo hábil para que as licitantes elaborem adequadamente as suas propostas” (cf. in TC nº 333/009/11).

O Tribunal de Contas da União também recentemente se manifestou a respeito da limitação de realização de visita técnica em dia e horário único, conforme se verifica no seu Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 73:

Concorrência pública para a contratação de serviços e fornecimento de materiais: 2 – A realização de vistoria técnica não deve estar limitada a um único dia e horário.

(…)

Em seguida, apontou a unidade responsável pelo feito possíveis implicações para a visita técnica em horário pré-determinado: ônus indevido às interessadas, porque lhes cercearia o direito de definir o melhor momento para o cumprimento da obrigação; antagonismo com diversos julgados do Tribunal (v.g. nos Acórdãos nos 1.332/2006, 1631/2007 e 326/2010, todos do Plenário); potencialização da possibilidade de formação de concertos prévios entre os pretensos licitantes, haja vista a fixação de visita ao local das obras de dia e hora certos, dentre outras. Ao examinar ao assunto, o relator consignou em seu voto que, conquanto não considerasse abusiva a necessidade de vistoria por parte das licitantes interessadas, no caso concreto poderia ter ocorrido restrição desnecessária à competição do procedimento licitatório, em face das consequências decorrentes da exigência. Votou, então, por que se determinasse ao (…) que, em suas futuras licitações, deixasse de limitar a realização de vistoria técnica a um único dia e horário, sem prejuízo de propor a fixação de prazo para que entidade adotasse as devidas medidas, com vistas à anulação do certame, o que foi aprovado pelos demais membros do Plenário. Precedentes citados: Acórdãos nos 2028/2006-1ª Câmara, 1450/2009-2ª Câmara, e 874/2007, 2477/2009, 2583/2010 e 3197/2010, todos do Plenário. Acórdão n.º 1948/2011-Plenário, TC-005.929/2011-3, rel. Min.-Subst. Marcos Bemquerer Costa, 27.07.2011”.

Por fim, cabe ressaltar que,somente em situações excepcionais, devidamente justificadas que evidenciem prejuízo à Administração e/ou ao interesse público, tais como inexistência de servidores suficientes a serem disponibilizados para acompanharem os representantes das empresas nas visitas técnicas; natureza do local a ser vistoriado que exija procedimentos rigorosos de vigilância e segurança, como p. ex., penitenciárias.

 4 Obrigação ou faculdade?


A última questão que nos propomos a debater refere-se à visita técnica ser uma faculdade ou obrigação para os licitantes.

Inicialmente, a Administração Pública deverá atentar que a imposição de vistoria técnica deve ater-sea situações especiais, ou seja, àqueles objetos cujacomplexidade ou sua natureza a justifique.

A principal questão que se coloca é saber se, uma vez exigida pelo ato convocatório, a vista técnica é uma faculdade ou dever do interessado, sob pena de inabilitação.

Se considerarmos como uma faculdade do licitante, devemos entender que o licitante está aceitando todas as condições do local de contratação por inteira responsabilidade.

Inclusive, neste caso, bastaria uma mera declaração firmada pelo responsável da empresa, de que a licitante tem conhecimento do local, condições e peculiaridades do objeto, assumindo a responsabilidade por eventuais constatações posteriores que poderiam ter sido verificadas caso tivesse realizado a visita técnica.

Por outro lado, se entendermos que se trata de uma obrigação, a sua não realização acarretará a inabilitação do licitante.

Corroborando esse entendimento, temos os ensinamentos de Renato Geraldo Mendes:

Seguindo a lógica e a determinação prevista na parte final do inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal, é possível resolver a questão de duas diferentes formas. A determinação constitucional é no sentido de que as exigências técnicas sejam calibradas pelo objeto (ou pelas obrigações a serem executadas). A solução tem de seguir essa lógica necessária. Portanto, a solução variará de acordo com a complexidade da obrigação (objeto). Sendo as condições locais de execução pouco relevantes para o sucesso da contratação, poderá a Administração apenas facultar ao licitante direito de realizar a vistoria. Por outro lado, sendo as condições locais relevantes, poderá a Administração impor a condição de realização da vistoria como um dever, cujo não cumprimento acarretará a inabilitação do licitante”.

 5 Conclusão


Conclui-se, portanto, que para a Administração exigir em seus atos convocatórios que os licitantes procedam à visita técnica deverá atentar seo objeto a ser licitado possui peculiaridades que necessariamente deverão ser verificadas e sopesadas pelos interessados para a elaboração de suas propostas.

Além disso, a determinação dos dias e horários deverá obrigatoriamente ater-se aos princípios da razoabilidade e competitividade.

Por fim, as exigências deverão ater-se somente àquilo que realmente atenda ao interesse público envolvido, não podendo a Administração imiscuir-se na atividade da empresa em relação à designação do responsável técnico pela realização da vistoria.

 

Referência Bibliográfica:

ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras Públicas: Licitação, Contratação, Fiscalização e Utilização, 2ª ed., Belo Horizonte, Editora Fórum, 2009.

FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª ed., São Paulo, Dialética, 2008.

JUNIOR. Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 8ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009.

MENDES, Renato Geraldo. Lei de Licitações e Contratos Anotada, 8ª ed., Curitiba, Zênite Editora, 2011.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos, 11ª ed., Belo Horizonte, Del Rey Editora, 2008.

PALAVÉRI, Marcelo. Licitações Públicas. Comentários e notas às súmulas e à jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, 1ª ed., Belo Horizonte, Ed. Fórum, 2009.

Assuntos: Direito Administrativo, Direito Empresarial, Direito processual civil, Empresarial, Licitação

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