Comentários ao inventário extrajudicial

25/03/2015. Enviado por em Família

À luz da Lei 11.441/07, Código de Normas da CGJES e Resolução 35, do Conselho Nacional de Justiça

O direito civil, considerado o principal ramo do direito privado brasileiro, é um conjunto de normas, regras e princípios que visa regulamentar as relações entre particulares. Sua assustadora abrangência engloba a vida e os atos dos cidadãos, desde o nascimento até a morte e post mortem, com o direito sucessório.

O Direito das Sucessões está regulamentado no Livro V, do atual Código Civil (CC), compreendido entre os artigos 1.784 e 2.027, e merece especial atenção pela sua complexidade, minuciosidade e volume de regras que o integra.

Com a morte da pessoa natural abre-se a sucessão e a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784, do CC). O teor do referido artigo, nada mais é do que a positivação do Princípio da Saisine, segundo o qual, em outras palavras, a herança é transmitida no exato momento da morte do indivíduo.

E é neste momento que entra em cena o direito das sucessões.

O conjunto de direitos patrimoniais e obrigações do de cujus, denominado espólio, é considerado, por força de lei, um todo indivisível (art. 1.791 e seu Parágrafo único[1], do CC) e imóvel (art. 80, II do CC), do qual todos os herdeiros são condôminos. Este estado de indivisão perdura até o momento da partilha, quando cada sucessor passa a ter autonomia para administrar o patrimônio que lhe cabe.

Para a concretização da partilha, faz-se necessário a abertura de um inventário. Inventário é uma palavra de origem latina, inventarium, e era um termo usado pelos romanos para designar um grande documento ou lista, no qual se encontravam registrados todos os produtos de um armazém.

Tecnicamente “o inventário nada mais é do que a exata relação, descrição e avaliação de todos os bens que o falecido possuía ao tempo de sua morte, para que cada herdeiro receba, com a partilha, o quinhão que lhe cabe[2]”.

Não só os interesses particulares são administrados em um inventário. O Estado é um dos maiores interessados, tanto é que a ação de inventário constitui exceção ao princípio da Inércia do Judiciário (artigo 2º do Código de Processo Civil - CPC), sendo um dever imposto ao juiz sua abertura ex oficio, caso não seja intentada a ação no prazo legal (art. 989[3] do CPC).

Tamanho interesse do Estado tem fundamento puramente econômico, dada a arrecadação gerada pela sucessão causa mortis. Por isso se exige a apresentação das certidões negativas de débitos fiscais das fazendas públicas municipal, estadual e federal. Sem elas não é possível fazer a partilha da herança entre os herdeiros. Tudo isso, sem prejuízo do imposto de transmissão causa mortis ou doação – ITCMD -, cuja alíquota de 4% sobre o valor dos bens inventariados enche de interesse o “olho gordo” do governo.

É cediço que até o advento da Lei 11.441/07 o inventário (assim como o divórcio e a separação) só poderia correr pela via judicial. Foi então que a moderna lei alterou os artigos 982 e 983, e acrescentou o artigo 1.124-A ao Código de Processo Civil. Com estas modificações, passou a ser possível a lavra de inventário também por escritura pública, logo, tornando o tabelião de notas o competente exclusivo para tanto, assim como previsto no artigo 7º, I[4], da Lei 8.935/94.

 

Prazo para abertura do inventário

A nova redação do artigo 983, do Código de Processo Civil, prevê que o processo de inventário e partilha deve ser iniciado até 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, devendo ser ultimado, concluído nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento da parte.

Apesar de algumas celeumas em torno deste prazo, a doutrina[5] considera que sua expiração não constitui óbice à lavratura de inventário administrativo, o que significa dizer que, mesmo após seu decurso, poderá ser feita a escritura pública de inventário e partilha. Neste mesmo sentido dispõe o artigo 31, da Resolução 35, do CNJ: “A escritura pública de inventário e partilha pode ser lavrada a qualquer tempo [...]”.

 

MULTA

O prazo de que trata o artigo 983, do CPC é válido para o procedimento administrativo e, quando iniciado intempestivamente, deve o tabelião observar o pagamento da multa, que será de acordo com a fixação estabelecida por cada estado ou pelo Distrito Federal. No Espírito Santo o Decreto nº 2.803-N, estabelece em seu artigo 20, Parágrafo primeiro[6], multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do ITCD.

A respeito da multa, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula 542, declarando constitucional a aplicabilidade da pena pecuniária em razão da mora dos interessados:

“Não é inconstitucional a multa instituída pelo Estado-Membro, como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário”.

Quando será, então, devida a multa? Quando não cumprido o prazo de 60 (sessenta) dias da data da abertura da sucessão e pagamento do Documento Único de Arrecadação (DUA) de avaliação da guia do ITCMD.

Seu pagamento se dará após o recolhimento do ITCMD e por meio da guia DUA da Secretaria da Fazenda do Estado.

Cabe ainda ao notário a fiscalização do pagamento de eventual multa, por disposição do artigo 31, da Resolução 35, do CNJ: “A escritura pública de inventário e partilha pode ser lavrada a qualquer tempo, cabendo ao tabelião fiscalizar o recolhimento de eventual multa, conforme previsão em legislação tributária estadual e distrital específicas”.

No estado do Espírito Santo, o já mencionado Decreto nº 2.803-N, atribui a fiscalização do imposto “aos membros do Ministério Público, aos servidores fiscais da Secretaria de Estado da Fazenda e aos Servidores da Justiça, que no desempenho de suas atividades e atribuições conhecerem a ocorrência do fato”.

Neste diapasão, o artigo 12, do supracitado Decreto, dispõe que “os serventuários da justiça, empresas, instituições financeiras ou bancárias, os responsáveis por registro ou prática de ato que implique na transmissão de bens móveis, imóveis, títulos e créditos, são obrigados a facilitar à Fazenda Pública Estadual o exame de livros, autos, papéis, registros, fichas e outros documentos”.

 

Início do inventário

Dar-se-á o início do inventário com a manifestação de algum (ou alguns) dos interessados, cujo rol se apresenta nos 987 e 988 do Código de Processo Civil, devendo o requerimento ao tabelião de notas ser instruído com a certidão de óbito do autor da herança (art. 987, Parágrafo único, do CPC). Desta feita, são concorrentemente[7] legitimados a iniciar o procedimento:

 

  •     Aquele que estiver na posse e administração do espólio (art. 987);
  •     o cônjuge supérstite (art. 988, I);
  •     o herdeiro (art. 988, II);
  •     o legatário (art. 988, III);
  •     o testamenteiro  (art. 988, IV);
  •     o cessionário do herdeiro ou do legatário (art. 988, V);
  •     o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança (art. 988, VI);
  •     o síndico da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge supérstite (art. 988, VII);
  •     o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes (art. 988, VIII);
  •     a Fazenda Pública, quando tiver interesse (art. 988, IX).

 

Ainda, por disposição do Código de Normas (art. 713, §7º) “o notário deverá exigir das partes declaração, por escrito, de que o autor da herança faleceu sem deixar testamento (ab intestato)”.

Usualmente o tabelião de notas não faz essa exigência, uma vez que o SINOREG-ES possui uma Central de Testamentos, onde os cartórios do Estado são obrigados a informar quando é lavrado ou ratificado um testamento, fornecendo, assim, o nome e CPF do testador. Desta maneira, quando é feito o inventário, acessa-se esta central e é verificado se o de cujus deixou ou não testamento conhecido, com a devida emissão de certidão negativa ou positiva, conforme o caso.

 

REPRESENTAÇÃO DO ESPÓLIO – NOMEAÇÃO DE INVENTARIANTE

O espólio, apesar de não ter personalidade jurídica, deverá ser representado ativa e passivamente. O artigo 12, V, do CPC estabelece que sua representação será feita pelo inventariante.

O inventariante é a pessoa capaz que de nenhum modo tenha interesse contrário ao do espólio. O menor, mesmo que herdeiro, não pode ser inventariante. A lei também não faz distinção entre herdeiros legítimos ou testamentários[8].

O encargo de inventariante impõe ao nomeado deveres dentro e fora do processo e/ou escritura, é ele o responsável pela administração do espólio e sua representação legal, sendo-lhe atribuída as obrigações previstas no artigo 991, do CPC[9].

A nomeação do inventariante será obrigatória em ambas as esferas possíveis para ultimação do inventário, judicial ou administrativa. No entanto, o CNJ determinou a nomeação de interessado para representar o espólio, com poderes de inventariante. Tecnicamente, esta nomeação equivale à de inventariante, assim como ocorre na esfera judicial. Esta é a interpretação conjunta do artigo 11, da Resolução 35, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), combinado com artigo 713, §1º do Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo (CN) e artigo 990, do CPC.

 
Partes interessadas


Consideram-se partes interessadas na lavratura de escritura pública de inventário e partilha: a) o cônjuge sobrevivente; b) o companheiro sobrevivente; c) os herdeiros legítimos; d) eventuais cessionários; e) eventuais credores[10].

O cônjuge dos herdeiros deverá se manifestar na escritura pública de inventário e partilha sempre que houver algum ato que implique renúncia ou partilha que importe em transmissão de direitos, salvo, neste caso, se casados sob o regime da separação absoluta de bens (artigo 17, da Res. 35, do CNJ e artigos 1.647, I, e 1.687, do Código Civil).

Também será considerado interessado o companheiro que tenha direito à sucessão, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável. A meação do companheiro pode ser reconhecida na própria escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança, absolutamente capazes, estejam de acordo (art. 18 e 19, da Res. 35, do CNJ e art. 713, §5º do CN).

Os credores do autor da herança poderão receber diretamente o pagamento de seus direitos mediante acordo com os herdeiros ou habilitando-se no inventário. Ainda que não indicados expressamente, os credores terão sempre resguardado seus direitos, não sendo sua existência impedimento para realização do inventário, partilha, ou adjudicação, por escritura pública, a teor do que dispõe o artigo 27, da Resolução 35.

 

Requisitos do inventário


A escritura pública é o documento público escrito por tabelião em suas notas. É, portanto, um documento permanente, uma vez que fixa materialmente e de modo perene a declaração da vontade, redigido por um agente público, titular da função notarial.

A escritura deve ser redigida por notário ou seu substituto autorizado, com observância dos requisitos legais, nos livros de notas da serventia[11]. Em seu corpo, todas as partes deverão estar devidamente individualizadas e qualificadas. O artigo 215, do Código Civil, de maneira geral, enumera alguns requisitos obrigatórios para toda e qualquer escritura, sem prejuízo de outros que eventual lei possa exigir para atos específicos.

Neste mesmo sentido a Resolução 35 (art. 21 e 22), bem como o Código de Normas (art.713, I ao V) enumeram a documentação específica nos casos de inventário e partilha extrajudicial. Em interpretação conjunta dos mencionados dispositivos, tem-se como necessários os seguintes documentos:

 

  •     Certidão de óbito do autor da herança (art. 22, “a”, da Res. 35 e art. 713, I, do CN);
  •     Documento de identidade oficial (ex. Registro Geral (RG), CTPS etc) e CPF das partes e do autor da herança (art. 22, “b” da Res. 35 e art. 713, II, do CN);
  •     certidões do registro civil comprobatórias do vínculo de parentesco dos herdeiros (art. 22, “c” da Res. 35 e art. 713, III, do CN);
  •     certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados, e pacto antenupcial, se houver (art. 22, “d”, da Res. 35 e art. 713, IV, do CN);
  •     certidão do registro de imóveis de propriedade e ônus (atualizada) e direitos a eles relativos (art. 22, “e”, da Res. 35 e art. 713, V, do CN);
  •     documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver (art. 22, “f”, da Res. 35);
  •     certidão negativa de tributos (art. 22, “g”, da Res. 35);
  •     Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR, se houver imóvel rural a ser partilhado (art. 22, “h”, da Res. 35 e art. 713, §2º do CN).

 

Partilha

Após cumprido os requisitos legais expostos alhures, cuja presença se faz obrigatória para validade da escritura pública de inventário, proceder-se-á a partilha dos bens do espólio.

A partilha será feita após a individualização da meação do cônjuge supérstite e obedecido a ordem sucessória estabelecida no artigo 1.829 do Código Civil.

As normas do direito sucessório deverão ser estritamente observadas, assim como as disposições referentes ao regime de bens escolhido pela(o) viúva(o) e seu(ua) falecido(a) cônjuge.

A escritura pública de inventário e partilha já servirá de título hábil para registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores (DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc.), fazendo as vezes do formal de partilha expedido pela autoridade judicial, não sendo mais necessário a homologação pelo juiz (art. 706, do CN).

 

 

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 7 : direito das sucessões – 5 ed. – São Paulo – Saraiva, 2011

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos. Teoria e Prática. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : Método, 2011.

MIRANDA, Jeferson. Manual Prático do Tabelião de Notas. Espírito Santo, 2007.

NEVES, Rodrigo Santos. Curso de Direito das Sucessões. Rio de Janeiro – Lumen Iures, 2009.

SAFRAIDER, Aldo. Inventário, Partilha & Testamentos. 3 ed. Curitiba – Juruá Editora, 2007.

 

[1] Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

[2] Luiz Guilherme Loureiro. Registros Públicos. p. 578

[3]Art. 989. O juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal.

[4] Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I - lavrar escrituras e procurações, públicas;

[5] Luiz Guilerme Loureiro, Aldo Safraider.

[6]Art. 20, § 1.º Quando o inventário for requerido depois de sessenta dias da abertura da sucessão, o imposto será acrescido de multa de dez por cento, mesmo se recolhido no prazo previsto no Regulamento. (Nova redação dada ao §1.º pelo Decreto n.º 2.184-R, de 22.12.08, efeitos a partir de 23.12.08)

[7] “Concorrentemente” significa dizer que a ordem estabelecida no artigo não precisa ser observada.

[8] RT, 490/102.

[9] Art. 991.  Incumbe ao inventariante: I - representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observando-se, quanto ao dativo, o disposto no art. 12, § 1º; II - administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência como se seus fossem; III - prestar as primeiras e últimas declarações pessoalmente ou por procurador com poderes especiais; IV - exibir em cartório, a qualquer tempo, para exame das partes, os documentos relativos ao espólio; V - juntar aos autos certidão do testamento, se houver; Vl - trazer à colação os bens recebidos pelo herdeiro ausente, renunciante ou excluído; Vll - prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz Ihe determinar; Vlll - requerer a declaração de insolvência (art. 748).

[10] Carlos Roberto Gonçalves, p. 516.

[11] Luiz Guilherme Loureiro, p. 494.

Assuntos: Abertura de inventário, Herança, Inventário, Requisitos do inventário


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