Insider Trading: o esforço da comissão de valores mobiliários em combater e punir

25/09/2015. Enviado por

O presente artigo visa analisar a efetividade das ações da Comissão de Valores Mobiliários na prevenção e punição do insider trading, também conhecido como uso de informação privilegiada, combatido no Brasil desde 1976.
1. CONCEITO

 Insider Trading pode ser definido como uma negociação em que detentores de informações confidenciais ou não públicas, as utilizam na compra ou venda de valores mobiliários para obter lucro ou evitar perdas.

Desse modo, o insider trading, também conhecido como uso de informação privilegiada, ocorre quando alguém toma decisão de investimento com base em informações relevantes que ainda não é conhecido do público em geral, visando obter lucro ou evitar prejuízo.

Para CARVALHOSA[1] o insider trading constitui o efetivo aproveitamento, pelos administradores e principais acionistas, de informações confidenciais ou reservadas sobre o estado e os negócios da companhia, para negociação de títulos e valores mobiliários de emissão da sociedade, em prejuízo de investidores e acionistas que não têm o acesso simultâneo as mesmas informações.

Para EIZIRIK[2]o insider tranding é, simplificadamente, a utilização de informações relevantes sobre uma companhia, por parte das pessoas que, por força do exercício profissional, estão “por dentro” de seus negócios, para transacionar com suas ações antes que tais informações sejam de conhecimento público. Assim o “insider” compra ou vende no mercado a preços que ainda nao estão refletindo o impacto de determinadas informações  sobre a companhia, que são de seu conhecimento exclusivo.

Portanto, insider trading, consiste em uma conduta onde o insider, em razão do exercício profisional, aproveita-se de informações relevantes ao mercado, que ainda não foram publicamente reveladas, para transacionar ações de uma companhia.  

Como entendido pelos doutrinadores, informações relevantes, são aquelas que influenciam a cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia e, consequentemente, a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores.        

O crime de uso indevido de informação privilegiada está tipificado no artigo 27-D da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976,  onde estão previstas as puniões administrativas e penais aos que praticarem o insider trading .[3]

1.1 O BEM JURÍDICO TUTELADO 

No que tange ao bem jurídico tutelado nos crimes contra o mercado de capitais, ainda há divergência entre os doutrinadores, isso porque deve ser analisado o contexto e os diversos tipos de proteção.

Como há várias correntes, a fim de não estender o presente trabalho, já que o objeto do estudo não é o bem jurídico tutelado, tecerei apenas algumas considerações apontando os principais entendimentos.

Para a corrente majoritariamente aceita no sistema norte-americano, o bem jurídico tutelado é o próprio patrimônio dos investidores, tendo em vista que o uso de informações privilegiadas pode afetá-los diretamente.

No entendimento de João Carlos Castellar[4], o bem jurídico tutelado no crime de uso indevido de informação privilegiada é a confiança imperativa no mercado de valores mobiliários, pois este é o bem que estimula os investidores a aplicarem seus recursos neste mercado.

No mesmo sentido, há o entendimento de que o bem jurídico tutelado é o bom funcionamento do mercado de capitais, na sua missão de financiador dos agentes econômicos, bem como a confiança dos investidores no mercado de valores.

Nessa linha, verifica-se que o bem jurídico tutelado é a confiabilidade do investidor no mercado de capitais.

Ainda que não haja consenso, no Brasil tende-se a considerar como bem jurídico tutelado a indispensável confiança no mercado de valores mobiliários, porquanto isto é o que estimula os investidores a aplicarem seus recursos no mercado. 

2.   A CVM NO COMBATE AO INSIDER TRADING 

Nos últimos anos a CVM tem buscado intensamente previnir e punir o crime do insider trading, assim serão analisadas as ações preventivas e punitivas que a autarquia vem adotando no combate ao uso de informação privilegiada no mercado de capitais.

2.1 AÇÕES PREVENTIVAS

Não restam dúvidas que no combate ao insider trading a prevenção é fundamental.

Diante disso, para combater o insider trading a CVM está focando em alguns pontos como: proibir o uso de informação privilegiada, enfatizando o dever de informar fatos relevantes da companhia para que todos os investidores tomem conhecimento ao mesmo tempo; vedando a prática de determinadas operações no mercado e; obrigando os gestores da companhia a apresentar periodicamente  relatórios.

Ainda que essas medidas objetivam a prevenção do crimes de uso de informação privilegiada, por si só não geram efeitos. Assim, a CVM foi obrigada a agir para que essas imposições fossem cumpridas.

Nesse sentido, a CVM melhorou seu sistema, tendo acesso às transações que ocorrem no mercado e, ainda, criou uma força tarefa que consistiu na contratação de funcionários treinados e qualificados para aumentar a eficiência na fiscalização de suas atividades, especialmente monitorar o uso de informações privilegiadas.

Há ainda a SMI (Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários) que possuem as seguintes atribuições, conforme extraído do site da CVM[5]:

  • coordenar, supervisionar e fiscalizar as entidades integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários, assegurando a observância de práticas comerciais equitativas e o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa, de balcão, de balcão organizado e de mercados derivativos;
  • coordenar, supervisionar e fiscalizar os credenciamentos dos integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários e das entidades que atuam no mercado de valores mobiliários, bem como o dos prestadores de serviços, tais como, custódia e liquidação, escrituração e emissão de certificados de títulos e valores mobiliários;
  •  propor e fiscalizar a observância de normas relacionadas ao funcionamento do sistema de distribuição de valores mobiliários e ao funcionamento dos mercados derivativos; e
  • fiscalizar os serviços e atividades das entidades que atuam no mercado de valores mobiliários e no mercado de derivativos, inclusive quanto à veiculação de informações.

Portanto a SMI acompanha todas as operações realizadas no mercado, incluindo a tarefa de identificação de veiculação de informações.

A SMI apura, ainda, todas as denúncias que a CVM recebe, dos investidores ou de outros participantes do mercado financeiro, com indícios ou evidências de uso de informação privilegiada.

Ademais, outras áreas técnicas, como a Superintendência de Relações com Empresas – SEP, atuam individualmente ou em conjunto com a CVM para combater os crimes contra o mercado de capitais, em especial o insider trading.

Além do mais, em 2008 a CVM realizou um Termo de Cooperação junto Ministério Público Federal, para a prevenção e combate do crime do uso de informação privilegiada.

Em 2010 a CVM formalizou um Acordo de Cooperação Técnica com a Polícia Federal que facilitou na troca de informações e de técnicas de investigação, agilizando assim as averiguações conduzidas pela CVM.

Nos Estados Unidos existem softwares avançados capazes de investigarem e detectarem a prática de insider trading. Esses softwares, através da combinação de algoritmos e cruzamento de dados de aquisição de determinados valores mobiliários, conseguem apurar indícios da prática do uso de informação privilegiada.

A SEC (Securities Exchange Comission), órgão responsável pela regulação do mercado de capitais no mercado americano, utiliza-se do software da CMA, conhecido como CMA Risk Management, para apurar essas práticas.

No Brasil, a Bovespa utiliza alguns softwares básicos para esse fim. A CVM utiliza-se do software desenvolvido pela empresa SIA (Sistema de Informações Automatizadas), porém há defasagem na coleta de informações, uma vez que as cotações não são verificadas em tempo real, o que levou a CVM a adotar outras formas na tentativa de previnir e combater o insider trading.

Apesar de ainda não comparar-se à eficiência do sistema norte americano, as últimas medidas adotadas pela CVM, quais sejam: o uso de instrumentos modernos, as parcerias com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, bem como com a “força tarefa”, a CVM conseguiu melhorar a eficiência na apuração do uso de informações privilegidas e consequentemente nas punições, conforme será demonstrado no item seguinte.

Apenas como demonstrativo de como está funcionando as parcerias firmadas entre CVM e Ministério Público, entre outras ações, todas as comunicações de indícios de uso de informação privilegiada são remetidas ao Ministério Público Federal, que, se entender necessário, requisitam a instauração de inquérito policial.

Portanto todos os índicios do crime de insider trading são apurados pela CVM e pelo Ministério Público, o que diminui falhas, por exemplo, e consequentemente impunições.

2.2 AÇÕES PUNITIVAS

Embora o número de penalizações por meio de multas e outros processos administrativos sejam baixo quando comparados ao tamanho do mercado, a CVM não tem medido esforços para punir a prática do uso de informação privilegiada.

Atualmente verifica-se que a CVM nos últimos anos está buscando acelerar o julgamento dos seus processos, bem como aumentar, ainda que gradativamente, as punições, obviamente visando coibir a prática.

De acordo com uma pesquisa coordenada pela professora Viviane Muller Prado em conjunto com o pesquisador Renato Vilela, houveram avanços nos julgamentos dos casos de insider trading, entre 2002 e 2013, a CVM julgou 34 processos administrativos sancionadores envolvendo o assunto, uma média de 3 casos ao ano[6].

Conforme analisou a pesquisadora, houveram mudanças significativas e atualmente a CVM trabalha com os indício e não somente com as provas, assim busca apurar se houve o ilícito, “O julgamento analisa a combinação de indícios”, [7]diz Viviane.

O que se verifica é que antes da parceria da CVM com o Ministério Público Federal as punições ao crime de insider trading restringiam-se às multas e advertências aplicadas pela autarquia e, após o acordo com o MPF houve, inclusive, a instauração de processo criminal.

Apesar das punições ainda serem falhas, com o número de absolvição muito alto, nota-se que a CVM tem buscado meios de punir os insiders, sendo que as penas aplicáveis variam de multas até impedimento de exercer cargos administrativos.


[1] CARVALHOSA, Modesto. v.3.p. 249.

[2] EIZIRIK, Nelson. Insider Trading e Responsabilidade do Administraador de companhia Aberta. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, nº 50. 1.983, p. 42-56.

[3] "Artigo 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

[4] CASTELLAR, João Carlos. Insider Trading e os novos crimes corporativos. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008.

[5] http://www.cvm.gov.br/menu/acesso_informacao/institucional/sobre/smi.html

[6] http://direitosp.fgv.br/node/82061

[7] idem

Assuntos: Compra de imóvel, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Financeiro, Direito imobiliário, Direito processual, Questões imobiliárias

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