A desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho brasileira

08/08/2012. Enviado por

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem sido útil na obtenção de garantias àqueles que possuem créditos junto às pessoas jurídicas e não obtêm adimplemento em virtude da escassez patrimonial da empresa. Forte aliado dos credores

 1 INTRODUÇÃO

A monografia que aqui se apresenta visa a aprofundar o conhecimento a respeito da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregard doctrine ou disregard of legal entity, entre outros nomes. Esta teoria tem o condão de penetrar no patrimônio dos sócios das sociedades empresárias, quando a sociedade não possui patrimônio suficiente para honrar com as obrigações assumidas. Algumas destas obrigações possuem o agravante de lesar direitos que são protegidos de forma especial pela legislação ou por princípios próprios do ramo, como é o caso do direito do trabalho. Desta forma, possibilita uma garantia mais robusta à obtenção de seus direitos, assegurados constitucionalmente de forma especial, em razão da sua hipossuficiência.

No entanto, o que para os credores apresenta-se como solução, para o pólo oposto da lide apresenta-se muitas vezes como grande problema. A aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica utilizada pelo direito do trabalho em especial, baseada em aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, especialmente em seu artigo 28, parágrafo 5.º, tem o condão de levantar diversos debates em busca de garantias também diversas. Tal aplicação exclui a necessidade de se utilizar o pressuposto básico de fraude ou abuso de direito, passando a incidir subsidiariamente no patrimônio dos sócios e dos ex-sócios até o limite da dívida ou de suas posses, a fim de garantir o adimplemento dos trabalhadores.

Para que a aplicação se dê desta forma, é necessário o transpasse de princípios próprios do direito societário, como o da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, o que implica necessária discussão em relação à própria teoria e também em relação à sua forma e ao momento de aplicação, suscitando dúvidas inclusive a respeito da constitucionalidade desta aplicação. Assim, busca-se estruturar esta monografia de conclusão de forma que se avaliem os fatores mais importantes relacionados ao tema e as diversas opiniões doutrinárias dedicadas a cada um destes fatores.

Busca-se também a opinião jurisprudencial a respeito do tema, a fim de verificar a efetiva aplicação que permite a percepção prática da interpretação de tais teses. Por este motivo, dividiu-se o presente trabalho em três capítulos distintos. O primeiro busca apresentar a teoria em sua origem, o contexto histórico em que foi desenvolvida e os motivos que levaram ao seu desenvolvimento. Busca também explicar, em linhas gerais, o que é a teoria e os aspectos que a envolvem. O segundo capítulo tem por objetivo ampliar o entendimento acerca da classificação doutrinária que tal teoria mereceu no direito brasileiro, sendo entendida pela jurisprudência entre a teoria maior e a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Procura-se também nesse capítulo um melhor entendimento acerca dos pressupostos autorizadores da teoria maior, uma vez que estes, enquanto a aplicação se dá neste sentido, são elementos necessários.

Por fim, o terceiro capítulo tem por foco a aplicação prática da teoria estudada de forma geral nos diversos ramos do direito e de forma especial no direito do trabalho, onde a sua aplicação se dá sob a forma menor, aplicação que dispensa os pressupostos estudados em relação ao aspecto maior da disregard doctrine. Como método de estudo, buscou-se bibliografia que aponta a síntese das correntes doutrinárias e variadas opiniões que buscam configurar as possibilidades de aplicação da doutrina, uma vez que, por ser uma composição jurisprudencial e doutrinária, mereceu apurado estudo histórico e inúmeras modificações em relação às formas como vem sendo aplicada. Em função da importância dada pelo sistema jurídico pátrio aos direitos trabalhistas, garantidos pela Constituição Federal e pela dimensão econômica que o tema abrange, espera-se com este estudo colaborar com o necessário debate para a compreensão e o desenvolvimento do tema.

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

2.1 A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TEORIA

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, embora seja utilizada com maior freqüência modernamente, não tem seu nascimento em um passado recente. A primeira aparição da teoria que se tem notícia, de acordo com Gilberto Gomes Bruschi, data de 1809 e ocorreu nos Estados Unidos da América, no caso Bank of United States vs. Deveaux, no qual, apesar da discordância dos doutrinadores da época, foi levantado pelo judiciário o manto da personalidade jurídica para considerar as características dos sócios. Nesse caso, não houve exatamente a efetiva desconsideração e sequer buscava-se algo semelhante; no entanto, a lide passava por este aspecto e o estudava de forma aprofundada, havendo tão-somente a intenção de preservação da jurisdição das cortes federais em relação às corporations.

Apesar de a disputa judicial ter seu ponto central focado em questões acerca da jurisdição, também foram tratados especificamente dois pontos ligados à personalidade e à capacidade jurídica: o de que uma corporação composta por cidadãos de um Estado pode processar um cidadão de outro Estado nos tribunais federais e o da limitação imposta pelo artigo 3.º, seção 2, da Constituição Federal americana.  Tem-se que tal discussão, assim como outras suscitadas à época, é oriunda de problemas relacionados aos efeitos gerados a partir da Guerra da Secessão norte-americana. Por se tornar, os Estados Unidos da América, um país fortemente industrializado, cresceu a importância do direito como regulador das relações internas. Tal fato se relaciona com o sistema jurídico daquele país e tem ligação direta com as lides concretas derivadas daquele fato social, ou seja, o saldo da guerra.

Como se disse, não houve um estudo prévio, ao menos nas origens da teoria, sobre as possibilidades de prevenção a abusos econômicos a partir da personalidade jurídica das sociedades mercantis, ocorrendo então a utilização da disregard doctrine de forma prática a partir do caso narrado. Apesar da referência feita em relação ao caso norte-americano, a maior parte da doutrina consultada, equivocadamente, tal como afirma Flávia Maria de Morais Geraigire Clápis, apresenta como o caso de maior repercussão no direito internacional e como grande marco da teoria da desconsideração da personalidade jurídica o de Salomon x Salomon & Co, ocorrido na Inglaterra em 1897, 88 anos após a discussão jurídica americana já citada. Apesar de não haver consenso doutrinário em relação a ter sido positivo ou não o resultado deste julgado, foi nesse caso que se discutiu abertamente sobre a comunicação patrimonial dos bens da pessoa jurídica e dos bens do sócio. O caso, que a seguir será narrado, teve decisão importante em primeira instância, onde foi efetivamente desconsiderada a personalidade jurídica da companhia Salomon & Co, apesar de ter sido tal decisão revertida posteriormente. Aaron Salomon, juntamente com sua esposa e quatro filhos, constituiu a empresa Salomon & Co, mantendo-se detentor do controle acionário e dando a cada integrante da família uma única ação, tendo feito isto tão-somente para atender a uma exigência legal britânica para a formação de uma sociedade limitada.

Tanto a High Court quanto a Court of Appeal, em esfera recursal, deram ganho de causa à sociedade, uma vez que o sócio majoritário havia utilizado-a com a finalidade de fraudar os credores, sendo Aaron Salomon condenado ao pagamento de quantia determinada. Ocorre que Aaron Salomon era o único credor da sociedade com garantias reais e, ao cobrar empréstimo que ele mesmo fizera à sociedade, levou-a à falência. Desta forma, tinha seu crédito garantido em detrimento aos créditos de todos os outros credores da empresa. Diante desta constatação, além de ter negada a garantia de seus créditos perante a sociedade, Aaron Salomon foi condenado a pagar de seu patrimônio pessoal as dívidas dos demais credores da Salomon & Co, tendo sido fundamentada tal decisão exatamente na confusão de personalidade entre a empresa e a pessoa física de seu dirigente. O direito daquele país possui as suas bases ligadas ao sistema da Common Law, com regras que permitem aos tribunais restabelecer de forma imediata as lesões sofridas pelo direito e aplicar imediatamente e de forma efetiva as decisões para a solução do caso concreto, diferente do que ocorre em países cuja origem do direito é romano-germânica, sistema no qual as regras são formuladas para uso futuro, como no Brasil. Os tribunais ingleses, apesar de terem sido inovadores na apreciação da doutrina, não a utilizaram, retardando voluntariamente, desta forma, o seu desenvolvimento.

A teoria voltou a ser estudada com mais profundidade na Europa Continental, especialmente na Alemanha, em virtude da grande quantidade de fraudes percebidas no sistema jurídico daquele país envolvendo a personalidade jurídica. Em 1912, o jurista americano Wormser iniciou os estudos sobre a teoria da desconsideração, entendendo ser pertinente o seu uso quando constatada a utilização do conceito de pessoa jurídica (corporate entity) para realização de fraude a credores, subtração de obrigações existentes, desvio da aplicação da lei, construção e proteção de monopólios, entre outros fatores.  Leandro Martins Zanitelli informa que, nos anos 50, na Alemanha, a partir da publicação da obra de Rolf Serick, com o título “Forma e Realidade das Pessoas Jurídicas”, houve forte influência da disregard doctrine sobre a doutrina mundial e também no Brasil, onde tomou contornos muito amplos, sendo necessário distinguir, conforme já citado, a disregard of legal entity – como é tratada a teoria no direito norte-americano – do abuso, mesmo que em grande parte dos casos haja ligação direta entre o abuso e os casos de desconsideração.

No direito pátrio, a teoria se desenvolveu para prevenir o abuso do desvio de finalidade da sociedade comercial para prejuízo de terceiros e fraude à lei, mas tomou conceituação ampliada, segundo o entendimento das diferentes correntes doutrinárias e a interpretação extensiva realizada por alguns ramos do direito calcados, de forma especial, em um direito protetivo em relação à hipossuficiência ou à coletividade, tais como o direito do trabalho, o direito do consumidor, o direito ambiental e o direito tributário, em decorrência da sua importância social. Também este desenvolvimento, dimensionado por construção jurídica, tem sofrido críticas e discussões diversas, em função de que aparenta ser associação livre entre princípios diversos de direito específicos de cada ramo e da conseqüência hermenêutica que esta utilização gera, assunto que será tratado com maior profundidade a partir do segundo capítulo deste trabalho.

Quanto à utilização da teoria no Brasil, Gilberto Gomes Bruschi menciona que o nosso sistema jurídico é de origem romano-germânica, sendo desta forma a sua organização baseada em construções genéricas e abstratas, com raciocínio dedutivo, visando a solucionar problemas futuros. O doutrinador narra ainda haver uma barreira legal no Código Civil de 1916 para a aplicação da teoria, por conta da previsão de distinção entre a pessoa jurídica e seus membros. O primeiro debate acerca do tema foi proposto justamente por Rubens Requião em 1969, em um artigo acadêmico, restando positivado o princípio da autonomia entre a pessoa física e a pessoa jurídica, obrigando – ou permitindo – à doutrina realizar interpretações extensivas acerca do assunto.  Estes conceitos de personalidade da pessoa jurídica em contraposição à personalidade de seus integrantes são muito importantes para a compreensão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e serão analisados com maior profundidade no capítulo seguinte. Entretanto, entende-se que o surgimento de positivação da teoria estudada deu-se com o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078, de 1990, sendo este o marco legislativo inicial da teoria no Brasil.

Contrapondo este entendimento, há menção de autores que consideram que o artigo 2.º da Consolidação das Leis do Trabalho foi o primeiro texto legal brasileiro a acolher a desconsideração da personalidade jurídica, declarando o grupo econômico como responsável pelos débitos trabalhistas de uma empresa que o compõe, caso o patrimônio desta seja insuficiente.  No entanto, autores como Alexandre Couto e Silva e Frederico Silveira e Silva, entre outros, consideram que este texto legal não tem relação direta com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, salientando, entre outros argumentos, que o parágrafo primeiro do mesmo artigo reafirma a independência da pessoa jurídica em relação às pessoas físicas que a compõem.  Outro argumento utilizado diz respeito à forma de responsabilização dos sócios, compreendendo tratar-se o parágrafo 2.º do referido artigo de uma forma de responsabilidade solidária entre a empresa e os sócios. Para a doutrina estudada, a responsabilidade incide na forma subsidiária, uma vez que se faz necessário o esgotamento do patrimônio da pessoa jurídica para que se busque então o patrimônio do sócio. Por se tratar de um tema que merece maior consideração, trata-se a respeito da responsabilização no capítulo III desta monografia, em tópico específico sobre a justiça obreira, uma vez que o mencionado artigo pertence à legislação trabalhista.

2.2 A DISREGARD DOCTRINE

Busca-se neste tópico o aprofundamento do conhecimento em relação à disregard doctrine, sem, no entanto, procurar aprofundar os problemas surgidos a partir da sua criação em relação à hermenêutica jurídica e aos aspectos processuais. Assim, o objetivo é meramente conceitual; entretanto, procura-se demonstrar, anteriormente ao conceito, os aspectos que auxiliaram na construção da teoria.

2.2.1 Conceito e características

Inobstante a necessidade de se observar os diversos aspectos que envolvem o tema, é importante para a composição do raciocínio a percepção de como se constitui uma pessoa jurídica e a observação de alguns aspectos relevantes que a permeiam, para então chegar-se ao conceito de desconsideração da sua personalidade. Para obtenção do conceito de empresa, faz-se necessário antes definir o que é empresário e o que é estabelecimento. Para Marcia Mallmann Lippert, há grande confusão relacionada aos conceitos de empresa, empresário e sociedade empresária, que eventualmente são acrescidos pela avaliação daquelas sociedades que não se constituem como empresárias, tais como as de cunho artístico e intelectual. Assim, procura a autora conceituá-los e avaliá-los:

[...] é empresário ou empresária toda pessoa física ou toda sociedade que exerce profissionalmente uma atividade, por meio de organização dos fatores de produção (mão de obra e capital) em atividade, e desde que tenha assumido o risco do empreendimento. De qualquer sorte, este empresário do novo Código Civil, cuja obrigação de assunção do risco da atividade não está expressamente prevista, pode ser representado na categoria de pessoa física sob a personalidade de sua pessoa natural. Neste caso, o reflexo no seu patrimônio individual se dá na totalidade, haja vista a teoria da unidade patrimonial, que se traduz em ‘para cada pessoa corresponde um patrimônio’. Já a sociedade empresária goza de personalidade jurídica distinta de seus sócios, de forma que podemos classificá-la pelo critério da responsabilidade de seus sócios perante as obrigações sociais. [...].

Também é necessário o levantamento das características apregoadas pelo artigo 966 do Código Civil brasileiro de 2002. Na interpretação do referido artigo, compreende-se por “exercer profissionalmente” os atos de deter o monopólio das informações, assumir os riscos do empreendimento, como titular, para a tomada de decisões e para a representação, sendo necessária a habitualidade.  Ainda, entende-se como “atividade” o conjunto de atos praticados na sociedade e o complexo de relações jurídicas existentes naquela relação. O termo “econômica” diz respeito à atividade de produzir e circular riquezas, de exercer as tarefas e projetos com o intuito de obter lucro. Convém salientar que a questão do lucro está diretamente relacionada ao risco, sendo entendida também como uma forma de compensação, pois é observado na composição do preço dos produtos e na definição da qualidade do serviço, conforme segue:

Sabe-se que o preço do produto ou serviço é constituído – em termos bastante simplistas – pelo resultado da soma de dois elementos, o custo e o lucro. Por conseguinte, o lucro de um produto ou serviço leva em consideração muitos outros elementos, como originalidade, inovação, escassez, custo de desenvolvimento – que se diferencia do custo de produção e o elemento risco. O risco é inerente ao comércio e, principalmente, determinante no preço do produto ou serviço. Desta forma, quanto mais arriscado for produzir ou prestar um serviço maior deverá ser o lucro.

Por fim, o termo “organizada” remete à maximização de recursos, à impessoalidade dos atos e à ordenação dos fatores de produção para a obtenção do produto ou do serviço que oferecerá ao mercado. Para Fábio Ulhoa Coelho, empresa é uma atividade que tem na sua essência o lucro oriundo de serviços ou de produtos que são ofertados ao mercado a partir da organização dos fatores de produção, quais sejam, a “força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia”.  Menciona o autor que existem quatro diferentes perfis de empresa:  o perfil subjetivo, no qual a empresa é vista como empresário, que exerce atividade autônoma, organizadora do trabalho e assumidora de riscos;  o perfil funcional, onde o conceito de atividade se confunde com a própria empresa, ou seja, a empresa é vista pelo que oferta ao mercado, ou pela sua operacionalidade;  o perfil patrimonial ou objetivo, que diz respeito ao estabelecimento, visto aqui como um complexo de bens; e  o perfil corporativo, no qual a empresa é considerada como uma instituição que reúne pessoas, as quais, independente da sua função, tanto empregados, quanto sócios, possuem um propósito comum.

Fábio Ulhoa Coelho afirma que apenas o perfil funcional corresponde a um conceito jurídico próprio acolhido pela maior parte da doutrina nacional. Assim, empresa e empresário tornam-se apenas conceitos jurídicos. Para uma melhor composição do funcionamento de uma pessoa jurídica que oferece bens ou serviços, salienta o autor:

É fato que muitos interesses gravitam em torno da empresa, isto é, muitas pessoas, além dos sócios da sociedade empresária, têm interesse no desenvolvimento da atividade empresarial. Assim, figura com crescente importância, entre os fundamentos da disciplina jurídica da atividade econômica da atualidade, o princípio da preservação da empresa, isto é, do empreendimento, da atividade em si.

Uma pessoa jurídica pode ser constituída, lato sensu, como sociedades de pessoas ou como sociedades de capital. No primeiro caso, é importante a observação de que as características pessoais dos indivíduos que a compõem são, senão o mais importante, ao menos um dos aspectos mais importantes, traduzido pela expressão affectio societatis, que é a manifestação do desejo de compor uma sociedade com uma finalidade comum, calcada nas aptidões pessoais.  O instituto da affectio societtatis estaria estabelecido pela expressão “reciprocamente se obrigam”. Considera-se mais que a simples assinatura no contrato, e o intuito de cooperação, feita de forma ativa, forma um elo de confiança mútua e um ato de cooperação conjunta. Também assim prevê o Código Civil brasileiro em seu artigo 981.  É pacífica na doutrina a caracterização de uma sociedade empresária; no entanto, no que tange ao artigo 981, há crítica quanto à não-manifestação de que a partir da celebração do contrato de sociedade dá-se o nascimento de um sujeito de direitos e obrigações: a pessoa jurídica. Nas sociedades de capital, tal fator também existe; no entanto, nas sociedades de pessoas é fator preponderante. Aquelas se caracterizam pelo fator econômico; não há este caráter de pessoalidade, estando os sócios ligados pela composição de cotas acionárias, assim como o seu relacionamento é regido preponderantemente por estatutos.

Nesse caso, a affectio societatis tem sua importância diminuída. Necessária à compreensão do tema é também a distinção entre pessoa jurídica e pessoa física, que serve como base para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em relação aos seus pressupostos. José Alberto Marques Moreira salienta que ainda não se chegou no Brasil a um conceito teórico perfeito em relação à pessoa jurídica, frente às diversas correntes doutrinárias existentes. Narra, corroborando com o pensamento dominante, que, inicialmente, na atividade comercial, não existia a ótica sobre a personalidade jurídica da empresa como uma aptidão para a titularidade de direitos e deveres, havendo somente uma universalidade de bens. 

Posteriormente, vislumbrou-se uma co-propriedade de bens, o que fazia com que os vários indivíduos que eram proprietários dos bens agissem em conjunto, porém, pela ausência da conceituação de pessoa jurídica, os titulares de direitos e deveres eram as próprias pessoas físicas envolvidas. Salienta ainda que a pessoa jurídica, tal qual é vista hoje, é um mecanismo técnico, ou seja, uma construção teórica que inicialmente era difícil de ser realizada, especialmente pela ausência de noção de patrimônio coletivo. O autor entende que a pessoa jurídica, por ser titular de direitos, possui também direitos de personalidade e podendo ser vítima inclusive de crimes. Sobre a origem deste importante conceito, refere o autor:

Devido à necessidade dos indivíduos conjugarem esforços para a consecução de objetivos comuns ou até mesmo por interesse social, o direito equipara, de certa forma, esses agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais à própria pessoa humana, atribuindo a esses entes abstratos personalidade e capacidade de ação. Dessa forma, surgem as pessoas jurídicas, ora de um conjunto de pessoas, ora de destinação patrimonial. Porém, conforme o art. 20 do CC, a ‘pessoa jurídica tem existência distinta da dos seus membros’; o que se quer dizer é que as pessoas jurídicas têm capacidade de direito, que as pessoas jurídicas são pessoas.

No entanto, o autor faz ressalvas quanto às exceções possíveis aos direitos das pessoas jurídicas, como suceder legitimamente, pretender alimentos, fazer testamento, ser acionista de empresas de telecomunicações, entre outras previsões legais. Deve-se distinguir inicialmente o conceito de pessoa jurídica do da natural. A palavra “pessoa” em sentido técnico remete à titularidade de capacidade jurídica, e a palavra “jurídica” quer designar coletividade de indivíduos, ou seja, sociedades. Tal separação só é possível sob o ponto de vista formal. Materialmente, a separação dos conceitos é extremada, pois a ordem jurídica distingue nitidamente um conceito do outro.    Questiona-se a titularidade da pessoa jurídica quanto aos direitos de personalidade, ficando clara a diferença de tutela que se dá às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, cujo direito à honra diz respeito mais à organização. Leandro Martins Zanitelli utiliza o termo “honra patrimonializada”, relacionando como bem tutelado o bom andamento dos negócios. Nesse mesmo sentido, questiona a possibilidade de compensação por dano moral à pessoa jurídica, ao contrário da Súmula n.º 227 do Supremo Tribunal Federal, cuja aplicação considera indevida, pois tal compensação tem fundamento na dor, podendo ser reconhecida apenas às pessoas naturais, por questões biológicas que parecem óbvias. Chega-se à conclusão de que a pessoa jurídica pode ser definida como “organização dotada de capacidade jurídica”, sendo assim necessário, como forma ideal, separá-la das pessoas naturais que compõem e dirigem a empresa. Vem daí a importância da denominação do princípio da separação, chamado pela doutrina alemã de trennungsprinzip, consagrado no artigo 20, caput, do antigo Código Civil brasileiro. 

Desta forma, considera-se que a limitação da responsabilidade dos membros pelas dívidas da pessoa jurídica é uma possível conseqüência da separação entre os conceitos. Sendo assim, a responsabilidade sobre as dívidas recai sobre o patrimônio da pessoa jurídica, e não dos sócios. Trata-se, portanto, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, de uma exceção aplicada somente de forma subsidiária, mesmo que sejam utilizados critérios objetivos para sua decretação, como na teoria menor, que corresponde a uma separação doutrinária existente que diz respeito à configuração das condições necessárias para que seja alcançado o patrimônio pessoal do sócio de sociedade mercantil. Segundo Frederico Silveira e Silva, existe previsão legal para a separação dos conceitos de responsabilização dos sócios, que pode se dar de forma solidária, como nos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho, e de forma subsidiária, que é a responsabilização advinda da desconsideração da personalidade jurídica. A solidariedade não permite a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois com isto estaria ferindo “tanto a natureza da responsabilidade solidária como a técnica da desconsideração”. 

Em relação ao conceito de pessoa jurídica, Rubens Requião considera que são “organismos econômicos que se concretizam da organização dos fatores de produção e se propõem a satisfação das necessidades alheias e, mais precisamente, das exigências do mercado geral”.  Narra que, para os economistas clássicos do século XIX, era exaltada a figura do empresário como um eixo que adapta os recursos às necessidades sociais e paga os trabalhadores dos quais é chefe. Para os socialistas – reformadores –, estariam os grandes empresários no centro da sociedade. Para o autor, a empresa então passa a ter um papel de organizadora dos fatores de produção. Posteriormente, a empresa é vista como organismo econômico fundado em princípios técnicos e leis econômicas. Na forma objetiva, combina elementos pessoais e reais para alcançar um resultado econômico pela especulação de uma pessoa, o empresário, ao qual a empresa está diretamente ligada, necessitando de seus impulsos para pleno funcionamento. Este conceito está assentado na noção econômica. No entanto, não há uma conceituação jurídica nacional própria para a empresa, havendo certo constrangimento dos juristas, na sua opinião, em não conseguir criar um conceito próprio para empresa e ter que transpassar o conceito dos economistas para a doutrina jurídica. 

Comenta que o Código Civil não conceitua empresa, apenas define a figura do empresário no artigo 966 e do estabelecimento no artigo 1.142.  Avalia, ainda, citando a doutrina, que é necessário um esforço maior dos juristas na conceituação, uma vez que eles não devem se contentar com uma simples descrição, mas sim esmiuçar os elementos constitutivos da empresa e analisar as regras jurídicas que regulam a relação desses elementos entre si, além de verificar a natureza jurídica na qual estão inseridos e verificar se estão ligados por direitos reais ou relações de obrigação ao mundo exterior. Quanto à pessoa jurídica, consta que é um ente ideal, racional e abstrato pertencente a um mundo de instituições ideais que se destinam a uma existência duradoura. Este ente pode ser formado por pessoas ou por bens. Além disto, a pessoa jurídica tem uma existência distinta dos seus integrantes, com um objetivo que resulta do objetivo destes.  As pessoas jurídicas de direito privado, que são as atingidas de fato pela desconsideração da personalidade jurídica, são originárias da vontade individual. Sua existência tem previsão no artigo 44 do Código Civil brasileiro, podendo dividir-se em associações, sociedades, fundações, organizações religiosas e partidos políticos.  Dentre as sociedades, as que de fato interessam ao presente trabalho são as sociedades mercantis, que possuem intuito lucrativo. Ainda, procura-se concentrar o estudo nas sociedades limitadas, pois são as que possuem maior incidência da aplicação da disregard doctrine, até em função de sua utilização freqüente em outros tipos sociais. Busca-se, assim, síntese em relação ao conceito e à organização destes entes:

As sociedades mercantis constituem-se por diversas formas típicas originárias do Direito Comercial, conforme a responsabilidade de seus sócios, solidária ou não, ilimitada ou não, dentro de determinado capital, para cuja formação concorrem os sócios, os quais podem concorrer, também, apenas com sua atividade, seu trabalho. As sociedades anônimas têm sempre finalidade mercantil. As demais formas de capital podem ser comuns tanto às sociedades e associações civis quanto às sociedades mercantis, embora, na prática, nas associações mercantis, os sócios não respondam, via de regra, pelo capital social com seu próprio patrimônio, embora isso deva constar dos atos constitutivos. 

Quanto à conceituação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, entende-se que é a possibilidade de autorizar o juiz a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, quando houver fraude ou abuso de direito em relação aos que a integram. Ainda, que tal teoria visa apenas à declaração de ineficácia da personalidade jurídica, e não a anulação da personalidade dela, tão somente por utilizar-se indevidamente de tal pressuposto, visando a lesar terceiros ou violar a legislação de forma deliberada, para benefício dos que a compõem.

O mais curioso é que a disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas sòmente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas e bens que atrás dela se escondem. É caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo todavia a mesma incólume para seus outros fins legítimos. 

Leandro Martins Zanitelli avalia a finalidade da separação entre os sócios e a pessoa jurídica. Salienta que a separação é feita para que haja solução de continuidade na pessoa jurídica, caso seja realizado o afastamento de um sócio, de alguns sócios ou mesmo de todos os sócios do empreendimento, demonstrando a independência da organização com relação aos elementos que a constituem, o que é desejado e valorado pela ordem jurídica. Teria para este autor também a finalidade de comodidade, permitindo uma diferenciação clara entre as situações subjetivas que envolvem os sócios e aquelas que não envolvam esta condição. As seriam situações que envolvem a própria pessoa jurídica e confundem-se diretamente com ela. No entanto, faz a ressalva de que esta separação não pode ser relativizada. Salienta que invocar-se a separação quando não está ameaçada a continuidade da pessoa jurídica seria abuso, pois aí estaria configurada a dissimulação da figura do sócio, uma vez que:

Se os direitos e situações ditos da pessoa jurídica são, materialmente, direitos e situações dos membros da pessoa jurídica, assim separados apenas para facilitar-lhes o tratamento, essa separação não pode ser vista sob hipótese alguma como inarredável.

Leandro Martins Zanitelli continua o raciocínio avaliando que Desta forma, esclarece tratarem-se de dois temas ligados, porém distintos, o do abuso da pessoa jurídica e o da desconsideração da personalidade jurídica, distinguindo nesta última, duas espécies. A primeira é a da desconsideração da limitação de responsabilidade e a segunda, a desconsideração da separação que há entre a pessoa jurídica e seus sócios. A desconsideração em relação à limitação ocorre quando, esgotados os bens da pessoa jurídica, as obrigações atingem os bens dos sócios. A desconsideração da autonomia se dá quando se referem a um, a alguns ou a todos os sócios direitos ou situações que, em condições normais, estariam ligadas diretamente à pessoa jurídica ou o contrário. A teoria da desconsideração também é utilizada no direito italiano (teoria do superamento della personalità giuridica); no direito alemão (Durchgriff der Juristischen Personen); no direito francês (abus de la notion de personnalité sociale ou mise à l'écart de la personnalité morale). Resume-se seu conceito como uma forma de alcançar o patrimônio dos sócios quando estes utilizaram ardilosamente a pessoa jurídica, salientando-se:

Não se trata de uma agressão à estrutura formal da pessoa jurídica. Trata-se, isso sim, de anular fraude à lei consumada mediante o emprego de tutela especial que a lei confere às pessoas jurídicas. Trata-se enfim, de a hipótese de uma sociedade mercantil ser usada para fins contrários ao direito.   

Gilberto Gomes Bruschi cita que o renomado jurista alemão Rolf Serick, na década de 50, estudando casos alemães e americanos, adotando como parâmetro a doutrina denominada de penetração na pessoa jurídica, sistematizou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.  Considera que, havendo abuso da manipulação da pessoa jurídica, fugindo a obrigações legais ou de contratos ou lesando terceiros, a personalidade jurídica seria descartada. Cita, ainda, três características para configuração do instituto: a primeira seria a necessidade de se fazer prevalecer o princípio da autonomia da pessoa jurídica, salvaguardando-a de manipulação e abuso, sendo pressuposto a existência de ilicitude para haver a desconsideração; a segunda seria a de que se aplicam também à pessoa jurídica, em tese, as normas destinadas às pessoas físicas; e por fim que devem estar nítidas a figura da pessoa jurídica e dos integrantes desta nos negócios entre eles. A maior parte dos doutrinadores pesquisados, ao caracterizar a teoria da desconsideração, menciona os aspectos que deram origem à preocupação em relação ao tema, tais como a confusão patrimonial, a fraude, o abuso da personalidade jurídica, o desvio de finalidades da sociedade comercial, incluindo-se aí a função social do contrato, entre outros. Rubens Requião também contempla em seus estudos estes aspectos:

E assim, tanto nos Estados Unidos, na Alemanha ou no Brasil, é justo perguntar se o juiz, deparando-se com tais problemas, deve fechar os olhos ante o fato de que a pessoa jurídica é utilizada para fins contrários ao direito, ou se em semelhante hipótese deve prescindir da posição formal da personalidade jurídica e equiparar o sócio e a sociedade para evitar manobras fraudulentas. 

O novo texto legal do artigo 50 do Código Civil brasileiro extinguiu alguns defeitos antigos existentes, mas não faz referência expressa à desconsideração episódica da personalidade. O mesmo não acontece em relação ao artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. A teoria foi consagrada pelo legislador e estabelece uma correta separação entre a desconsideração da personalidade jurídica e outras figuras da legislação como a dissolução da pessoa jurídica ou a anulação dos atos da pessoa jurídica. A teoria também não acarreta necessário prejuízo à pessoa jurídica, uma vez que o instituto busca a preservação da personalidade jurídica na prática de seus atos legítimos.  Assim, é clara a imposição legal da existência de fraude ou do abuso de direito, contemplando desta forma as hipóteses que incidem na teoria subjetiva e na teoria objetiva, as quais serão estudadas com maior profundidade a partir do próximo capítulo. Leandro Martins Zanitelli também destaca duas espécies de desconsideração que seriam análogas às espécies de abuso da personalidade jurídica, quais sejam, a desconsideração de limitação da personalidade e a desconsideração da separação que há entre a pessoa jurídica e seus sócios. 

A primeira ocorre sempre que se esgotam os bens da pessoa jurídica e passam a ser executados os bens dos sócios.

A segunda hipótese ocorre toda vez que direitos ou situações subjetivas, que em condições normais seriam atribuídas à pessoa jurídica, são referidas a um ou a totalidade dos sócios, ou, ainda, de forma inversa. Afirma ainda que a desconsideração não se dá somente em virtude do abuso, sendo habitual também a ocorrência nas dissoluções irregulares de sociedades, o que não pode ser considerado abuso em relação ao exercício de direitos ou situações pertinentes ao sócio, apesar de contrário à lei. É também uma característica importante a não-aplicação do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, e, em verdade, o que se busca com a teoria que aqui se estuda é somente a ineficácia da personalidade jurídica para o caso específico, a contrario sensu da invalidade da sociedade, salientando-se a diferença entre os dois institutos.

Assim, como ineficácia, faz-se necessária a análise paralela entre a desconsideração e a fraude à execução a que faz previsão o Código de Processo Civil brasileiro em seu artigo 593. A desconsideração é uma maneira de recusar os efeitos do ato constitutivo da sociedade, mantendo estes válidos e eficazes às pessoas que não participam daquela relação cujo instituto tutela, pois a pessoa jurídica se tornará apenas relativamente ineficaz:

A desconsideração está intimamente ligada à fraude à execução, pelo menos no que diz respeito aos seus fins e à forma de sua aplicação [...]. Traduz-se na declaração de ineficácia da personalidade jurídica, para certos efeitos, conservando-se o ente coletivo absolutamente apto a prosseguir suas atividades, desde que lícitas. 

Márcio de Souza Guimarães salienta que, via de regra, deverá ser considerada a personalidade jurídica da empresa, prevalecendo especialmente a separação patrimonial entre a empresa e seus sócios.  Considera a teoria da desconsideração da personalidade jurídica uma exceção, em concordância com Rolf Serick e Rubens Requião, não podendo assim a inadimplência, a falência, a insolvência ou a mera insuficiência patrimonial serem por si sós motivos para a desconsideração, sendo, na sua opinião, o artigo 28 da Lei n.º 8.078, de 1990, o elemento motivador de tal confusão doutrinária e, por conseqüência, jurisprudencial. No entanto, há entendimento de que não pode somente a existência de dívida em prejuízo de terceiro por parte da pessoa jurídica suscitar o alcance do patrimônio dos sócios como forma de garantia do débito, em razão da autonomia patrimonial inerente ao instituto.  Assim sendo, assevera ser necessário, em função da interpretação da vontade do legislador, que tal adoção se dê com fulcro na verificação de má administração e, ainda, que este aspecto tenha o intuito de assim ser, desconsiderando, portanto, a inaptidão para os negócios ou eventuais insucessos, o que resulta em um necessário saldo de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Entretanto, a jurisprudência nacional, frente aos princípios de proteção aos hipossuficientes, mormente na justiça trabalhista, parece desconsiderar qualquer fator externo que envolva a administração, tratando o tema de forma objetiva, alcançando o patrimônio dos sócios toda vez que o patrimônio da sociedade mostrar-se insuficiente – ou inexistente – para a garantia do crédito do trabalhador. Também na esfera dos direitos do consumidor, observa-se que não se trata de uma preocupação com a má administração, mas sim com o fato de que, entre sacrificar o patrimônio do consumidor e sacrificar o patrimônio do empreendedor, no caso de prejuízo em que a sociedade não possa arcar, é escolhido o prejuízo do último, muito em função da hipossuficiência econômica do primeiro.

3 AS TEORIAS ACERCA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

3.1 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA – A TEORIA MAIOR E A TEORIA MENOR

É importante destacar, ao iniciar o estudo deste capítulo, que, por ser a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, inicialmente, uma construção jurisprudencial desenvolvida a partir de um sistema jurídico diverso do sistema pátrio, não existe na doutrina uma sistematização conceitual muito diversificada, e a maior parte dos autores, ao tratar do tema, cita Fábio Ulhoa Coelho e a sua formulação das teorias maior e menor acerca da disregard doctrine. Assim, no intuito de um melhor esclarecimento sobre o assunto, apresentam-se pontos de vista diversos em grande parte influenciados por este autor e busca-se concentrar esforços nos variados aspectos que envolvem o tema, apresentando as idéias divergentes sobre esses mesmos aspectos. Fábio Ulhoa Coelho refere que a primeira, chamada de teoria maior, é mais elaborada, de maior abstração e que requer a comprovação de manipulação fraudulenta ou abusiva da pessoa jurídica pelos sócios.  Quanto à teoria menor, refere que é de menor elaboração, em que a desconsideração se dará em qualquer hipótese, mediante a simples insatisfação do crédito devido. Explica o autor que esta separação se dá porque a expressão desconsideração, no que diz respeito ao direito societário brasileiro, tornou-se ambígua, possuindo dois significados diferentes, o que exige dos que estudam a matéria um maior cuidado na conceituação. De fato, a aplicabilidade da teoria no direito brasileiro se mostra ambígua, corroborando com o pensamento do autor. É o que se pode depreender de recentes julgados, em matérias distintas, do Superior Tribunal de Justiça. Apenas para exemplificar, cita-se recurso especial, do qual foi relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, em que a desconsideração da personalidade jurídica é tida como uma exceção, até mesmo nos casos em que se trata de grupo econômico, sendo necessária a comprovação dos pressupostos elencados no estudo da doutrina maior de Fábio Ulhoa Coelho, quais sejam, a fraude, o abuso de direito e a má-fé com prejuízo a credores, além da confusão patrimonial. Em decisão da mesma Corte, da qual foi relator o Ministro Ari Pargendler e que tratava de direitos do consumidor, a decisão foi em sentido contrário, visando ao alcance do patrimônio dos sócios, baseada no artigo 28, parágrafo 5.º, do Código de Defesa do Consumidor, bastando que a personalidade jurídica do empreendimento fosse obstáculo para o ressarcimento dos credores, conforme trecho que se transcreve:

A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos credores.

Quanto à classificação doutrinária de Fábio Ulhoa Coelho a respeito das teorias maior e menor, conforme a avaliação de Norberto da Costa Caruso Mac-Donald, nem sempre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica servirá para proteger terceiros credores da sociedade ou dos sócios, sendo possível de ser aplicada justamente em sentido contrário, protegendo os sócios de que terceiros tirem vantagem indevida em prejuízo daqueles. Os casos em que a disregard of legal entity pode ser usada para favorecimento dos sócios, no entanto, são bem mais difíceis de ser encontrados, e são raros os exemplos trazidos pela doutrina. No entanto, em linhas gerais, tais casos estariam presentes no sentido de estender à pessoa jurídica benefícios próprios da pessoa física dos sócios, especialmente naqueles em que a estrutura da pessoa física está em forte conexão com as características do empresário, como no caso das microempresa. Em síntese, na teoria menor, os sócios serão responsabilizados toda vez que houver dívida e que os bens da pessoa jurídica não forem suficientes para saldar, alcançando créditos de qualquer natureza quando houver simples insolvência.

Quanto à teoria maior, se faz necessária a prova de fraude na utilização da personalidade jurídica da sociedade.  Conveniente salientar desde já que existe ainda a classificação doutrinária em relação à teoria maior da desconsideração, que se subdivide em subjetiva, a qual necessita de provas quanto à fraude e ao abuso de direito, e objetiva, que se baseia-se em indícios de fraude ou abuso. Há ainda uma discussão relevante levantada pelos estudiosos do assunto no que diz respeito à natureza de tal responsabilidade, ou seja, se ela seria solidária ou subsidiária. Trata-se de um aspecto importante, uma vez que tem a possibilidade de mudar o rumo processual da lide. Norberto da Costa Caruso Mac-Donald afirma, neste sentido, que, antes de aprofundar o aspecto da disregard doctrine, é cabível o estudo de distinções preliminares. A primeira delas diz respeito à avaliação análoga, pois não trata ainda da desconsideração, mas sim da necessidade de distinção entre o instituto da solidariedade e o instituto da subsidiariedade.

Trata-se de situações em que a lei, ainda que não desconsidere a personalidade jurídica, reconhecendo a autonomia da pessoa jurídica, portanto, e geralmente no intuito de proteger terceiros, positiva os casos em que os sócios serão solidários e os casos em que serão subsidiários das obrigações assumidas pela pessoa jurídica. Genacéia da Silva Alberton, ao analisar a desconsideração da personalidade jurídica em relação ao Código de Defesa do Consumidor, especialmente quanto às sociedades controladas, diz que, nesses casos, a responsabilidade é subsidiária, sendo necessário que primeiramente esteja impossibilitado o ressarcimento por parte do devedor principal, ou seja, a pessoa jurídica. Portanto, ocorre, em relação às sociedades coligadas ou integrantes de um mesmo grupo societário, um benefício de ordem, correndo assim o consumidor o risco de, em caso de acionar a controladora ou outra empresa do grupo, excluindo a sociedade controlada que deu origem ao débito do pólo passivo da lide, ser alegada ilegitimidade passiva para a causa. No entanto, o que se observa na jurisprudência em relação aos grupos econômicos, especialmente nas relações de trabalho, em função do artigo 2.º, parágrafo 2.º, da Consolidação das Leis Trabalhistas, é que tal responsabilidade é entendida como solidária, e não subsidiária. É o que se pode observar, por exemplo, no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 584.049-1, julgado pelo Supremo Tribunal Federal.  Maurício Godinho Delgado, quanto à responsabilidade do empregador e de grupos econômicos, salienta que a sociedade controlada está presente no pólo passivo da ação trabalhista, sendo oficialmente o devedor principal e também permitida a responsabilização em primeiro plano do grupo econômico de que faz parte a empresa demandada, mesmo que não tenha utilizado diretamente o serviço do reclamante, entendimento sacramentado pela Súmula 129 do Tribunal Superior do Trabalho, colocando portanto o grupo com a qualidade correlata de empregador.

Considera o autor que não é distinta destas responsabilidades a do tomador de serviços nos casos de terceirização ilícita, conforme o entendimento das Súmulas 256, que foi cancelada e revista pela Súmula 331, também do Tribunal Superior do Trabalho, desde que desfeita judicialmente a situação de terceirização.  Ainda sobre este aspecto, Maurício Godinho Delgado, ao avaliar as possibilidades de responsabilização, salienta que estão em primeiro plano, como responsáveis, os empregadores e as entidades integrantes de grupos econômicos; em segundo plano, os sócios das sociedades empregadoras, e, em terceiro, algumas situações correlatas, a responsabilidade nos casos de terceirização, incluindo os de trabalhadores temporários, subempreiteiro e dono da obra, sendo este último, especialmente, um grande debate hermenêutico existente; e, ainda, existir um outro grupo, o de consórcio de empregadores. Sem a pretensão de esgotar o tema, surge também, durante os estudos para apresentação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, outra importante discussão: a de qual o momento ideal – assim como a forma da ação – para argüição da disregard doctrine. Tal discussão busca definir se há ou não necessidade de uma ação autônoma para que seja declarada a desconsideração, ou se esta pode ser argüida durante a fase de execução do processo. Leonardo de Faria Beraldo entende ser possível desconsiderar a personalidade jurídica durante o processo de execução e apresenta três motivos distintos, quais sejam: primeiro, nem toda execução precede de um processo de conhecimento, haja vista a existência de processo de execução de título extrajudicial.

Sendo assim, torna-se desnecessário um processo autônomo como garantia do contraditório e da ampla defesa, que estão garantidos em um processo de execução. O segundo argumento é o de que é justamente na fase de execução que se tem certeza sobre a solvência – ou insolvência – da pessoa jurídica, sendo esse o momento ideal para a formulação do pedido de desconsideração. Por fim, o terceiro argumento, de que a exigência de um processo cognitivo completo para só então poder ingressar no patrimônio dos sócios tornaria inviável a sistemática do processo de execução. No entanto, ressalva também que se faz necessária a citação dos sócios, uma vez que a decisão repercutirá em seu patrimônio e eles são até então estranhos à lide, sob pena de nulidade, uma vez que, sem a citação, não há relação processual. Em relação ao momento da argüição, Claucio Mashimo questiona se deve ocorrer quando da percepção do concilium fraudis ou se seria necessária uma ação autônoma para obtenção da desconsideração. Aponta que algumas decisões entendem que a inexistência de ação autônoma é uma afronta aos princípios do contraditório e do devido processo legal, princípios basilares do Estado Democrático de Direito, defendidos pelo artigo 5.º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal brasileira. No entanto, parece concordar com o entendimento de que na citação do sócio integrante do contrato social da sociedade empresária, mesmo que posteriormente à decretação do levantamento do véu da personalidade jurídica desta, faz-se presente o respeito aos princípios do contraditório e do devido processo legal, restando ainda a possibilidade de determinação de dilação probatória a fim de sanar dúvidas. Anco Márcio Valle considera a possibilidade de ação autônoma desprovida de qualquer sentido, uma vez que os pressupostos que a penetração na personalidade jurídica da sociedade empresária são objetivos e simples, bastando, na sua opinião, a oitiva das partes para a conclusão. 

Fábio Ulhoa Coelho considera imprópria a participação da sociedade empresária no pólo passivo desta demanda, pelo fato de esta vir a ser desconsiderada. Desta forma, se faz necessária ação judicial própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade empresária contra os sócios desta, quando então poderá demonstrar ao juízo os elementos que comprovam e autorizam a disregard doctrine. Adverte ainda que, caso seja indicada no pólo passivo de tal ação a pessoa jurídica, deve a ação ser extinta por ilegitimidade passiva. Por sua vez, Gilberto Gomes Bruschi se filia à corrente que entende ser a forma incidental na execução contra a pessoa jurídica a mais apropriada, com a ressalva de que as pessoas físicas relacionadas com esta, sócios ou administradores e ainda pessoas jurídicas, no caso de grupos empresariais, não devem necessariamente fazer parte do p&am

Assuntos: Desconsideração da Personalidade Jurídica, Direito do Trabalho, Direito Empresarial, Empresarial, Trabalho

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