11/10/2012. Enviado por Dr. José Augusto Vieira
“É possível aspirar a um renascimento ético que sobreponha a justiça e a solidariedade às leis do mercado neste mundo tão carente de valores?”. (Jurandir Freire Costa).
Na criança, não há limite na indiferença para com o próximo. Quer apossar-se de tudo o que lhe pareça bom e só se interessa pela própria satisfação. Tomar o brinquedo ou o doce de alheias mãos não lhe é o suficiente. A violência é ainda um comportamento natural e espontâneo!
Até o filhote de gente entender que não pode se apropriar de tudo que desejar, ignorando o outro nos desejos e espaços privados, necessita ser educado em prol da sociabilidade. Parece natural lidar com o desejo como ela quiser e puder. O que dizer da sociedade onde a perversidade se transformou em regra chancelada?
Aumentou a sensação de corrupção e de impunidade. Pasmem! Há milhares de adeptos! A priori é preciso que se tenha a compreensão de que a sociedade brasileira foi erguida sob os pilares de uma economia escravista e ainda mantém os traços impressos pelo senhor de escravos. É hierárquica, vertical, autoritária, apoiada em relações sociais de mando e obediência nas quais sempre há um superior e um inferior.
Divisões sociais de classes ficam ocultas sob uma suposta unidade nacional do “caráter brasileiro”, isto é, de povo ordeiro, pacífico, progressista, sensual e religioso. A essência da nação está fundada no falso mito da não violência. Nesse lamiré, polarizam-se privilégios e carências.
Tomando por base a concepção do filósofo Baruch Espinoza, é irreal exigir do governo uma atuação isenta de paixões e interesses, como se fosse uma perfeita encarnação das virtudes privadas. O perigo está no grupo de indivíduos privados, que dizem defender a lei, revogarem a legislação atual e criarem outra para atender aos próprios interesses. Eis aí a base da corrupção.
O Governo Federal acedeu à ética na política, ou seja, assumiu virtudes e vícios, ao invés de exercer uma política ética. A compra dos votos para aprovar a reforma previdenciária teve origem nessa opção. A desvirtuada visão levou ao desencanto inúmeros eleitores e promoveu supérfluo desgaste político.
Para Marilena Chauí, Lula errou ao aceder, em 2003, à tucana ideia de “transição”, ao invés de apurar corrupções e desvios no Governo FHC. Fracassou ao escolher se aliar a legendas de aluguel e não a partidos políticos; em fazer a reforma da Previdência como o primeiro ato político, ao invés de reformar a política e mudar a divisão dos tributos; bem como em adotar o marketing no lugar da informação.
O equilíbrio de forças nas relações humanas e sociais mudou com a globalização, a nova dinâmica da comunicação e o término da guerra fria, cujo corolário é a hegemonia dos USA. Aspirações de solidariedade e justiça distributiva entre os homens, presentes em sonhos, utopias e projetos políticos nos últimos dois séculos, caíram por terra.
O modelo advindo trouxe uma brutal concentração de renda, multiplicou a desigualdade e banalizou a perversidade social. As elites hoje usufruem dos benefícios da tecnologia de ponta, das artes, da cultura e do consumo de bens e serviços sofisticados. Noutra ponta, anônimas massas estão alijadas, num fenômeno de exclusão social sem limites.
Cristovam Buarque adverte que a radicalidade desse processo é tal que há o risco de a “apartação” desembocar em uma humanidade dividida do ponto de vista biológico. A elite injusta e opressora é constituída, hoje, para surpresa dos mais bem-intencionados, de... Nós mesmos!
Temos acesso às informações e ao consumo. Cada vez é menor nosso comprometimento com avanços políticos e sociais. Na leitura social do médico e psicanalista, Jurandir Freire Costa, “cada vez mais nos imbuímos do projeto narcísico de uma civilização neoliberal, sintetizada no lema sexo, drogas e cartão de crédito”, que reflete bem o ânimo dominante.
Frei Betto aponta o egoísmo como lei maior; prazer sem limites, regra do jogo; mercado, o novo deus e os shoppings centers as novas catedrais. O dominicano deplora a perda da verdadeira espiritualidade em favor das futilidades e das vaidades.
Chegou-se à “privatização da ética”. Embotou-se a sensibilidade social e diluíram-se os pactos mais basilares da convivência humana, nos dizeres do sociólogo Luiz Eduardo Soares.
Eis os desafios éticos da atualidade! Se os valores perderam consistência e credibilidade, a Ética precisa se posicionar no centro do debate.