O poder econômico e as garantias trabalhistas

27/05/2012. Enviado por

Artigo juridico do Dr. Hudson Sander que aborda o poder econômico e as garantias trabalhistas como sendo as duas maiores forças conflitantes que move a dinâmica do Direito do Trabalho

A  vida em sociedade seria significativamente outra se não fosse o homem ter usado o seu poder de escolha para definir qual seria a melhor maneira de se relacionar com o seu semelhante. E esta maneira escolhida foi dar corpo a um conjunto de ideias que consistiam em fixar regras de como adquirir bens e serviços sem violar o direito de propriedade dos demais, este conjunto de ideias ao qual se refere, a grosso modo, intitula-se economia.

Através das regras atinentes à economia é possível fazer transitar dentro da sociedade bens e serviços de forma civilizada, sempre ligando a um bem ou a um serviço um valor equivalente, que nos períodos mais pretéritos da história da sociedade este valor atribuído a um bem ou um serviço tinha o seu equivalente delimitado por um outro bem ou serviço.

Devido à dificuldade que se instaurou nas relações sociais em uma certa altura da história, onde estava cada vez mais difícil fazer circular bens e serviços dando em troca bens ou serviços (escambo), inventou-se uma forma simplificada de atribuir valor a um bem ou serviço, materializando este valor em algo conhecido como moeda.

Ou seja, agora não se dava mais um bem em troca de outro, e sim moedas que correspondiam ao valor do bem ou serviço ao qual se desejava adquirir.

Pode parecer um pouco distante esta abordagem preliminar das garantias trabalhistas confrontadas com o poder econômico que é o tema central deste artigo, mas a vertente abordagem histórica é fundamental para a compreensão de como que nasceram os dois maiores ícones conflitantes dentro do direito do trabalho, de vez que o que movimenta toda a seara do direito do trabalho são estas duas forças antagônicas, ou seja, o poder econômico e as garantias trabalhistas.

Retomando a abordagem histórica, a experimentação da sensação de acumular moedas mostrou ao homem que quanto mais moedas (= unidade monetária de uma dada sociedade) ele tinha em seu poder, mais coisas ele poderia conquistar dentro da sociedade, haja vista para o fato de que todas as coisas e pessoas poderiam ser simplificadas, ou melhor, poderiam ser reduzidas ao seu equivalente monetário.

E avançando na abordagem histórica, criou-se o costume de se acumular cada vez mais e mais moedas (que agora alcança o significado de riqueza), bem como o costume de se ensinar aos seus descendentes os meios de manter o poder econômico dentro do clã, isto é, dentro da família de forma a evitar com que outros grupos da sociedade tivessem acesso ou viesse a ter parte na riqueza já conquistada.

Quando a sociedade adquiriu o costume de vincular todas as coisas e atividades humanas a um valor monetário, começou a intensificar a prática da submissão de muitos em favor de alguns, de forma que estes alguns viessem a se desfazer de uma pequena parcela de suas moedas (riquezas) para que aquele que viesse a receber pudesse trocar por produtos que mais tarde seriam empregados na manutenção da própria sobrevivência.

Para contextualizar o leitor na história, estas práticas supramencionadas eram realizadas de forma esparsa nas sociedades da antiguidade. No entanto a intensidade destas práticas deu corpo ao sistema artesão que vigorou do feudalismo até o final da renascença.

O sistema artesão era baseado no seguinte, uma pessoa que detinha moedas precisava de uma mesa, verbi gratia, e na sociedade havia quem se propunha a fazê-las em troca de algumas moedas. E nesta época a distribuição de riquezas não possuía uma desigualdade significativamente acentuada como nos tempos modernos, pois havia um equilíbrio entre os que produziam, os que empenhavam seus esforços na produção e os que detinham o poder de inserir as moedas para a circulação delas na sociedade.

O grande mal da desigualdade econômica dos tempos atuais começou na transição do período do feudalismo para a chamada época do iluminismo, onde se situa o precedente histórico de atividade laboral mais próximo do que é conhecido atualmente.

A evolução da sociedade do sistema de feudos para o sistema nacionalista (que consiste em vários grupos se organizarem em forma de nação que mais tarde se desenvolveu para Estado soberano) trouxe também uma evolução dentro do sistema de troca de moedas por bens e serviços, de vez que neste período histórico de transição do sistema de feudos para o sistema nacionalista, começou a surgir a interação de vários grupos sociais entre si (como se fosse os municípios/cidades de hoje), e as necessidades de vários grupos era em dimensões consideráveis, e onde há necessidade há pessoas com moedas para trocarem por bens e serviços.

Neste exato instante histórico, uma pessoa teve a ideia mais revolucionária de todos os tempos, e sua ideia está consideravelmente arraigada na estrutura das sociedades modernas.

Esta ideia, a título de conhecimento foi a seguinte. O cidadão astuto, observando que havia, por exemplo, 08 (oito) artesãos que faziam cadeiras em sua localidade chegava em separado para cada um e apresentava a ideia de que se o artesão vendesse toda a sua produção para ele (o cidadão astuto) em troca de uma quantia mensal de moedas ele não precisaria se preocupar com a concorrência e tampouco com a falta de moedas, já que todos os artesãos trabalhariam juntos em um galpão, vendendo seus produtos para um único comprador (o cidadão astuto) a um preço mais baixo que de costume, mas com a certeza de mensalmente ter uma quantia certa para o seu sustento e de sua família.

O cidadão astuto do exemplo comprava a um preço baixíssimo e vendia a um preço muito interessante. Este contexto histórico que surgiu no final da renascença é o precursor da revolução industrial. Mas para ilustração das forças antagônicas que movimenta o direito do trabalho, que é o poder econômico e as garantias trabalhistas, já é possível vislumbrar não só o antecedente histórico bem como suas raízes e a evolução histórico social.

A ideia se apresentou significativamente atraente, que todos aqueles que tinham um contingente de muitas moedas resolveram fazer a mesma coisa, reunir os artesãos de vários produtos de necessidade da sociedade para produzirem em um único espaço seus produtos, comprando-os a um preço baixíssimo em troca de um pagamento mensal pela produção e revendendo o produto com um preço por demais interessante.

Pois bem, esta forma de fazer circular a bens e serviços de forma organizada e estratégica, usando o medo da escassez do artesão e comprando sua força de produção fez com que fosse fomentado em muitos aglomerados de pessoas, que atualmente é conhecido como cidades, o anseio por consumir cada vez mais e mais bens, produtos que fazia com que a demanda por serviços crescesse em níveis nunca antes vistos em toda a história da humanidade.

A real chance de acumular cada vez mais moedas (riquezas) sem despender energia impulsionou o anseio de produzir cada vez mais para ganhar cada vez mais. Isto fez com que surgissem algumas inovações tecnológicas que possibilitasse a produção em massa, fazendo com que máquinas produzissem em um ritmo que os artesãos humanamente não conseguiriam produzir.

Tal inovação no sistema de aquisição de cada vez mais moedas fez com que o fator humano tivesse o seu equivalente monetário reduzido, ou seja, agora em um estágio da vida social (século XIX para o século XX) onde é aceitar qualquer oferta ou perecer de fome e privado de bens e serviços que possuem seu equivalente monetário fora do alcance de muitos, o desrespeito à condição humana em troca da consecução de cada vez mais riquezas alcançou níveis preocupantes.

A forma de escravidão remunerada na qual se encontrava a sociedade do final do século XIX e inicio do século XX, atingiu níveis vergonhosos. Mas o contrapeso à amplificação destas práticas foi a experimentação política da Revolução Francesa (1789), seu amadurecimento dentro dos ideais liberais que se expandiu durante todo o século XIX que culminou com o regime fascista do inicio do século XX.

O que não é comumente comentado é que as revoluções políticas do final do século XVIII apenas inverteram os papéis de qual grupo passaria a dominar a sociedade, saindo do domínio de uma única família (sistema de monarquia) para o domínio de alguns grupos detentores do poder econômico que atualmente se resume em um domínio de treze famílias (sistema de expansão do poder econômico).

No entanto, o inicio do século XX foi marcado pelo descontentamento de alguns grupos sociais com a forma com que os detentores do poder econômico infligia sua ditadura econômica, e o evento do pós primeira guerra mundial, fez nascer o anseio por uma redução na desigualdade construída pela evolução do sistema do poder econômico, conferindo assim algumas garantias àqueles que se propunham a oferecer a sua força de trabalho em troca do equivalente monetário.

O movimento fascista que visava ir contra os ideais das classes dominantes ganhou tamanha aceitação que se desdobrou em três vertentes, a saber: o fascismo italiano, o nacional socialismo alemão e o comunismo soviético. Sendo que em todos estes movimentos a finalidade era estreitar as diferenças sociais e principalmente econômicas entre as classes dominante e dominada.

Neste período histórico foi que surgiram as principais garantias trabalhistas. Com o pós-segunda guerra mundial houve um fortalecimento das comunidades e organismos internacionais para evitar abusos quanto ao exercício do poder soberano, tal qual o ocorrido na Alemanha, cujo inicio foi a ascensão do Partido Nacional Socialista em 1932  ao poder.

Neste diapasão de fortalecimento das organizações internacionais, encontra-se a influencia da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que ditou algumas diretrizes adotadas posteriormente pelos estados soberanos quanto à fixação, bem como implantação de normas relativas às relações de trabalho.

Após estudos, chegou-se à conclusão de que o ser humano deve ter as suas horas diárias dividas da seguinte forma: 08 (oito) horas destinada ao sono, 08 (oito) horas destinadas à vida social e 08 (oito) horas destinadas ao trabalho.

Nesta ultima analise, houve a conclusão de que a partir da 8ª (oitava) hora de trabalho o individuo começa a experimentar uma forte queda no seu nível de produção, podendo não só fazer com que o empregador venha a ter uma margem de lucro mais reduzida, bem como dependendo da atividade realizada o trabalhador exausto após sua jornada de trabalho, ele pode trazer sérios prejuízos à coletividade.

Legalmente é legítimo o trabalhador trabalhar até 02 (duas) horas extraordinárias após sua jornada de trabalho ordinária, acima disso o empregador é punido, pois a insistência em manter o trabalhador em serviço para acima de 10 (dez) horas pode limitar e muito a vida laboral útil do mesmo.

Os estudos da saúde do individuo enquanto trabalhador e suas implicações no quanto que isto afeta a sociedade e o sistema de governo que o gerencia, fez com que muitas normas trabalhistas surgissem para se evitar um grande contingente de pessoas enfermas e inabilitadas a produzir para a sociedade.

Dentre estas garantias trabalhistas que, em suma, tem por finalidade preservara vida útil do trabalhador, encontra-se a obrigatoriedade de um intervalo de no mínimo 11 (onze) horas entre o final de uma jornada de trabalho e o inicio de outra, e a supressão de cada hora desta é indenizada em favor do trabalhador como se indeniza uma hora extraordinária trabalhada.

Outra garantia trabalhista que também está ligada à manutenção da saúde, bem como da vida útil do trabalhador é a garantia de férias, que é o descanso contínuo do trabalhador por um determinado numero de dias. O entendimento principal desta garantia é que a continuidade da saúde física e psíquica do trabalhador depende de intervalos segmentados para que possibilite uma maior recreação do individuo de forma que ele consiga retornar as suas atividades laborais podendo produzir em um ritmo satisfatório.

No entanto as normas que o Estado fixa para evitar gastos cada vez maiores da previdência para com os trabalhadores que por algum motivo encontram-se inabilitados para as atividades laborais não agradam ao setor que se beneficia do poder econômico, de vez que o respeito estrito aos direitos dos trabalhadores significa redução na exorbitante margem de lucro obtida com a costumeiramente conhecida “escravidão remunerada”, e este desagrado vem a impulsionar toda a dinâmica conhecida atinente ao direito do trabalho.

Há seguimentos dentro do Direito do Trabalho que tem a orientação de primar pela expansão do poder econômico em detrimento das garantias trabalhistas, ignorando direitos fundamentais do trabalhador de forma com que a fonte empregadora não tenha prejuízos em arcar com a violação à lei e possa continuar cada vez mais contribuindo com a sociedade fazendo circular a economia à custa da exaustão da classe trabalhadora.

No entanto há a corrente que prima pela observância aos tratados internacionais e normas de defesa do trabalhador, fazendo valer a finalidade precípua do estado democrático de direito que é zelar pelos seus cidadãos.

Com este conflito entre as forças antagônicas da sociedade que é o poder econômico e as garantias trabalhistas, a humanidade vai evoluindo na direção em que estiver concentrado o maior contingente de pessoas com ideias ligadas a uma das supra transcritas forças antagônicas. Se a primazia de ações humanas for de favorecimento e fortalecimento do poder econômico, em breve estar-se-á em um novo modelo de organização social, onde a mitigação das garantias trabalhistas e sociais serão as características mais contundentes da nova ordem mundial.

Se a primazia de ações humanas for de favorecimento e fortalecimento das garantias trabalhistas, em breve estar-se-á em um novo modelo de organização social, acentuado por um crescente número de pessoas em vertiginosa expansão social e econômica com uma sensível redução do quadro social financeiro com uma distribuição de riquezas que viabilize um avanço conjunto de vários segmentos da sociedade que tornará a evolução da vida em sociedade um fato.

Assuntos: Benefícios trabalhistas, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direitos trabalhistas, Patronal, Trabalho

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