Restringir o exame do câncer de mama é retrocesso social

07/02/2014. Enviado por

A Portaria nº 1.253/2013, que reduz o acesso as mulheres de realizarem o exame do câncer de mama pelo SUS, fere o Princípio Constitucional da Proibição do Retrocesso.

O direito de acesso ao exame de mamografia pelo SUS (Sistema Único de Saúdo) foi assegurado a todas as mulheres a partir dos 40 anos de idade, conforme estabelecido pela Lei 11.664/08 e veementemente aconselhado pelo Conselho Federal de Medicina.

Porém, em novembro do ano passado (2013) o Governo Federal, através do Ministério da Saúde, editou a Portaria nº 1.253/2013, que dificulta o acesso ao exame para as mulheres com menos de 50 anos, colocando-as em extremo risco.

A exclusão das mulheres dessa faixa etária, até 49 anos, de realizarem mamografia diagnóstica no Sistema Único de Saúde (SUS) nada mais é do que um retrocesso social, ferindo um dos Princípios Constitucionalmente protegidos, embora ainda pouco suscitado, que é o da Proibição do Retrocesso Social.

Isso significa que a proteção dos direitos sociais deve considerar o direito adquirido e combater as medidas restritivas aos direitos fundamentais. Ou seja, a preservação da essência dos direitos fundamentais sociais deve preservar todas as conquistas existentes, seja pela concretização normativa como pelo posicionamento jurisprudencial.

Nos ensinamentos de Canotilho (2006, p. 177):

"Neste sentido se fala também de cláusulas de proibição de evolução reaccionária ou de retrocesso social (ex. consagradas legalmente as prestações de assistência social, o legislador não pode eliminá-las posteriormente sem alternativas ou compensações <>; reconhecido, através de lei, o subsídio de desemprego como dimensão do direito ao trabalho, não pode o legislador extinguir este direito, violando o núcleo essencial do direito social constitucionalmente protegido)."

Citando o Ministro do STF Luís Roberto Barroso, afirma que:

"(...) o princípio da proibição de retrocesso decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de Direito; do princípio da dignidade da pessoa humana; do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais; do princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo essencial."

Essa mesma linha de pensamento se extrai de diversos Tribunais Pátrios, como é exemplo da jurisprudência do TJ/RS:

"Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. SAÚDE. 1. Responsabilidade solidária. Cumpre tanto à União, quanto ao Estado e ao Município, modo solidário, à luz do disposto nos artigos 196 e 23, II da Constituição Federal de 1988, o fornecimento de medicamentos, exames, insumos, etc. a quem deles necessita, mas não pode arcar com os pesados custos. A ação poderá ser proposta contra um ou contra outro, ou, ainda, contra Estado e Município, pois todos os entes federativos têm responsabilidade acerca da saúde pública. Responsabilidade solidária dos entes federativos ainda que determinado fármaco/exame/procedimento não integre as listagens do SUS. 2. Mérito. a) Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal. Postulado constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da Carta, com aplicação imediata, leia-se, § 1º, do art. 5º, da mesma Constituição, e não um direito meramente programático. b) Princípio da Tripartição dos Poderes. Dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade. Da Proibição de Retrocesso. A despeito da alegação do Estado de que há violação ao poder discricionário da Administração Pública, em que pese não se possa desconsiderar a conveniência e oportunidade, de forma a relegar qualquer interferência judicial, pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, a violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, haja vista a inércia do Poder Executivo, legitima o controle judicial. c) Da Reserva do Possível. O princípio da reserva do possível não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático e Social de Direito (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal). d) Direito ao procedimento. Em sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos e, em restando comprovado nos autos a necessidade da parte requerente de realizar o procedimento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 196, 200 e 241, X, da Constituição Federal, e Lei nº 9.908/93. e) Preservação do núcleo essencial. É de preservação do núcleo essencial do que se trata. NEGADO SEGUIMENTO AO APELO DO ESTADO. (Apelação Cível Nº 70053530333, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 20/12/2013)."

Conclui-se, contudo, que a Portaria 1.253/2013, está eivada de vícios de constitucionalidade, infringindo direitos adquiridos, retrocedendo socialmente e ferindo os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Proibição do Retrocesso.

 

REFERÊNCIAS:

CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2006.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

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Rui Carlos Pietschmann

OAB/RS 90056

rcpietschmann@gmail.com

(51) 9975-0080

Assuntos: Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Público, Direitos humanos, SUS (Sistema Único de Saúde)

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