Artigos 41 e 442 da Consolidação das Leis do Trabalho: o ajuste entre a norma e a realidade

08/05/2012. Enviado por

A realidade é mais forte do que a lei, às vezes permitindo ou mesmo exigindo práticas vedadas. A CLT não permite o contrato de trabalho sem registro. Mas apesar dessa proibição este contrato existe, por que a realidade permite

Artigos 41 e 442 da Consolidação das Leis do Trabalho: o ajuste entre a norma e a realidade.

A sexagenária Consolidação das Leis do Trabalho, do alto de seus 69, apesar de remendada, amputada e enxertada continua de pé, desafiando a inteligência criadora de profissionais do Direito, e legisladores que de tempos a tempos, tentam lhe fazer alterações introduzindo  compilações grotescas de outros diplomas legais, que felizmente até aqui não lograram nenhum êxito. Mas alguns acréscimos, têm sido lhe agregados. Pérolas como o Parágrafo Único do art. 442, que assim diz: “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.

Tal parágrafo foi introduzido pela Lei número 8.949, de 9-12-94.  Redação clara e brilhante. Mas como nem tudo que reluz é luz e nem tudo que brilha é ouro, não tem nenhuma  utilidade. Pelo contrário, trouxe  muito desassossego para o mundo do trabalho.  Muita exploração para o trabalhador, com a criação das famosas “gatoperativas” que imperaram de forma impiedosa e arrogante  no final  da década de 1990 e deram muito  esforço de campo à  Inspeção do Trabalho, e muita luta  de gabinete ao Ministério Público do Trabalho. A mencionada pérola é fruto da boa intenção  de um deputado gaúcho, que queria deixar sua unhada de criação na legislação brasileira.

Mas propusemos a falar sobre o “caput” do artigo 41 da Consolidação das Leis do Trabalho e de sua aparente contradição com as disposições do “caput” do supramencionado artigo 442 do mesmo diploma legal.

O artigo 41, em seu “caput” diz: em todas as atividades será obrigatório para o empregador o registro dos respectivos trabalhadores, podendo ser adotados livro, fichas ou sistema eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho. A rigor, já foram baixadas todas as instruções neste sentido. De sorte que este não é o fato em apreço.

O mencionado artigo 442 por sua vez diz: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego”. É interessante observar que no caso em que a lei exige o registro usa a expressão “trabalhador”, e não “empregado”, mas como somente se registra quem é empregado e não outros trabalhadores. Então estamos diante de uma relação de emprego.

Já no caso em que diz que o contrato poderá ser tácito, usa a expressão “relação de emprego” para conceituar o Contrato de  trabalho. Então estamos diante de dois casos de Relação de emprego, consequentemente, diante de dois casos de Contrato de trabalho, subordinado, que preenche  todos pressupostos  dos artigos 2º e 3º, ambos no “caput”, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Durante meus anos de Inspeção do Trabalho não  foram  muitas as vezes em que o empregador ou seus prepostos sustentaram que o CLT através do mencionado artigo permitia a manutenção de empregados sem registro. Mas o fizeram com veemência e às vezes até de forma brilhante. Entretanto, como já se disse acima, nem tudo que brilho é outro. E nunca apararam tal argumento em um julgado em alguma doutrina e nenhuma dessas asseverações produziu o resultado de tornar o Auto de Infração insubsistente.

Porém  analisando a redação do “caput” do artigo do mencionado 442, somos induzidos, na verdade quase forçados a crer que a lei de fato permite o labor sem registro, ao usar a expressão “tácita ou expressa”. O termo expresso poderá até ser compreendido como manifestado através da palavra falada.  Aliás, assim  diz o dicionário  Escolar da Língua Portuguesa editado pela Academia Brasileira de Letras/Editora Nacional:  expresso é o que se deu a conhecer através da palavra, gesto, ou outras demonstrações. E define tácito como sendo não expresso por palavras, subentendido. Neste caso então o ajuste tácito  seria a concordância silenciosa, onde não houve um ajuste prévio. Havendo a  prestação do trabalho, em condições que caracterizariam a relação de emprego, por um (empregado) e a aceitação do trabalho por outro (empregador). Mas esta é a prática, a realidade e não o que a lei permite. É inércia ou conveniência dos contratantes, quanto à formalização do ato. Quando há o registro tornando expresso este ajuste de vontades, automaticamente há eliminação da tacitude do ato.

Deve  ser considerado   que por  sua vez o artigo 29 da Consolidação das Leis do Trabalho, diz que o empregador tem o prazo de quarenta e oito horas para anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social, a data da admissão, a remuneração e as condições  especiais de trabalho, se houver. Daí então  se conclui que  a lei não permite a manutenção do contrato de trabalho de modo informal, por tempo nenhum. Mesmo este lapso de dois dias é para a devolução da CTPS e não para o registro que deve ser imediatamente à contratação. Empregadores organizados somente permitem o acesso do empregado ao setor de trabalho, após  assinatura de sua CPTS.

Assim, se conclui que o preceito legal  que  conceitua o contrato individual de trabalho como sendo o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego está dizendo implicitamente também  que quando o empregador desrespeitar a lei e mantiver empregado trabalhando em descordo com as disposições  do artigo 41 CLT estará obrigado ao pagamento de direitos, por que houve uma relação de emprego, desde que presentes os elementos caracterizadores, tais como: prestação de serviços de natureza não eventual, para  empregador, sob a dependência deste, e mediante salário. Houve o contrato tácito.

A realidade é mais forte do que a lei, às vezes permitindo ou mesmo exigindo práticas vedadas. A CLT não permite o  contrato de trabalho sem registro. Mas apesar dessa proibição este contrato existe, por que a realidade permite. Neste caso, a exemplo do Rey que queria que o sol se posse às 15 horas. A lei reconhece os direitos do trabalhador a despeito da proibição o empregador é obrigado a pagar todos os direitos e ao pagamento das contribuições para o INSS o recolhimento do FGTS para o trabalhador. Aí fica uma indagação: isto não seria  uma falha? A lei explicitamente não permite, mas na prática permite. É que mais uma vez entra a realidade.  E o que parece uma contradição entre os dois artigos mencionados, se mostra como  uma verdadeira criação infalível do sistema juslaboral  brasileiro. Estes dois artigos expressam a inteligência criadora conjunta dos juristas e sociólogos autores da Consolidação das Leis do Trabalho.    

 

José Catarino Rodrigues é advogado, trabalhista, Mestre em Direito Econômico

catarino.adv@gmail.com

Assuntos: Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direitos trabalhistas, Trabalho, Trabalho sem registro

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