Racismo pode ensejar indenização

24/10/2013. Enviado por

Racismo gera indenização no Juizado Especial

Uma cliente raizeira vendia suas raízes próximo ao ponto de taxi de um hospital por muitos anos, saliente-se pessoa de pele muito escura.

Um dos taxistas que ali estavam pagou um rapaz para agredi-la fisicamente e ofendê-la de “n.... suja”, usando todo tipo de palavras de baixo calão, entre elas, palavras contra a cor e raça dela.

Na ação indenizatória que correu pelo juizado especial pediu-se uma indenização de R$ 28.880,00 e o magistrado condenou o taxista em R$ 12.900,00. Como expõe a sentença abaixo:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE CUIABA
SEGUNDO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE CUIABÁ

Av. Historiador Rubens de Mendonça, 1894, Bosque da Saúde - Cuiabá

 

 

SENTENÇA

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95.

Trata-se de Ação de Indenização por danos morais em face de ilícito promovido por E V N em face de A P DE A.

A Reclamante alega ter sofrido ofensa verbal e constrangimento por parte do Reclamado, que passou a pressiona-la a tirar seu carrinho de vendas próximo ao ponto de taxi.

Relata que as ofensas iniciaram com indiretas feitas pelo Reclamado como: ?aqui não da para você ficar?, ?você esta incomodando?, chegando ao extremo de sugerir ?eu pago R$ 50,00 para você transar com um taxista aqui do ponto?.

Reporta que no dia 10 de dezembro de 2010, por volta de 12:30min o Reclamado chamou o andarilho, e sugeriu que o mesmo tentasse agarrar a Autora. Relata ainda, que na frente de vários taxistas o Reclamante passou a xingá-la ao gritos de NEGRA VAGABUNDA!!.

Feita audiência de instrução e julgamento, confere-se verossimilhança às alegações da parte Reclamante, onde pode-se confirmar que o taxista atacou a mesma verbalmente, em tom de voz alta, faltando-lhe com respeito e diante de vários pessoas.

Por seu turno, a parte Reclamada limitou-se a negar as alegações contidas na exordial, não logrando em trazer um novo fato, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito alegado pela parte Reclamante.

Isto posto, após uma analise detida dos autos, constato que a parte autora foi submetida à situação vexatória face a conduta desidiosa, preconceituosa do Reclamado, uma vez que utilizou-se de termos pejorativos e de baixo escalão.

Não bastasse isso, a incitação que acabou por fazer junto ao andarilho para constranger a Reclamante, tal fato por si só, fere a honra e alma da Autora que vivenciou todo o constrangimento em público.

Como é sabido, a livre manifestação do pensamento não é princípio absoluto, devendo ser ponderado e compatibilizado com outros direitos fundamentais previstos na Carta Magna, dentre os quais o direito à honra, imagem e dignidade de terceiros.

Daí por que deve o direito coibir condutas como a do Reclamado, em que violado direito alheio.

Destarte, que os atos praticados pelo Reclamado demonstram violação ao patrimônio moral da Autora, uma vez que não se limitou somente a ofensas, foi além, no intuito de lesão a honra desta, com nítido objetivo de retira-la do local próximo ao ponto de Taxi.

Assim, em razão do sofrimento e lesão à honra e reputação, caracterizado está o danum in re ipsa, o qual se presume, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto.

No ensinamento de Rui Stoco tem-se a compreensão da desnecessidade de prova, quando se trata de dano moral decorrente de ofensa à honra:

Não há calúnia, difamação ou injúria sem que o comportamento ultrajante tenha poder de atingir a honra e a imagem da pessoa, como partes substanciais do direito de personalidade. Ofender a honra é o mesmo que ofender a moral ou o patrimônio subjetivo da pessoa. E, nesse caso, basta comportamento ultrajante para caracterizar a ofensa moral, independentemente de qualquer comprovação. (...) (in Tratado de Responsabilidade Civil Doutrina e Jurisprudência - 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011, p. 921)

Então, se o dano moral é decorrência lógica da ofensa à honra, dispensa comprovação, ou seja, emerge in re ipsa do agravo sofrido e será sempre devido.

Sobre a mesma questão, colaciono os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho:

?Essa é outra questão que enseja alguma polêmica nas ações de indenização. Como, em regra, não se presume o dano, há decisões no sentido de desacolher a pretensão indenizatória por falta de prova do dano moral.

Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação, através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorna à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo de tal modo que provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Assim, por exemplo, provada a perda de um filho, do cônjuge, ou de outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre do próprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve seu nome aviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral?. (Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 108).

Dessarte, configurada a obrigação de indenizar pela dor moral experimentada pela Reclamante, passemos à discussão do arbitramento dos danos vexatórios, onde o Código Civil em seu artigo 944 aduz, verbis:

?Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.?

Ainda com relação ao arbitramento dos danos morais, João Casilo in Dano à Pessoa e sua Indenização, RT, 1.997, p. 98, leciona o seguinte:

?É necessário, entretanto, que desde logo, fique claro que, salvo naquelas hipóteses onde a lei expressamente fixe determinados valores ou pontos de referência, sempre prevalecerá a liberdade do magistrado para aferir o dano e indicar a correspondente indenização, isto porque, será muito difícil encontrarem vítimas iguais e danos exatamente equivalentes, em circunstâncias idênticas?.

Nessa mesma esteira de raciocínio, o Magistrado Irineu Antônio Pedrotti em sua obra Responsabilidade Civil, vol. 2, LEUD, 1.990, p. 970, assevera que ?o valor ressarcitório, muito embora difícil de aferição, sem parâmetros estabelecidos, deverá ser levado em consideração, o fato, a mágoa, o tempo, a pessoa ofendida, sua formação sócio-econômica, cultural, religiosa, etc. A lei confere ao juiz poderes para estabelecer valor estimativo pelo dano moral. Tudo dependerá das provas que forem produzidas.?

Sopesando tais orientações e ponderando as circunstâncias do caso, reputo apropriada e condizente a fixação da verba indenizatória por danos morais em R$ 12.000,00 (doze mil Reais), satisfazendo, assim, a justa proporcionalidade entre o ato ilícito e o constrangimento causado, atendendo ao caráter compensatório e ao mesmo tempo inibidor a que se propõe a pretensão indenizatória, nos moldes estabelecidos na Constituição da República, suficiente para representar um desestímulo à prática de novas condutas pelo agente causador do dano.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido e CONDENO o Reclamado a pagar a Reclamante o valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais) à título de dano moral. Saliente-se que os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo índice INPC, contados da data da sentença, mais juros de um por cento ao mês desde a data em que o dano ocorreu, conforme dispõe a Súmula 54 do STJ.

Sem custas e honorários advocatícios.

Após o trânsito em julgado, intime-se o reclamado para cumprimento.

P.R.I.C.

AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JÚNIOR

Juiz de Direito 

Assuntos: Criminal, Direito Penal, Direito processual penal, Indenização, Racismo

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