Locação de partes comuns no condomínio edilício: Quem terá responsabilidade na obrigação tributária?

19/03/2012. Enviado por

Saiba mais sobre as responsabilidades tributárias para os condôminos e para aqueles que alugam partes comuns no condomínio

A responsabilidade tributária é um tema extremamente complexo, e, ainda mais, em relação ao questionamento em epígrafe, que trata sobre um ente, cuja existência de personalidade jurídica é tão discutida na doutrina e na jurisprudência.

De início, é imperioso entendermos a natureza jurídica dos condomínios edilícios. O termo condomínio, conceitualmente, trata sobre o exercício de direito sobre determinada coisa, ao mesmo tempo, por mais de um indivíduo.[1]

Desta forma, tratando-se do direito de propriedade, nas palavras de Caio Mario da Silva Pereira, “temos condomínio quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes” [2].

Especificamente, o condomínio edilício trata-se de uma forma especial de condomínio, no qual há partes que pertencem a todos os condôminos e partes de propriedade exclusiva. Tal modalidade de condomínio recebeu uma atenção especial no Código Civil, sendo prevista nos arts. 1.331 a 1.358, a sua forma de constituição, administração e extinção.

Assim, torna-se evidente que o condomínio edilício possui “vida própria”, realiza negócios jurídicos de seu interesse, sob a direção do síndico, que é eleito em assembleia.

Portanto, não há que se confundir o condomínio com os condôminos que o compõe, possuindo inclusive legitimidade processual própria, conforme disposto no art. 12, inciso IX do Código de Processo Civil[3].

E mais, em que pese o condomínio ainda não possuir natureza jurídica de pessoa jurídica propriamente dita[4], o mesmo comporta-se como tal no mundo dos negócios, inclusive recebendo da Secretaria da Receita Federal número de inscrição no CNPJ.[5]


[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – 4 Direito das Coisas. 24ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2009. p. 207.

[2] SILVA PEREIRA, Caio Mario da. Condomínio e Incorporações. n.76

[3] Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (...) IX – o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico.

Assim, após os argumentos expostos, bem como diante a leitura do brilhante artigo do professor Kiyoshi Harada – Condôminos respondem por obrigação tributária do condomínio?[6] – a resposta ao meu questionamento inicial surgiu de maneira clara e transparente, o “condomínio”, por óbvio.

Todavia, a Secretaria da Receita Federal não coaduna do mesmo posicionamento, e editou um Ato Declaratório Interpretativo – ADI – de nº 2, de 27 de março de 2007, que responsabiliza os condôminos pelas obrigações tributárias decorrente da locação de partes comum, abaixo transcrito:

“Artigo único. Na hipótese de locação de partes comuns de condomínio edilício, será observado o seguinte:

I - os rendimentos decorrentes serão considerados auferidos pelos condôminos, na proporção da parcela que for atribuída a cada um, ainda que tais rendimentos sejam utilizados na composição do fundo de receitas do condomínio, na redução da contribuição condominial ou para qualquer outro fim;

II - o condômino estará sujeito ao cumprimento de todas as exigências tributárias cabíveis, relativamente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), especialmente no que tange às normas contidas na legislação do imposto sobre a renda referentes à tributação de rendimentos auferidos com a locação de imóveis.”  (destaques acrescidos)

Ocorre que, além de ignorar por completo a legislação, doutrina e jurisprudência civil, o ADI responsabiliza tributariamente o condômino por ato de pessoa diversa, qual seja, o condomínio, pois é este que realiza a locação.

 


 

[4] Está em trâmite um Projeto de Lei da Câmara dos Deputados de nº 4.816 de 2009, que, se aprovado, criará a possibilidade de se transformar um condomínio em pessoa jurídica.

[5] Neste sentido, também temos o posicionamento exposto na III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, pelo qual deve ser reconhecida a personalidade jurídica ao condomínio edilício – Enunciado 246.

[6]  http://tributario.net/condominos-respondem-por-obrigacao-tributaria-do-condominio/ - acesso em 27/01/2012

E a responsabilização de terceiro pela obrigação tributária está expressamente prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional[7], ou seja, a responsabilização só é possível quando o crédito tributário resulte necessariamente de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei ou convenção de condomínio.

Neste sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça já rechaçou a possibilidade de responsabilização do condomínio por falta de pagamento de IPTU por parte dos condôminos[8].

Sendo assim, a recíproca é verdadeira, ou seja, é totalmente ilegal a responsabilização dos condôminos por obrigação tributária do condomínio, com exceção das hipóteses do art. 135.

Outrossim, não há que se falar que o condômino é sujeito passivo da obrigação, por ser o contribuinte ou o responsável, conforme previsto nos incisos I e II do Parágrafo Único do art. 121 do Código Tributário Nacional[9].

Pois, claramente o contribuinte é condomínio que possui relação pessoal e direta com o fato gerador, e, por fim, o condômino não é o responsável por não existir disposição expressa em lei que assim o defina.

Neste diapasão, temos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido que o condomínio é o sujeito passivo da obrigação tributária, inclusive equiparando-o à pessoa jurídica[10].

 


[7] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

[8]  REsp 892543 RS 2006/0222990-4, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 16/09/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/10/2008

[9] Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

[10]  REsp 411832 RS 2002/0016098-2, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 18/10/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 19/12/2005 p. 211RDDT vol. 126 p. 135,

Assim, resta claro que o ADI invadiu o campo de matéria a ser tratada por lei, sendo ilegal essa responsabilização dos condôminos pelas obrigações tributárias decorrentes de locação de partes comuns do condomínio, podendo, ainda, ser sustado pelo Congresso Nacional.[11]

Diante os argumentos narrados, conclui-se que a responsabilidade tributária pelas locações das partes comuns do condomínio é do próprio condomínio, devendo as autuações ou cobranças feitas aos condôminos, em decorrência do ADI, serem combatidas judicialmente.

 


[11] Nesse sentido, temos também o entendimento do professor Kiyoshi Harada, em seu artigo citado anteriormente.

 

 

Assuntos: Condomínio, Direito imobiliário, Direito processual civil, Direito Tributário, Moradia

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