A flexibilização do direito do trabalho e a descaracterização da figura do empregado

08/10/2012. Enviado por

O crescimento da existência de mão de obra informal e a busca de alguns empregadores por burlar a caracterização de vinculo empregatício, faz com que uma grande parcela da classe trabalhadora fique de fora dos direitos e garantias assegurados.

Introdução

A princípio o direito do trabalho foi concebido para dirimir problemas existentes entre o empregador (detentor do capital) e o empregado. Contudo, hoje em dia esta base de normas do Direito do Trabalho (CLT), vem se tornando obsoleta, pois a realidade do trabalhador atualmente sofre mudanças e deixou de ser a realidade do típico operário de fábrica completamente submisso ao empregador.

Assim como a evolução humana que progride cada vez mais velozmente, o Direito Brasileiro, em especial o Direito do Trabalho, não pode permanecer estagnado, pois isto traria a ineficiência à aplicação do Direito do trabalho, fazendo com que os empregados voltem a estar descobertos de direitos e garantias fundamentais, como ocorria em algumas décadas atrás.

Com estas novas mudanças do mercado de trabalho, notou-se uma nova necessidade de readequação em determinadas relações entre empregado e empregador. Podemos notar com esta nova tendência, o surgimento da relação de trabalho onde o tomador do serviço contrata prestadores de determinados serviço especializados (pessoas físicas), desde que estes tenham constituído uma pessoa jurídica. Este tipo de relação é denominado “pejotização”.

FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

Primeiramente é valido relembrarmos o que determinam os artigos 2º e 3º da Consolidação das leis do trabalho, sendo:

"Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço."

"§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados."

"§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis à empresa principal e cada uma das subordinadas."

"Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."

"Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual." (CARRION, 2010, p. 27-40).

Apesar das determinações citadas pelo artigo 2º e 3º da CLT, o Direito Trabalhista é o ramo do Direito que apresenta o maior dinamismo, sendo que o ordenamento brasileiro, atualmente sente os reflexos das significativas alterações do mercado de trabalho.

 As novas tendências tecnológicas, que ampliam a globalização, estão contribuindo direta ou indiretamente para o aumento do trabalho informal, pois à distância o indivíduo consegue manter uma relação completa com seu empregador.

Por ser notória a rigidez da legislação trabalhista brasileira, surgiu a idéia de flexibilização do direito do trabalho, na qual vem sendo alvo de estudos pelos doutrinadores brasileiros, em decorrência dos crescentes números de casos, onde a idéia de flexibilizar o Direito do Trabalho acaba por esbarrar em casos de vinculo de trabalho ilícito, por estar camuflado em uma relação fictícia entre duas pessoas jurídicas.

A idéia inicial de Flexibilização do Direito do Trabalho não é de ferir os princípios do Direito Trabalhista, mas sim, de permitir certa autonomia entre a relação de empregado e empregador, para que estes possam negociar os moldes que irão reger a relação de trabalho, de acordo com suas necessidades, em especial, para que o Prestador de serviço e o tomador possam contratar livremente com outros tomadores e prestadores de serviços.

Contudo, não se deve desviar o foco principal da idéia de Flexibilização, de tal forma que o trabalhador mediante a sua necessidade de obter trabalho, tenha seus direitos trabalhistas violados e acabe atuando em condições precárias e descoberto de garantias fundamentais previstas em lei.

Para facilitar o entendimento desta flexibilização, é interessante citar o artigo publicado pelo juiz Dr. Maurício Pizarro Drummond, em entrevista à revista trabalhista digital:

“É uma tendência global. O empregador não mais quer um empregado, no sentido de um cumpridor de regras, mas quer um parceiro, que se comprometa com o progresso da atividade empresarial, participe e ganhe com as vitórias de seu desenvolvimento, mas igualmente sofra e colabore nos momentos de crise, participando como pode para atenuar os tormentos momentâneos."

"Não há mais espaço para regras cogentes e imperativas em todos os setores do direito do trabalho. Salvo nas situações relativas à proteção a saúde, a segurança, a dignidade e a liberdade do trabalhador, a idéia é que a lei vale no silencio das partes, mas se houver negociação equilibrada, o "negociado" prevaleça sob o legislado." (Drummond, Maurício Pizarro, Flexibilização dos Direitos Trabalhistas, disponível em <http://www.revistatrabalhista.com.br/site/ver_entrevista/8> Acesso em 10/11/2011.).

Podemos entender pelo texto transcrito acima, que as empresas sérias procuram indivíduos especialistas, nos quais prestam serviço e ajudam a resolver problemas, ou seja, parcerias que agreguem na qualidade do serviço final oferecido pelas empresas e que colaborem com o crescimento desta.

O fato é que em alguns casos, empresas mal intencionadas busca este tipo de profissional no mercado, para tentar eliminar o alto custo do vínculo trabalhista e seus encargos tributários. Portanto, estas empresas não contratam um “parceiro” e sim um mero operador, que atua de forma subordinada e serve apenas como mais um braço de trabalho, com um custo muito reduzido em relação ao empregado devidamente registrado.

CARACTERISTICAS DA PEJOTIZAÇÃO

Tendo em vista a nova idéia de Flexibilização das normas trabalhistas, a “Pejotização” é um exemplo muito comum da ação mal intencionada de Empregadores, que buscam burlar o vínculo empregatício, descaracterizando a relação de trabalho e cortando os gastos decorrentes dos recolhimentos devidos ao vinculo empregatício e com isso, aumentando seus lucros.

A forma encontrada pelos empregadores mal intencionados, para poder burlar o vínculo empregatício, mediante a contratação de um profissional que possui um registro de pessoa jurídica, por se tratar de mão-de-obra com caráter intelectual, é feita utilizando o expresso no artigo 129 da lei 11.196/2005, conforme citado abaixo:

"Artigo 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil." (VADE MECUM, 2010, p. 1.515)

 

Na teoria, o prestador do serviço não estaria assegurado das garantias nas quais gozam os empregados, como Férias, 13º salário, Seguro Desemprego, FGTS e outros. No entanto, estaria este prestador de serviço isento da subordinação, cumprimento rigoroso de horário, salário fixo, exclusividade na prestação do serviço e outras obrigações que o empregador exige que o empregado venha a cumprir.

Ocorre que na prática, nota-se que grande parte destes prestadores de serviços acaba tendo que receber ordens, é assalariado, com a rigorosa periodicidade, com horário fixo a cumprir e ainda, presta pessoalmente e exclusivamente o serviço. Portanto, caracterizando-se completamente uma relação de empregado e empregador e não uma prestação de serviço entre pessoa jurídica.

POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Pesquisando a jurisprudência a respeito da flexibilização em casos de “Pejotização”, no entendimento dos tribunais, notamos que nos casos onde existe a caracterização de uma relação de trabalho entre empregado e empregador, conforme os moldes do artigo 3º da CLT (trabalho pessoal, remunerado, não eventual e mediante subordinação), pelo principio da primazia da realidade, o vinculo de trabalho é reconhecido. Vejamos:

"VÍNCULO. PEJOTIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. A exigência de prestação de serviços pelo trabalhador (pessoalidade) descaracteriza a pretensa relação comercial entre duas empresas. Demonstrando-se que só o trabalhador era aceito para a realização do trabalho, irrelevante que exista pessoa jurídica constituída, pagamento mediante entrega de notas fiscais ou quaisquer outras formalidades dessa espécie. CARGO DE CONFIANÇA E TRABALHO SEM REGISTRO: CONDIÇÕES INCOMPATÍVEIS. O enquadramento no artigo 62, II, da CLT, exige, no mínimo, dois fatores: a) salário 40% superior ao da função comum; b) função de gestão. Inviável considerar-se como de confiança o empregado que o empregador nem mesmo registra, posto que a apuração da diferença de 40% perde referencial objetivo e, além disso, fica evidente que a confiança que o empregador detém nesse trabalhador é muito pouca, na medida em que não permite, o empregador, a ele, empregado, nem mesmo o status derivado do contrato de trabalho." (TRT/SP - 02905200720102000 - RO - Ac. 4ªT 20100804920 - Rel. PAULO SÉRGIO JAKUTIS - DOE 03/09/2010).

No caso em tela, notamos que quando o caso fático se demonstra incompatível com a teoria de um vinculo de “Pejotização”, o entendimento do tribunal é de que se deve afastar aquela relação de trabalho mascarada e vir à tona a real relação de empregado e empregador, concretizando sim o vínculo trabalhista e garantindo ao então empregado, todos os seus direitos.

Considerações Finais

É valido iniciar a conclusão citando o doutrinador Sergio Pinto Martins, pois este cita a seguinte frase:

"A flexibilização tem sido a resposta ao Estado onipotente, onipresente e onisciente, que representa muito mais um fator de atraso e de recessão econômica do que de progresso." (Martins, Sergio Pinto, 2000, p. 111).

Fica claro que esta recente figura de trabalhador, acaba tendo sua caracterização deturpada por alguns empregadores que de má fé utiliza de meios alternativos, para suprir a carência financeira, a alta tributação ou até mesmo aumentar seus lucros ilicitamente, fazendo uso das brechas legais existente na Legislação trabalhista.

Contudo, não se pode dizer que toda relação entre empresa tomadora de serviço e empresário individual está irregular, pois em alguns casos a relação de trabalho na característica de “pejotização” de fato existe e se mostra eficiente e vantajosa tanto para o prestador de serviço que consegue atender inúmeros clientes e aumenta seus lucros, quanto para o tomador do serviço, que conseguem optar por uma mão de obra mais especializada e reduzir custos.

A forma mais adequada de garantir que o empregado de fato, devidamente caracterizado como tal, de acordo com o Artigo 3º da CLT que cumpri jornada de trabalho, é subordinado e recebe salário fixo, tenha seus direitos garantidos e que não seja enquadrado indevidamente como “Pejotista”, seria ampliar a fiscalização de determinados setores do trabalho que fazem uso das relações trabalhistas caracterizadas como “pejotização”, e ainda, garantir a aplicação de penalidades severas para as empresas que deturpam a relação clara de empregado e empregador.

Conclui-se por fim, que é chegada à hora de recair sobre a legislação trabalhista, uma reforma ampla para que esta possa se adequar aos novos moldes da sociedade brasileira e garantir que esta legislação continue fazendo valer os direitos dos trabalhadores e também dos empregadores, buscando cada vez mais atingir um equilíbrio econômico e ainda, impedir que empregadores mal intencionados que buscam aumentar seus lucros, façam desta nova necessidade do mercado de trabalho e da necessidade financeira do trabalhador, uma forma ilícita de suprimir os direitos e garantias trabalhistas.

 

Referências

- MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das Condições do Trabalho. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

- NASSAR, Rosita de Nazaré Sidrim. Flexibilização do direito do trabalho. São Paulo: Editora LTr., 09.

- SILVA, De Placito. Vocabulário Juridico. 27ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.

 - PIZARRO, Maurício. Flexibilização dos Direitos Trabalhistas, disponível em <http://www.revistatrabalhista.com.br/site/ver_entrevista/8> Acesso em 05/12/2011.

 - TRT, São Paulo, Consulta de jurisprudências, disponível em <http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/wFormJurisprudencia> Acesso em 07/12/2011

 - CARVALHO, Luiz Henrique Sousa de. A flexibilização das relações de trabalho no Brasil em um cenário de globalização econômica. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/1147>.  Acesso em: 12/12/2011.

Assuntos: Contrato de trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direitos trabalhistas, Emprego, Trabalho, Vinculo empregatício

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