15/03/2015. Enviado por Dr. Marcyo Keveny de Lima Freitas
Muitos se revoltam e se assustam ao ouvirem a ideia de cotas para negros e índios em universidades públicas brasileiras. Os discursos contrários à política de cotas se pautam basicamente em dois elementos que não se sustentam. O primeiro seria que, ao invés do ingresso em universidades públicas de negros e índios através de cotas, o fundamental seria a melhoria do ensino fundamental e médio no Brasil que garantiria uma equiparação de saberes para os alunos que pretendem ingressar em uma universidade através do vestibular, e o segundo, como um desdobramento do primeiro, estaria relacionado a temática que, no Brasil a diferenciação entre os ingressantes em uma universidade e aqueles que não conseguem sucesso no vestibular estaria pautada na diferença econômica, ou seja, o ingresso em uma universidade pública dependeria exclusivamente do poder aquisitivo do aluno e a economia (dispêndio econômico) em sua formação escolar.
Todavia, estes dois argumentos fazem parte de um discurso comum e falacioso, daqueles que se pronunciam contrários ao sistema de cotas e não possuem muita coisa a acrescentar. O primeiro argumento de que é necessário uma melhoria do ensino do Brasil é um discurso de décadas, logo, aguarda-se uma melhoria a décadas, ao passo em que a exclusão permanece. Os que defendem tal argumento apresentam quais propostas concretas para mudar essa situação? Desconheço medidas concretas nesse sentido.
Indiscutivelmente, não peçam aos movimentos de inserção de negros e índios que abandonem suas políticas efetivas em troca de espera. Não esperem a acomodação na esperança de equiparação da formação escolar dos alunos oriundos de escolas públicas em relação aos oriundos de escolas privadas. A exclusão de negros e índios nas universidades públicas é latente. A comunidade negra no Brasil necessita de aplicação de medidas imediatas, independente se for para reparação do mal que se faz até hoje a esta comunidade ou se para realmente começamos a dar um fim a exclusão do negro no ensino superior brasileiro.
O segundo argumento que trata acerca da desigualdade social mostra claro que o pobre é que não consegue ingressar em uma universidade pública, entretanto, mesmo entre os pobres, o número de negros e índios pobres está em 47% acima dos brancos segundo dados do IBGE, ou seja, existem mais pessoas miseráveis negras do que brancas, e entre estas, os negros são os que percebem menor salário e possuem menor poder aquisitivo. A remuneração é diferente entre negros e brancos. A maioria (na realidade minoritária) dos alunos oriundos de escolas públicas que conseguem ingresso em uma universidade pública no Brasil são brancos, o que mostra que mesmo aqueles que conseguem vencer a diferença, ainda assim, os negros são minoria.
Vocês que estão aí sentados e que estudam em uma faculdade privada, repare a sua volta e veja a gritante diferença entre o número de negros e brancos. Desigualdade social? Também, mas muita desigualdade racial presente.
Analisando um artigo na internet que defendia a ideia de que biologicamente somos todos iguais e por isso não se poderia estabelecer as cotas, pois o negro e o índio para ingressar em uma universidade pública só precisariam de um pouco mais de esforço e dedicação. Tal argumento soa ao absurdo. É notório que somos muito parecidos geneticamente falando, entretanto, ao contrário da “democracia biológica”, o preconceito e o racismo no Brasil estão pautados pela cor que o índio e o negro traz em sua pele e não no sangue que corre em suas veias.
O direito fundamental à educação, consubstanciado no princípio da dignidade humana, foi inserido na Constituição como um dos direitos sociais a serem assegurados pelo Poder Público de forma ampla e igualitária, tendo em vista o dever de garantia do mínimo existencial.
Realmente, para fazer valer prerrogativas constitucionais e para que o Estado atenda aos anseios sociais em uma época de conflito de ideologias e representatividade, a sua atuação deve estar fundamentada na Constituição e nos princípios constitucionais que ajudam na sua interpretação e aplicação.
Desta maneira, há a preocupação na criação e aplicação de normas materialmente justas e moralmente éticas. Não basta, pois, a criação da norma, esta deve estar vinculada a proteção da dignidade da pessoa humana.
Ademais, o princípio da isonomia deve ser aplicado e interpretado não sob a vertente da igualdade formal (todos são iguais perante a lei), mas sobretudo, sob o prisma da igualdade real, material e/ou efetiva, tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida da sua desigualdade.
Sem sombra de dúvidas, acredito plenamente que o ensino no Brasil deva ser repensado e reformulado com um todo, com o planejamento e execução de políticas públicas sociais e econômicas voltadas para a concretização dos direitos fundamentais dos indivíduos, como a formulação e implementação de ações afirmativas no âmbito da educação voltadas aos negros, índios e grupos discriminados e menos favorecidos economicamente e culturalmente, garantindo, assim, uma melhoria na qualidade do ensino aplicado a comunidade menos favorecida economicamente, que é maioria neste país.
Portanto, mudar essa triste realidade do ensino educacional público no Brasil é um objetivo e/ou meta permanente. O Estado brasileiro tem a obrigação constitucional de implementar políticas públicas voltadas a classes discriminadas e menos favorecidas economicamente, promovendo a concretude dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana e a isonomia material (igualdade real), voltando-se a construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF), promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF). Assim, a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205, CF).
Na verdade, o que não podemos aceitar é que a espera da realização disto sufoque a questão da segregação racial nas universidades públicas brasileiras. Assim como os negros, os índios e minorias também discriminadas devem lutar pela concretização de seus direitos, reivindicando-os e fazendo valer suas vozes, sobretudo no que tange a concretização do direito fundamental e social à educação. Aqueles que insistem em perguntar, para seus padrões de cores, sou classificado como branco e não estou legislando em causa própria, mas, sobretudo, em função daquilo que considero justo.
Referências:
http://profwagnerlucas.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html