A tragédia que não foi uma fatalidade - Incêndio em Casa Noturna - Santa Maria/RS

29/01/2013. Enviado por

De maneira simples e objetiva, a matéria traça as nuances jurídicas da tragédia ocorrida em uma casa noturna na cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul. Esclarece competências e aponta responsabilidade.

De maneira simples, iniciarei este texto transcrevendo o que é fatalidade, de acordo com o próprio dicionário da Língua Portuguesa.

s.f. Destino inevitável: a fatalidade opõe-se à liberdade.
Consequência inarredável, desastrosa de algum acontecimento: a fatalidade da morte.
Coincidência deplorável, acaso infeliz, funesto.
Desgraça.

Desta maneira, de antemão, fica devidamente esclarecido que o episódio ocorrido na madrugada do dia 27/01/2013 na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, não foi tão somente uma fatalidade.

Fatalidade adequa-se a casos onde a ocorrência do dano, essencialmente, acontece sem a participação de um agente, no caso, o ser humano, ou, quando este agiu minimamente e de forma indireta para que este dano ocorresse.

Dizer que o referido acontecimento foi uma fatalidade, excluí grande parte da responsabilidade da Casa Noturna e seus sócios, tanto na esfera civil quanto na criminal.

E de fato, é o que os sócios responsáveis pelo estabelecimento buscam.

Em nota oficial, a casa noturna assim se manifestou:

‘Lamentamos sinceramente a extensão da tragédia que excedeu a toda a normalidade e previsibilidade de qualquer atividade empresarial, creditando o terrível acontecimento a uma fatalidade que somente Deus tem condições de levar o consolo e o conforto espiritual que desejamos a todos os familiares e ao povo santa-mariense, gaúcho e brasileiro’, diz a nota

Em uma simples primeira leitura, a nota é um tanto quanto comovente. Mas, a olhos atentos, se revela uma tática para exclusão de responsabilidade.

Não irei discutir o mérito da questão, quem tem razão, e etc.

Irei simplesmente pontuar, como feito em casos anteriores, os direitos das vítimas e deveres dos responsáveis.

De acordo com o Código Civil, em seu art. 932, assim estabelece:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

(...)

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

Para que fique claro, o artigo acima descrito esclarece que quando existir uma empresa por trás de algum dano causado, está também é responsável pela reparação.

Um detalhe se faz extremamente necessário: Previsibilidade.

Caso o fato seja previsível, a pessoa deve ser responsabilizada.

Caso o fato seja imprevisível, a pessoa não deve ser responsabilizada.

Agora, remeta-se ao início do texto, mais especificamente a nota divulgada pela Casa Noturna. Leia novamente.

De acordo com a Casa Noturna, pela nota divulgada a imprensa, esta já faz questão, logo no primeiro contato, em citar a imprevisibilidade do fato ocorrido.

Faz isto, pelo fato visto acima.

Previsibilidade = Responsabilização,
enquanto,
Imprevisibilidade = Não Responsabilização.

Nos casos previsíveis, atitudes extras devem ser tomadas, afim de evitar a ocorrência do evento danoso. Em casos de omissão, na ocorrência do dano, esta pessoa deve ser responsabilizada.

Considerações finais e esclarecimentos:

  1. Inicialmente, três pessoas estão diretamente ligadas diretamente ao ocorrido:


  • a.    Casa Noturna (principal)

    i.    Não deveria permitir que a banda acendesse fogos/sinalizadores. É dever do sócio ou dono do estabelecimento zelar pela segurança das pessoas que ali ingressaram.

  •  b.    Banda

       i.    É de fato, quem deu início ao incêndio. Logo, se a casa noturna tem a obrigação de zelar pela segurança das pessoas ali presentes, isso estende-se aos demais, pagantes (consumidores) ou sendo pagas (banda), sendo então, também responsável pela segurança de todos no local. Desta forma, também pode a banda ser responsabilizada pelo fato ocorrido.

  •  c.    Seguranças

        i.    Aqui podem ocorrer duas situações:

  1. Caso os seguranças sejam empregados da boate, esta será responsabilizada.
  2. Pode ocorrer ainda de os seguranças serem contratados de empresa terceirizada, onde, está empresa também responderá pelos danos.

Caminhando para o fim, quem processar?

De acordo com nosso Código Civil, vejamos:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Diante da normativa acima estabelecida, fica claro o dever de reparação por todos os envolvidos. Respondem solidariamente pelo dano causado, proporcionalmente a participação no evento danoso.

Certo que, a grande maioria, infelizmente veio a óbito. Desta maneira;

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Assim sendo, a reparação se diz respeito a todas as despesas referentes ao óbito, bem como a prestação de alimentos.

E não acaba por aqui, vejamos:

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Assim, em um primeiro momento, pensa-se. Tratava-se de estudantes, não trabalhadores. INDEPENDENTE. Óbvio que não deixaram de ganhar, pois não trabalhavam. No entanto, estudavam para assegurar um futuro digno, um emprego melhor e uma remuneração diferenciada, uma remuneração justa para quem cursa um curso de nível superior. Porém, tiveram suas vidas ceifadas por esta tragédia.

Não digo que pudesse ter sido evitada, talvez aos olhos de Deus.

Mas com certeza, os danos e os mais de 230 estudantes inocentes que vieram a óbito, poderiam ter sido substancialmente menores e evitados.

Meus sinceros sentimentos e condolências; especialmente as famílias de Santa-Maria, mas, estendidos em meu nome a todo o país, que sofre juntamente com todos os familiares. Povo brasileiro, um povo uno.

Assuntos: Consumidor, Criminal, Direito do consumidor, Direito processual civil, Direito processual penal, Direitos humanos

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