07/03/2013. Enviado por Dra. Isabela Di Maio Barbosa
Comentários ao editorial do jornal O Estado de São Paulo, do dia 26/12.
"Pensão para amante:
Projeto de lei provoca bigamia e adultério"
O Projeto de Lei 674/07 foi aprovado agora no final do ano em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presentes apenas 3 deputados - apesar de 39 terem assinado a lista de presença.
Um trecho do Editorial coloca a situação da seguinte forma:
"O resultado é um monstrengo jurídico. Entre outros absurdos, a pretexto de defender a família, o projeto prevê que "a união formada em desacordo aos impedimentos legais não exclui os deveres de assistência e a partilha de bens". Trocando em miúdos, ele impõe ao marido a obrigação de pagar pensão não apenas para a mulher com quem é legalmente casado, mas, igualmente, para a amante. Esta teria prerrogativas idênticas aos da esposa oficial - inclusive o direito à partilha de bens."
Infelizmente a sociedade precisa ter muito senso crítico para saber quando a informação passada está livre de vícios de opinião. isso nunca foi fácil. As crianças da nossa geração - assim como as de antigamente, - ainda na escola são educadas com dogmas escolhidos a dedo pelos autores dos livros didáticos. Toda história tem um pouco do que o seu contador quer que exista. É o que ensina o livro recém-lançado de Leandro Narloch, o "Guia politicamente incorreto da História do Brasil", que desmente vários lugares-comuns brasileiros, como as origens do samba e da feijoada. Estamos acostumados a realizar osmose de informações que parecem remotamente corretas, sem se preocupar com a fonte.
O artigo em questão preocupa justamente por disfarçar a revolta da pessoa que o escreve, tentando fazê-la ecoar naqueles que o lêem como um argumento técnico arrazoado. No entanto, como jurista em formação, entendo coerente o Projeto de Lei do código civil justamente porque ele está para o código civil como um mecanismo de atualização da letra da lei, como adaptação à nova teleologia brasileira, que é a proteção de cada indivíduo de acordo com a Constituição e seus preceitos fundamentais.
Nesse sentido, assim como os filhos fora do casamento agora têm os mesmo direitos, graças ao princípio constitucional da isonomia ( e à expressa determinação do § 6º do art. 227 constitucional ), as mulheres que tiveram relação extraconjugal carazterizada como uma vida em conjunto durante umt empo razoável (e não somente um "caso")com o homem casado (relação esta que não é mais crime desde 2006) são SERES HUMANOS com as mesmas garantias constitucionais de isonomia em relação aos direitos sobre o patrimônio da pessoa casada com quem se relacionou.
Estaria incoerente o código civil ao defender igualdade de direitos patrimoniais de filhos conjugais e extraconjugais mas não defender a igualdade de direitos daqueles em relações extraconjugais contínuas e com convivência rotineira comprovada.
O interesse e a proteção estatais às relações afetivas fora do casamento ou que não se encontram certamente sob o molde clássico do "papel passado" no cartório, são claramente perseguidos constitucionalmente. Tal fato se torna óbvio com o inovador acolhimento constitucional da UNIÃO ESTÁVEL, equivalente a ENTIDADE FAMILIAR para efeito de proteção pelo Estado, dada no art. 226 da CF. A Constituição tem em sua teleologia a proteção dos núcleos familiares, tenham sido eles formados pelo casamento na Igreja, no cartório, ou ainda de modo informal ("se juntar").
Na mesma linha coerente, o projeto de lei serviria também para o HOMEM em relação extraconjugal estável (com família formada e dedicação ao lar como se casada fosse com dois homens; com dois núcleos familiares). Ele também teria direitos em relação ao patrimônio da mulher casada com a qual mantivesse este tipo de relação contínua.
Esta é a única opção racional e separada de emoções naturais e fáceis de vir à tona - assim como de interesses patrimoniais -, que existe como comentário a este projeto de Lei. Veio ele para assentar os preceitos constitucionais da isonomia e da entidade familiar (incluindo aí a família por equiparação, que é a resultante da união estável), ao nosso recente código civil de 2002. No entanto, essa justiça aos preceitos da CF-88 vem de um projeto de lei muito antigo, e por isso ainda precisa de algumas reformas para se tornar condizente com a cultura brasileira atual.