O dano moral e sua quantificação

14/08/2012. Enviado por

A fixação da indenização em virtude de danos morais, trata-se de matéria das mais controvertidas e tormentosas entre os operadores e estudiosos do Direito, despertando, ainda hoje, acaloradas discussões

I - INTRODUÇÃO

Desde que o Ser Humano passou a viver em sociedade e as normas passaram a ser codificadas, ainda em épocas bem remotas, constatamos a existência do instituto do Dano, ou seja, a lesão a um Direito.

Já nestes tempos, nos primórdios das primeiras civilizações, conseguimos vislumbrar os pilares do que se tornaria, nos dias atuais, a reparação por danos causados a outrem, ainda que de forma bastante selvagem e rudimentar.

O Código de Hamurabi, por exemplo, já previa a pena para o homem que arrancasse o olho de outro homem: que se arrancasse o olho do agressor.

O “olho por olho, dente por dente” pregado pelo monarca babilônico, nada mais é do que a origem do atual instituto da reparação de danos, outrora ressarcidos com o próprio corpo e hoje indenizados pecuniariamente.

Verifica-se, portanto, que com o passar dos tempos a reparação pelos danos progrediu de um vingança, da auto-tutela, para uma compensação econômica pelo ilícito cometido.

Na atualidade, grande é a importância do instituto da responsabilidade civil, mormente no que toca à quantificação dos danos em suas duas principais modalidades: reparação por danos materiais e reparação por danos morais.

No que toca à reparação por danos materiais, não existem maiores questionamentos, uma vez que a sua quantificação se dá através da avaliação dos bens lesionados, ou seja os prejuízos materiais advindos do ilícito.

Já com relação à fixação da indenização em virtude de danos morais, trata-se de matéria das mais controvertidas e tormentosas entre os operadores e estudiosos do Direito, despertando, ainda hoje, acaloradas discussões.

II - CONCEITO DE DANO MORAL

O dano moral, diferentemente do dano material, não resulta de uma perda pecuniária.

São variados os aspectos do dano moral. Ele se referem àqueles relativos à esfera da subjetividade, como dor, desgosto, tristeza pesar, sofrimento, angústia, amargura, depressão. Abrangem também sofrimentos físicos que não geram reflexos patrimoniais, como a perda de um membro ou sentido. Atingem, portanto, o que se encontra fora da esfera material ou patrimonial do indivíduo.

Para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral "é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.), dano moral que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.), e dano moral puro (dor, tristeza, etc)".

Conclui ele, “dano moral, portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja dor física – dor-sensação, como a denomina Carpenter – nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor-sentimento, de causa imaterial”.

No entanto, importante destacar que distanciam-se da figura do dano moral os meros desconfortos, dissabores, aborrecimentos do cotidiano que, apesar de desagradáveis, não chegam a acarretar verdadeiro sofrimento moral.

Desta forma, em síntese, o dano moral é o detrimento da personalidade de alguém causado pelo ato ilícito de outrem.

III - O DANO MORAL NO BRASIL

Dispunha o Código Civil de 1916 em seu artigo 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

Conforme se infere do citado dispositivo do codex revogado em 2003, a legislação civil pátria não vedava expressamente a reparação por danos morais, mas também, por outro lado, não a regulamentava claramente.

Ocorre que, anteriormente ao advento da Constituição Federal de 1988, os danos morais não encontravam-se expressamente regulamentados em outro dispositivo legal de aplicação geral, sendo tratado em algumas poucas normais especiais[1], o que fazia com que houvesse certa resistência da doutrina e jurisprudência em aceitar que a dor e sofrimento morais pudessem ser reparados através de uma indenização pecuniária, mormente por faltar-lhe embasamento legal.

Tendo sido a Moral elevada à posição de direito fundamental, conforme dispõem os incisos V e X da Constituição Federal de 1988, bem como, posteriormente, haver sido protegida em diversos outros microssistemas legais, que a resguardaram profundamente, tornou-se pacífico o entendimento de que a dor moral pode, e deve, ser indenizada, a fim de amenizar o sofrimento do ofendido e coibir a prática do ilícito por parte do ofensor.

Este é o entendimento hodierno do colendo Superior Tribunal de Justiça, que, inclusive, já formulou 04 (quatro) súmulas acerca da matéria, senão vejamos

“São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”[2]

 

“A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”[3]

 

“A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.” [4]

 

“Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”[5]

 

IV – A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL

Pacificado o entendimento de que o dano moral é passível de indenização, tal lesão tornou-se causa de pedir das mais freqüentes nos foros e tribunais brasileiros.

Com o infindável número de ações propostas em virtude de supostos danos à moral, discussão das mais importantes e tormentosas passou a ser o da sua quantificação, ou seja, a fixação do quantum indenizatório.

Tendo em vista o caráter altamente subjetivo do dano moral e a impossibilidade de se mensurar o valor da honra, a tarefa de se fixar um quantum a título de indenização se mostra das mais complexas.

No início, face a novidade da matéria, os juízes, ao seu livre arbítrio, para a fixação de um quantum indenizatório, mensuravam o dano e lhe atribuíam um valor. Tal discricionariedade sem qualquer fundamentação gerou situações absurdas, como sentença do Poder Judiciário do Estado do Maranhão que fixou indenização por danos morais em R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinqüenta milhões de reais) pela devolução de um cheque de R$ 280,00 (duzentos e oitenta reais).

As decisões proferidas com base neste método discricionário, que possui forte influência da common law norte-americana, têm sido reiteradamente reformadas pelos tribunais pátrios, no claro intuito de se evitar a criação de uma verdadeira “indústria do dano moral”, a exemplo do que já acontece em países que adotam aquele sistema jurídico

A jurisprudência tem se firmado no sentido de que a indenização deve possuir um caráter dúplice: satisfativo e punitivo. Assim, o valor arbitrado deve ser suficiente para atenuar a dor suportada pelo ofendido e, ao mesmo tempo, castigar o ofensor, causador do dano, desestimulando a reiteração de sua prática lesiva. Além disto, não deve ser um valor elevado ao ponto de levar ao enriquecimento do ofendido, nem acanhado a ponto do ofensor não se sentir punido.

Neste sentido, posicionou-se o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial n.º 604.801/RS:

“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO.

1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir.

2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela valoração jurídica da prova.

3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais.

4. Recurso especial parcialmente  provido.”[6]

Este, aliás, o ensinamento do mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, para quem:

“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.”[7]

Tendo em vista a solidificação deste entendimento nos últimos anos, existem diversas iniciativas no Congresso Nacional no sentido de se criar critérios objetivos para a definição do dano moral e fixação do quantum indenizatório.

Uma delas, o Projeto de Lei 1.443/03, atualmente aguardando parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, prevê valores mínimos e máximos para a indenização, que deverá ser arbitrada com base nos rendimentos do ofensor e do ofendido.

Seu autor, o Deputado Pastor Reinaldo, justifica a sua iniciativa com argumentos defendidos por diversos operadores do Direito, mormente na área do Direito Empresarial, litteris:”com a proposição que levamos à consideração dos demais parlamentares, buscamos fornecer parâmetros para a fixação do dano moral, uma vez que proliferam os pedidos indenizatórios em nossos Tribunais claramente abusivos, onde fica patente a desproporção entre o dano e o montante que se quer obter a seu pretexto. São pedidos formulados sem a mínima razoabilidade e que nos fazem crer, infelizmente, na existência de uma indústria – no pior sentido da palavra -, indenizatória. Com isso, a máquina judiciária é mobilizada – juízes, advogados, promotores, testemunhas, diversificados meios de prova – com custos altíssimos para as partes e também para o Poder Público, quando é evidente a simulação com vistas a obter um valor acima do que seria razoável. Portanto, queremos, sobretudo, oferecer parâmetros objetivos que permitam estabelecer uma indenização justa”.

Outros, como o projeto de Lei n.º 7.142/02, também aguardando parecer Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, são ainda mais radicais, visando tabelar o dano moral, conforme se infere de seu artigo 7o, in verbis:

“Art. 7º Ao apreciar o pedido, o juiz considerará o teor do bem jurídico tutelado, os reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a possibilidade de superação física ou psicológica, assim como a extensão e duração dos efeitos da ofensa.

§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juiz fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes níveis:

I – ofensa de natureza leve: até R$ 20.000,00 (vinte mil reais);

II – ofensa de natureza média: de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 90.000,00 (noventa mil reais);

III – ofensa de natureza grave: de R$ 90.000,00 (noventa   mil  reais)  a R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais).

§ 2º Na fixação do valor da indenização, o juiz levará em conta, ainda, a situação social, política e econômica das pessoas envolvidas, as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, a intensidade do sofrimento ou humilhação, o grau de dolo ou culpa, a existência de retratação espontânea, o esforço efetivo para minimizar a ofensa ou lesão e o perdão, tácito ou expresso.

§ 3º A capacidade financeira do causador do dano, por si só, não autoriza a fixação da indenização em valor que propicie o enriquecimento sem causa, ou desproporcional, da vítima ou de terceiro interessado.

§ 4º Na reincidência, ou diante da indiferença do ofensor, o juiz poderá elevar ao triplo o valor da indenização.”[8]

No entanto, também não nos parece ser adequado o “tabelamento” do dano moral, desconsiderando-se a especificidade que somente pode ser observada caso à caso, uma vez que a dor é um sentimento personalíssimo, variando de pessoa para pessoa.

Assim, parece-nos mais adequada a corrente que, apesar de concordar que a reparação do dano moral não pode tornar-se uma causa de enriquecimento ilícito do ofendido, entende que o quantum indenizatório deve ser arbitrado pelo prudente arbítrio do magistrado, respeitando os princípios da eqüidade e razoabilidade.

Devem ser levados em conta para a mensuração do dano, também,  diversos elementos, tais como o grau de reprovação da conduta lesiva, a existência de culpa ou dolo, a intensidade e durabilidade do dano sofrido pela vítima, a capacidade econômico-financeira do ofensor e do ofendido, as condições psicológicas dos envolvidos, entre outros.

V - CONCLUSÃO

Não se trata, portanto, de ser contrário à indenização ao dano moral, mas sim buscar meios de coibir a nítida proliferação de ações infundadas, que acabam por banalizar o instituto que, nivelado por baixo, acaba por ser injusto com aqueles que realmente necessitam ter amenizada sua dor.

Portanto, conclui-se que inexistindo ainda parâmetros objetivos para o cálculo do quantum indenizatório, mostra-se delicada a tarefa dos magistrados, que devem buscar a justa reparação dos danos morais, sem, no entanto, fomentar a criação de uma “indústria” e estimular uma corrida por dinheiro fácil nos corredores do Judiciário.

Assim, deve ser prestigiado o instituto da reparação por danos morais, que, quando bem aplicado, sem exageros e distorções, serve de importante meio de pacificação social, na medida em que torna os cidadãos mais conscientes dos seus direitos e obrigações, fortalecendo o Direito e tornando mais palpável o sentido de Justiça.



[1] Existiam poucas leis que tratavam, em casos específicos, da reparação por dano moral: Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n.º 4.117/62), Lei de Imprensa (Lei n.º 5.250/67) e Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 5.988/73).

[2] STJ - Súmula 37, CORTE ESPECIAL, julgado em 12.03.1992, DJ 17.03.1992 p. 3172, REPDJ 19.03.1992 p. 3201

[3] STJ - Súmula 227, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08.09.1999, DJ 20.10.1999 p. 49

[4] STJ - Súmula 281, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28.04.2004, DJ 13.05.2004 p. 200

[5] STJ - Súmula 326, CORTE ESPECIAL, julgado em 22.05.2006, DJ 07.06.2006 p. 240

[6] STJ - REsp 604801/RS, Rel. MIN. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23.03.2004, DJ 07.03.2005 p. 214

[7] Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro, 1989, n.º 49, pág. 67.

Assuntos: Consumidor, Dano moral, Direito Civil, Direito do consumidor, Direito processual civil, Responsabilidade Civil

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