Possibilidade de endosso com garantia no contrato de factoring

14/08/2012. Enviado por

Analisando o factoring desde o seu surgimento, entre os neo-babilônios, passando pela Idade Média, até a atualidade, busca-se apresentar a evolução histórica desta espécie jurídica

INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem como objetivo principal apresentar o instituto do factoring, apreciando a sua evolução histórica, desde o seu surgimento até os dias atuais, bem como analisar as suas principais características e benefícios para as partes envolvidas.

No primeiro capítulo tratamos da evolução histórica do contrato de factoring. Da sua forma mais rudimentar, nascida em 2000. a.C. entre os neo-babilônios, quando se assemelhava a um contrato de comissão, até os dias atuais onde vislumbramos negócio jurídico que, apesar de suas inúmeras modalidades, apresenta-se como um instituto único, com características e especificidades próprias.

No capítulo segundo fazemos um estudo sobre o contrato de factoring na atualidade, apresentando o seu conceito, as partes que o integram e as diversas modalidades em que pode ser pactuado. Mostra-se que apesar de apenas a empresa faturizada e o faturizador integrarem o contrato, o sacado-devedor possui importância singular no mesmo. Demonstra-se também que o contrato de factoring é uma verdadeira parceria entre empresas, que, além do fomento mercantil, é caracterizado por todo um assessoramento creditíceo ao faturizado.

O funcionamento da operação de factoring, este é o tema abordado no capítulo terceiro. Como funciona, na prática, a faturização: o nascimento do crédito através das operações da empresa faturizada, a transferência do título que representa o crédito e a forma de atuação da empresa de factoring.

No capítulo quarto iniciamos uma abordagem mais profunda sobre a questão mais controvertida do factoring, a possibilidade de regresso da empresa faturizadora contra a empresa faturizada. Tal questão está intimamente ligada ao tema-título da monografia, a possibilidade do endosso com garantia no contrato de factoring, uma vez que é exatamente esta garantia que possibilitará, ou não, à empresa de factoring, atuar regressivamente contra o faturizado no caso de inadimplemento do sacado-devedor.

Por fim, cuida o capítulo quinto de discutir se há a possibilidade do endosso com garantia no instituto do factoring, uma vez que o risco assumido pelo faturizador é a principal característica deste instituto jurídico.

Como se vê, busca o presente trabalho fazer uma abordagem ampla do instituto do factoring, de forma a delinear um panorama geral desta forma negocial. O objetivo, então, não é exaurir o tema, mas, sim, propiciar uma visão ampla do instituto do factoring e discutir a sua principal característica, qual seja, o risco assumido pelo faturizador, representado pela ausência de garantias do endossante do título de crédito, a empresa faturizada.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O Factoring, assim como inúmeros outros institutos jurídicos, não permaneceu inalterado desde o seu surgimento. Os institutos jurídicos nascem a partir de determinadas necessidades de um povo ou sociedade e, com o passar do tempo, se alteram, se aprimoram, se amoldam às novas realidades. Com o Factoring não foi diferente.

A maior parte dos autores, a exemplo de Luiz Lemos Leite, Rogério Alessandre de Oliveira Castro e Luiz Alexandre Markusons sustentam a opinião de que em 2000 a.C., aproximadamente, presenciou-se na cultura neo-babilônica o surgimento de uma rudimentar modalidade de factoring, onde agentes denominados comissários garantiam a cobrança de créditos dos comerciantes, em troca de uma comissão.

Na Roma e Grécia antigas era comum a prática, entre os comerciantes, de incumbir agentes, disseminados por lugares diversos, a guarda e venda de suas mercadorias. Posteriormente, com o apogeu do Império Romano e no intuito de conservar sua hegemonia, tal prática foi aperfeiçoada. Ao mesmo tempo que expandia suas fronteiras, Roma expandia também o comércio para as várias regiões incorporadas ao Império. Assim, tornou-se imprescindível a figura do factor, que nas palavras de Rogério Alessandre de Oliveira Castro, era aquele “comerciante próspero e conhecido de determinada região que se encarregava de promover o comércio local, de prestar informações creditícias sobre outros comerciantes, receber e armazenar mercadorias provenientes de outras praças e fazer a cobrança, mediante pagamento de uma remuneração (comissão)”.[1]

Assim, na Idade Média, tal prática comercial difundiu-se por toda a Europa e intensificou-se com o crescimento do comércio e dos descobrimentos marítimos, que deram azo ao intenso comércio realizado entre metrópoles e colônias.

Arnaldo Rizzardo, em sua obra Factoring, não concorda que o instituto do Factoring remonte a tão longínquas épocas. Segundo ele:

“(...) verifica-se, como se vê, uma confusão do factoring com uma simples garantia. Procura-se encontrar em figuras jurídicas ou formas contratuais próximas, talvez semelhantes, a origem do factoring. Isto especialmente naqueles negócios que apareceram com o desenvolvimento do comércio e o começo da industrialização, quando as mercadorias eram distribuídas a comissários ou representantes, encarregando-se eles de efetuar os pagamentos, ou adiantá-los, e até a efetuar as cobranças. Esta prática de operações foi muito desenvolvida, mas com o significado de os produtores faturar as mercadorias, ou consigná-las, e não como um tipo de transação monetária, em que se negociam os títulos das vendas para conseguir imediata liquidez.”[2]

Na sua opinião, somente quando o factor passou da função de vender e cobrar os preços para a posição de financiador dos comerciantes, ou seja, quando o factor deixou a posição de mero intermediador de negócios para assumir a posição de financiador dos comerciantes, adquirindo o seus créditos, mediante o pagamento dos mesmos em épocas aprazadas mas, via de regra, antes de seu vencimento, é que teria nascido o que conhecemos hoje como factoring.

Em que pese a opinião do eminente jurista, não vemos como concordar com tal ponto de vista. Realmente, encontram-se muitos pontos destoantes entre tal modalidade jurídica surgida em época tão remota e o modelo de factoring dos dias atuais, mas não poderia ser de outra forma. As necessidades comerciais daquela época, evidentemente, também destoavam bastante das atuais. Mas não há como se negar que a prática dos neo-babilônios representa o nascimento desta modalidade contratual, visto que o negócio jurídico realizado por comissários e comerciantes, apesar de não apresentar as mesmas características que definem o factoring atualmente, apresenta vários elementos de sua estrutura básica, dentre os quais a confiança para a troca de créditos como forma de fomentar novos negócios.

Desta forma, não há como se negar que esta incipiente modalidade contratual utilizada primeiramente pelos neo-babilônios e, posteriormente, difundida entre fenícios, etruscos, gregos e romanos, ou seja, por aqueles povos que faziam comércio no Oriente Médio e no Mediterrâneo, constitui o embrião do instituto hoje denominado factoring.

A grande evolução do Contrato de Factoring, da forma rudimentar utilizada na Idade Média até a sua moderna concepção, ou seja, a compra de créditos mercantis coligada com a prestação de serviços de assessoria creditícia, teve como cenário principal os Estados Unidos da América, tendo se consolidado na forma que hoje o conhecemos no final do século XIX e início do século XX.

Enfim, já em meados do século XX, com o desenvolvimento da economia mundial e a necessidade cada vez maior de capital de giro, principalmente pelas empresas de pequeno e médio porte, o Factoring se consolidou também no continente europeu e outros países em expansão, sendo praticado atualmente em mais de 50 países ao redor do mundo.

No Brasil, o instituto do factoring se consolidou no final da década de 1970, concomitantemente ao chamado “Milagre Econômico”, quando a necessidade de capital para o desenvolvimento da indústria e do comércio se tornou indispensável, e as empresas de factoring tornaram-se fundamentais para o desenvolvimento da economia pátria.

Hoje, em todos os países onde o factoring é praticado, é indiscutível a sua importância para o desenvolvimento da economia. É através das empresas de faturização que circula o capital para o fomento da indústria e do comércio, com a transformação de créditos futuros em capital de giro, possibilitando que os consumidores finais tenham maior acesso aos bens de consumo, com a concessão de prazos e facilidades no pagamento.

Atualmente, no Brasil, existe uma série de normas esparsas que de alguma forma se relacionam com o factoring. Como exemplos podemos citar: artigo 28, § 1º, alínea c.4 da Lei 8.981/95; Resolução 2.144/95, do Conselho Monetário Nacional; artigo 15 da Lei 9.249/95; Lei 5.474/68; Decreto 57.663/66; artigo 58 da Lei 9.430/96; artigo 58 da Lei 9.532/97; Decreto 4.494/02; legislação relativa a prestação de serviços, cessão de créditos e vícios redibitórios do Código Civil, entre outras.

Apesar de não vigorar, ainda, nenhuma regulamentação específica para o instituto de factoring, ou Fomento Mercantil, como também é chamado, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei. N.º 230/95 que visa regulamentar de forma definitiva a matéria, eliminando, assim, a necessidade de se observar a enorme gama de normativos jurídicos retro expostos.

2 O Factoring na Atualidade

2.1 Conceito

Se antigamente o incipiente contrato de factoring poderia ser confundido a outros institutos jurídicos, como o contrato de comissão ou consignação de mercadorias, atualmente, após séculos de aprimoramento, dúvidas não há quanto a sua singularidade e particularidades, que o diferenciam de quaisquer outra forma negocial comercial.

De forma geral, consiste o contrato de factoring em uma aquisição, total ou parcial, de créditos faturados por uma empresa comercial ou industrial, por parte de uma empresa fomentadora - a empresa de factoring, que assume os riscos de cobrança e eventual inadimplência do devedor, sem direito de regresso contra a empresa faturizada. Em contrapartida, por assumir tal risco, a empresa de factoring adquire tais créditos com uma redução do valor dos mesmos, podendo ainda receber uma remuneração ou comissão por outros serviços prestados, tais como: gestão de créditos, administração de contas, seleção de riscos, análise de clientes, assessoria contábil, cobrança de dívidas, entre outros.

Ensina o professor Rogério Alessandre de Oliveira Castro:

“(...)podemos afirmar que, atualmente, o factoring é um contrato celebrado entre uma empresa, geralmente aquela que tem carência de crédito junto a bancos, e uma sociedade de factoring em que esta compromete-se a prestar àquela, de forma contínua e cumulativa, serviços de assessoria creditícia, mercadológica e contábil, como condição para compra dos créditos com minimização de riscos e, por conseqüência, dos fatores (taxa de desconto aplicada para compra do título).”[3]

O factoring, assim, se apresenta como uma técnica financeira e como uma técnica de gestão comercial.

Técnica financeira pois vislumbramos a prática de um financiamento, diferente do bancário, posto que a empresa de factoring adquire total ou parcialmente os créditos da empresa faturizada e assume a responsabilidade pela cobrança e os riscos do não pagamento dos títulos, sem ter o direito de regresso, ou seja, a realização de uma aquisição pro soluto.

E técnica de gestão comercial pois verifica-se o assessoramento comercial à empresa faturizada, por parte da empresa de factoring, consistindo o mesmo em apoio técnico, administrativo e gerencial, que vai desde a seleção de clientes até a realização da escrita contábil da empresa faturizada.

Neste sentido, entendemos que existe uma verdadeira parceria entre empresa faturizada e faturizador, uma vez que o crescimento e desenvolvimento das atividades da empresa faturizada, implicam, via de conseqüência, no desenvolvimento dos negócios da empresa de factoring, também chamada de empresa de Fomento Comercial ou Mercantil.

2.2 Sujeitos da Relação Contratual

Como já foi exposto, em suma o contrato de factoring consiste em uma negociação de créditos e prestação de serviços. Tais créditos, representados por títulos cambiais ou cambiariformes, em geral duplicatas, nascem de uma relação comercial preliminar, existente entre a empresa faturizada e seus clientes, ou seja, o sacado da empresa faturizada, consumidores dos produtos ou a quem se destinou a prestação de serviços da empresa faturizada.

Nota-se, portanto, que existe, inicialmente, uma relação entre cliente e empresa faturizada, sendo que o primeiro, sacado da empresa faturizada, tornar-se-á, posteriormente, devedor da empresa de factoring.

Assim, podemos considerar que existem duas partes no contrato de factoring: a empresa faturizada e a empresa factor ou faturizadora.

Empresa faturizada é aquela que vende à empresa de factoring os créditos comerciais que possui contra seus clientes, originados da atividade que exerce, seja comércio, distribuição ou prestação de serviços, a fim de que, em troca do pagamento de uma comissão à empresa faturizadora, esta se encarregue de sua administração, contabilização e cobrança.

Empresa factor ou faturizadora, por sua vez, é aquela que adquire créditos da empresa faturizada, via de regra com vencimento a termo, pagando-os à vista, por um valor inferior ao total e assumindo todos os riscos do negócio, sem possibilidade de regresso contra a empresa cedente.

Apesar de não ser parte no contrato de faturização, o cliente/sacado da empresa faturizada possui importância fundamental no negócio jurídico realizado entre as partes, uma vez que é ele o devedor do crédito adquirido pela empresa de factoring, sendo, portanto, o responsável pelo pagamento do valor representado pelo título de crédito.

Assim, encontramos no contrato de factoring uma relação triangular entre faturizador, faturizado e o sacado do título, sendo que este último, apesar de peça fundamental na concretização do objeto social da empresa de factoring, não se coloca como parte no processo, mas tão-somente como devedor dos créditos adquiridos pela empresa faturizadora.

2.3 Modalidades de Factoring

Apesar de o contrato de factoring ser um único instituto jurídico, podemos subdividi-lo em algumas modalidades em que se pode apresentar.

Alguns autores encontram um número superior a dez modalidades de factoring utilizadas na atualidade. No Brasil, constatamos que são cinco as modalidades de factoring mais praticadas. São elas: convencional factoring, maturity factoring, trustee factoring, import – export factoring e matéria prima.

Convencional factoring, como o próprio nome explicita, é aquele em que se verifica a compra, através de cessão pro soluto, de créditos com vencimento a prazo, onde a sociedade de fomento mercantil assume o risco do negócio, uma vez que não existe, via de regra, direito de regresso contra o cedente do título de crédito. Pela compra do crédito antes do seu vencimento a empresa de factoring desconta do valor de face do título uma comissão, além de outros encargos.

O maturity factoring é aquele em que o pagamento à empresa faturizada somente se verifica no vencimento do título negociado, ou seja, não haverá qualquer adiantamento dos créditos cedidos. Muitos autores consideram que esta modalidade foge à verdadeira concepção do instituto do factoring, uma vez que a empresa faturizadora não assume os riscos do negócio.

O trustee factoring muito se assemelha ao convencional factoring. O seu diferencial é que nele ocorre a verdadeira parceria ente a empresa de factoring e a empresa faturizada, uma vez que aquela passa a dirigir e administrar as contas desta, assessorando na seleção de clientes, analisando os riscos, planejando a expansão do negócio, além, é claro, do fornecimento dos recursos através da compra dos créditos decorrentes de vendas mercantis. Ou, seja, é o convencional factoring aprimorado. É nesta espécie de factoring em que se baseiam os doutrinadores para firmarem a definição moderna deste instituto jurídico, uma vez que engloba todos os principais elementos do factoring. Esta modalidade é muito utilizada pelas pequenas e médias empresas, que geralmente não possuem recursos físicos e financeiros para desenvolver com eficiência esta gama de serviços. Nesta modalidade nos baseamos para desenvolver o presente trabalho.

O import-export factoring se caracteriza pela compra de créditos decorrentes de vendas realizadas por exportadores ao exterior. A diferença entre esta modalidade e o convencional factoring é somente por se tratar de uma relação de comércio exterior, o que implica numa comissão bem superior àquela cobrada em negócios internos, visto que existe maior complexidade e risco para a empresa de fomento mercantil.

A modalidade matéria-prima consiste na compra, à vista, pela empresa de factoring, de matéria prima a ser utilizada pela empresa faturizada. Após a efetiva entrega da matéria prima, a empresa de factoring emite uma duplicata a prazo sacada contra a empresa faturizada, mediante o devido aceite. A sociedade de factoring, então, abrirá uma conta-corrente específica para lançar toda a movimentação de valores, que serão amortizados através de notas de débito e crédito à medida que forem sendo gerados títulos de crédito referentes às vendas mercantis, efetuadas pela empresa faturizada, dos produtos oriundos da transformação da matéria prima no produto final.

Apesar de serem estas as principais modalidades de factoring, outras são enumeradas em nossa doutrina como colletion type factoring agreement (apenas cobrança do título), intercredit (a empresa de factoring realiza a cobrança dos títulos não recebidos para ressarcir-se dos adiantamentos efetuados), open factoring, undisclosed factoring (factoring encoberto, em que o próprio factor compra as mercadorias e as revende), factoring with recourse (a empresa de factoring pode acionar o faturizado em caso de insolvência do sacado), non notification factoring (o sacado-devedor não é notificado da cessão, cabendo ao faturizado receber o crédito e repassá-lo à empresa de factoring), old line factor (apenas compra e venda do crédito), new style factoring (compra e venda conjugada com serviços) e accounts receivable financing (cessão de crédito). Como se pode notar, todas estas modalidades são derivações daquelas cinco principais acima identificadas, além disto, algumas nem poderiam ser classificadas dentro deste instituto jurídico, como o factoring with recourse, que admite o direito de regresso da empresa de faturizadora contra a empresa faturizada. Ora, se o risco é um elemento essencial no contrato de factoring, uma modalidade que o elimine não pode ser considerada como tal.

3 O CONTRATO DE FACTORING NA PRÁTICA

3.1 O Surgimento do Crédito

O crédito que é negociado em um contrato de factoring nasce de uma relação negocial entre a empresa faturizada e seu cliente, que é, inicialmente, seu devedor.

A empresa faturizada vende mercadorias, as distribui ou presta serviços para seus clientes, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas. Contra estes, então, são sacados títulos de crédito, geralmente duplicatas, com vencimento à prazo, no valor das operações realizadas.

Assim, de posse da duplicata e do comprovante de entrega da mercadoria ou prestação de serviço, constitui-se um crédito líquido e certo, mas que somente passará a ser exigível na data do seu vencimento.

Até este momento, nenhuma espécie de relação existe entre a empresa de factoring e o sacado do título emitido pela empresa faturizada. O que existe é um crédito com vencimento à prazo em mãos da empresa faturizada, que poderá negociá-lo, ou não, com a empresa de factoring.

3.2 A Atuação da Empresa de Factoring

Uma vez constituído o crédito através da relação entre a empresa faturizada e seus clientes, origina-se o campo de atuação das empresas de factoring. Firma-se, então, um contrato entre a empresa que deseja vender seus créditos vencíveis à prazo, e a empresa de factoring, que deseja adquiri-los e se tornar credora dos clientes da faturizada.

Neste contrato, orientado por cláusulas específicas, determinam-se os direitos e obrigações de faturizador e faturizado, pois o factoring, como já visto, além de um contrato onde se negociam créditos, se configura também pela parceria que deve existir entre as empresas contratantes. Isto porque é também pactuado entre as partes a prestação de serviços de gestão financeira dos negócios da empresa faturizada, por parte da empresa de factoring, o que origina uma série de direitos e deveres para ambas.

De forma geral, são as seguintes as cláusulas mais utilizadas no factoring: liberdade para que a empresa de factoring selecione os títulos a serem adquiridos; o prazo de duração do contrato; a referência de que os títulos serão remetidos à empresa de factoring em determinado prazo; a remuneração da empresa de factoring, que consiste no deságio dos títulos a serem adquiridos, a denominada comissão ou spread, que é o diferencial entre o valor constante do título e aquele efetivamente recebido pelo faturizado, e também a remuneração pelos serviços prestados, que varia conforme ao volume e complexidade dos serviços prestados; a maneira de se proceder o endosso, que será sempre em preto e sem garantias, ou seja, pro soluto; a especificação dos serviços que deverão ser prestados pela empresa de factoring; a quem competirá a responsabilidade de notificar a cessão do crédito ao devedor; além de outras, que podem ser negociadas caso a caso.

Assim, verificadas as principais cláusulas do contrato de factoring, podemos inferir os principais direitos e obrigações do faturizador, do faturizado e do sacado-devedor.

Desta forma, são obrigações da empresa faturizadora pagar à empresa faturizada os valores referentes aos títulos que adquiriu, descontada a comissão; notificar ao sacado-devedor sobre a cessão dos direitos de crédito, a fim de que o pagamento seja realizado ao novo credor; assumir o risco pelo inadimplemento do sacado-devedor, prestar assistência ao faturizado, fornecendo-lhe informações sobre o comércio em geral e sobre cada cliente. Em contrapartida, tem a sociedade faturizadora o direito de analisar os títulos de crédito apresentados pela empresa faturizada; recusar os títulos apresentados pelo faturizado, ou seja, pode a empresa faturizadora adquirir total ou parcialmente os créditos do faturizado; cobrar da empresa faturizada uma comissão pela aquisição de seus créditos futuros e uma remuneração pelos serviços prestados; examinar os livros e papéis do faturizado.

Do mesmo modo, possui direitos e obrigações a empresa faturizada. Como obrigações podemos citar o pagamento à empresa faturizadora das comissões dos títulos negociados e a remuneração pelos serviços prestados; a remessa dos títulos que pretende negociar à empresa faturizadora, relacionando-os em um bordereau, a fim de que esta possa fazer a análise de risco dos mesmos; responsabilizar-se pela existência do título negociado, isto é, pelo vício oculto ou redibitório; prestar todas as informações necessárias sobre o sacado-devedor; prestar todas as informações necessárias para que seja prestado o serviço de assessoria creditícia, informar seu cliente, o sacado-devedor, da transferência de seu crédito à empresa de factoring. Por outro lado, são seus direitos receber da empresa faturizadora o valor do título negociado, descontado o valor da remuneração e demais encargos; receber informações sobre a liquidação dos títulos negociados com a empresa faturizadora; usufruir dos serviços de assessoria creditícia prestados pela empresa faturizadora mediante remuneração.

Mesmo não sendo o sacado-devedor parte no contrato de factoring, é ele indispensável para a existência deste, pois são os créditos resultantes das vendas e serviços prestados a ele que se transferem à empresa faturizadora. Assim, é também sujeito de direitos e obrigações, resultantes do contrato firmado entre ele e a empresa faturizada. É obrigação do sacado-devedor pagar à empresa faturizadora, na data do vencimento, o valor do título contra ele sacado pela empresa faturizada. Saliente-se que, para isto, o sacado-devedor deve ser devidamente notificado sobre a transferência do crédito da empresa faturizada para a empresa faturizadora. Por sua vez, tem o sacado-devedor o direito de opor à empresa faturizada as exceções que seriam oponíveis à empresa faturizada, como, por exemplo, a inexistência da relação mercantil originária do título negociado.

Saliente-se que assim que aparecem novos títulos a serem negociados, contratos aditivos devem ser firmados pelas partes a fim de discriminar os novos créditos assumidos pela empresa de factoring. Isto é, há um contrato principal, onde se encontram todas as cláusulas que regulam as relações entre empresa faturizadora e faturizado, e a ele se acresce outros pequenos contratos aditivos, que discriminam os créditos negociados ao longo do tempo.

4 O DIREITO DE REGRESSO CONTRA O FATURIZADO

Com toda certeza, tal ponto é um dos mais importantes no estudo do contrato de factoring e sua caracterização. Na verdade, a existência de um risco para a empresa de factoring é uma das principais características deste instituto, o que, prima facie, afastaria qualquer possibilidade de a empresa de factoring buscar ressarcir-se do inadimplemento do sacado-devedor através de uma ação regressiva contra o faturizado.

Apesar disto, no caso de o sacado-devedor não adimplir com sua obrigação junto à empresa faturizadora, existe sim, em casos específicos, a possibilidade de a empresa de factoring acionar regressivamente seu faturizado. Isto é possível quando o crédito negociado não é certo, lícito e regular.

Ensina o professor Arnaldo Rizzardo:

“Como já observado, constituindo o factoring uma figura jurídica complexa, integra-se de vários elementos, dentre os quais a cessão. Enquanto considerado um instituto de direito civil, há a incidência de regras do Código Civil. Assim, o artigo 1.072 que estatui: o devedor pode opor tanto ao cessionário como ao cedente as exceções que lhe competirem no momento em que tiver conhecimento da cessão; mas, não pode opor ao cessionário de boa-fé a simulação do cedente.”[4]

Prossegue o festejado jurista:

“As exceções pessoais do devedor só podem ser opostas ao cessionário quando ele estiver, em relação àquela, na mesma situação em que estava o cedente, isto é, tenham origem anterior ao momento em que o cedente ficou ciente da cessão. Entre estas exceções, chamadas ad persona cedendis, estão as de pagamento e novação.

Quanto à impossibilidade de oposição ao cessionário de boa-fé a simulação do cedente, dá o autor (J. M. de Carvalho Santos, p.57) a justificação, sempre pressupondo que tenha havido conluio entre o cedente e o devedor: `Seria profundamente imoral admitir-se que um conluio, inocente ou doloso, pudesse valer em favor das partes que o pactuaram e em detrimento de um terceiro, que desembolsou o preço do crédito. Por isso mesmo, se a dívida for simulada, o devedor, conivente, não pode opor esse vício ao cessionário, que se acha de boa fé.’[5]

De outro lado, responde o cedente pela existência do crédito, quando da cessão. Deve o faturizado realmente ser credor, sob pena de ser obrigado a ressarcir o faturizador pelo valor recebido. Assim normatizava o art. 1.073 do antigo Código Civil: na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu. A mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.”

O novo Código Civil, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que passou a vigorar em 11 de janeiro de 2003, não inovou no que se refere à cessão de crédito. Ele normatiza a cessão de crédito em sua Parte Especial, Livro I, Título II, Capítulo I, nos artigos 286 a 298, e, em linha gerais, segue aquilo o que o antigo Código Civil preceituava em seus artigos 1.065 a 1.078, com algumas poucas alterações gramaticais que em nada interferem na substância do tema ora analisado.

Assim, podemos falar que a empresa faturizada responde pela existência do crédito cedido, ou seja, se a empresa faturizada negociar título de crédito com alguma espécie de vício em sua origem ou que já não mais exista ao tempo da cessão, responderá perante a empresa de factoring, tendo que restituí-la do valor indevidamente recebido.

Os Tribunais pátrios, reiteradamente, já se manifestaram no sentido de que as empresas faturizadas responsabilizam-se pela existência, legitimidade e validade dos créditos cedidos para uma empresa de factoring. Mas tão-somente pela existência, legitimidade e validade dos créditos, pois o faturizador assume os riscos pela impontualidade e inadimplemento dos sacado-devedores. Senão vejamos:

“AÇÃO DE COBRANÇA – FACTORING - RESPONSABILIDADE DO FATURIZADO. O faturizado não responde pela solvência dos títulos que transferiu, salvo em caso de inexistência, nulidade ou vício do crédito, cabendo ao faturizador o ônus de provar tais circunstâncias.”[6]

“AÇÃO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO - FACTORING - DUPLICATA SEM CAUSA - CESSÃO DE CRÉDITO - VÍCIO DE ORIGEM - LEGALIDADE E VERACIDADE DO TÍTULO - CARÊNCIA DE AÇÃO CONTRA O FATURIZADOR Embora seja uma das características da faturização o risco relativo ao recebimento ou não da quantia cedida, tal não abrange a hipótese em que o crédito cedido esteja eivado de algum vício que o invalide. Na cessão de crédito a título oneroso, o cedente fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo que lho cedeu. Aplicação do art. 1.073 do Código Civil.”[7]

“FACTORING – CESSÃO DE CRÉDITO REPRESENTADO POR DUPLICATAS – RESPONSABILIDADE DO FATURIZADO PELAS DUPLICATAS EMITIDAS SEM CAUSA. A regra é a irresponsabilidade do faturizado, pelo não pagamento, total ou parcial, pelo sacado. Entretanto, é responsável o faturizado pelo reembolso ao Factor relativamente às duplicatas emitidas inobstante devolvida a mercadoria. Parcialmente provido o recurso.”[8]

“FALÊNCIA - NOTA PROMISSÓRIA - RELAÇÕES DECORRENTES DO CONTRATO DE FATURIZAÇÃO - PRECEDENTE DA CORTE.

1. Se a empresa cedente dos títulos, em decorrência de contrato de factoring, deu causa a que os mesmos não pudessem ser recebidos, fica responsável pelo pagamento.

2. Afirmando o Acórdão recorrido que os títulos estavam viciados na origem e que a nota promissória foi emitida de acordo com o contrato celebrado entre as partes, afastando a hipótese de ter sido preenchida em branco, nada impede que possa servir para instruir pedido de falência.

3. Recurso especial não conhecido.”[9]

“Frustrada a expectativa do cessionário de títulos, por força de contrato de factoring, de receber o respectivo valor, por ato imputável ao cedente, fica esse responsável pelo pagamento. Juros - cômputo a partir da citação.”[10]

Como se vê, farta é a jurisprudência que garante à empresa faturizadora o direito de ver-se ressarcida pela faturizada nos casos em que houver qualquer espécie de vício na origem do título de crédito a macular sua existência, legitimidade e validade, bem como garantir a existência do crédito no momento de sua cessão, ou seja, o crédito deve existir no momento em que a empresa de factoring os adquire.

Contudo, apesar de ser este o posicionamento mais aceito pela doutrina e jurisprudência, encontramos uma minoria de decisões discrepantes, como depreende-se da seguinte ementa, emanada da Apelação Cível n.º 195192489, de 13/02/1996, julgada pela 9a Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul: “A empresa de factoring tem a obrigação de se certificar da existência do negócio jurídico subjacente a legitimar o nascimento da duplicata”.

A nosso ver, data maxima venia, não merece guarida tal linha de raciocínio. Caso contrário, as empresas de factoring teriam de realizar uma verdadeira investigação da origem de cada título adquirido, o que encareceria por demais os custos da operação, inviabilizando a sua utilização pelos seus principais utilizadores, as pequenas e médias empresas.

Neste sentido leciona o professor Luiz Alexandre Markusons, in verbis:

“Por este motivo é que, via de regra, a critério de cada factor, opera-se a compra de todo ativo (créditos) do faturizado, pulverizando-se assim o risco. Muitos preferem não concentrar a aquisição em títulos de expressivos valores, mas, sim, em vários títulos de baixo valor, o que torna o risco menor, em relação ao cliente do faturizado.”[11]

Assim, realmente nos parece que possui razão a jurisprudência dominante, que acompanha boa parte da doutrina, no sentido de somente ser possível ao faturizador voltar-se contra o faturizado naqueles casos específicos retro mencionados.

Visto em quais situações pode a empresa de factoring buscar ressarcir-se junto ao seu faturizado pelo não recebimento do crédito, podemos afirmar, por exclusão, que em qualquer outra hipótese é inadmissível tal possibilidade. E, justamente por este motivo é que o “risco do negócio” é da essência ao contrato de factoring, sendo, possivelmente, sua principal e mais visível característica. Afinal, é por suportar o risco da impontualidade ou insolvência do sacado-devedor que a empresa de factoring paga à empresa faturizada um valor abaixo daquele constante da face do título, além, é claro, de estar antecipando ao seu cliente o pagamento do mesmo.

Apesar disto, tal entendimento não é pacífico entre os autores. O mestre Waldírio Bulgarelli entende que, até por motivos de ordem moral, é admissível o direito de a empresa de factoring, endossatária, se voltar contra a faturizada, endossante, pois, caso contrário, haveria um incitamento à inadimplência, desestimulando a criação de empresas de factoring.

Os não menos festejados juristas Fran Martins e Fábio Konder Comparato discutem a questão sobre um outro enfoque, posicionado sobre o artigo 9o da Lei Uniforme de Genebra, promulgada pelo Decreto 57.663/66. Tal artigo preceitua que “o sacador é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra. O sacador pode exonerar-se da garantia de aceitação; toda e qualquer cláusula pela qual ele se exonere da garantia do pagamento considera-se como não escrita”.

Saliente-se que a duplicata é o único título que representa as transações efetuadas por comerciantes, industriais e prestadores de serviço, e, segundo o artigo 25 da norma que as regula, Lei 5.474/68, “aplicam-se à duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pagamento das letras de câmbio”, estas reguladas pela Lei Uniforme de Genebra.

Partindo-se de tal premissa, discorrem eles, sendo o faturizado o sacador do título de crédito, não poderia este, à luz da Lei Uniforme de Genebra, se eximir da garantia de pagamento, mas tão somente da garantia de aceite.

Ocorre que o factoring constitui uma figura jurídica própria, com conteúdo e estrutura específicos. No factoring, não ocorre um simples endosso. Há, na verdade, uma compra de crédito, e não apenas de títulos. No factoring encontramos uma individualidade própria, que evoluiu com o passar dos tempos. Possui um conteúdo muito mais abrangente do que um simples endosso, ou a simples cessão de crédito. Nas palavras do professor Arnaldo Rizzardo:

"Partindo-se do princípio da legalidade, que tem enormes implicações em nosso ordenamento jurídico, chegaremos ao princípio da liberdade contratual, com sede no direito privado. De acordo com esse princípio, todos podemos contratar o que quisermos, respeitados os limites da lei e a forma por ela prescrita ou defesa, tendo por parâmetro, naturalmente, a noção de ordem pública.

Assim acontece com o factoring, revelando uma tipicidade particular, de relações econômicas não identificadas com determinados padrões de regulações das atividades humanas. Não se confunde com o desconto, ou com a cessão, ou com outras figuras. Possui a sua marca, as suas características, o seu objeto e se impõe por si mesmo, dentro de sua peculiaridade. Chega-se, daí, a afastar o emprego de princípios e ditames de outras figuras. O Decreto 2.044, e assim a Lei 5.474, bem como a Lei Uniforme de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissórias, disciplinam a emissão e circulação de títulos de crédito não ligados ou utilizados em figuras distintas. Surgindo o factoring dentro de suas características peculiares, impõe o respeito e a obediência segundo o seu conteúdo. Não é admissível utilizar instrumentos ou princípios de outros institutos dentro do significado com o qual foram criados.”[12]

Outro argumento que fortalece o posicionamento contrário à possibilidade de o faturizador possuir ação regressiva contra o faturizado é embasado na própria Lei Uniforme de Genebra. Apesar do artigo 9o deste instituto jurídico vedar que o sacador de uma letra de câmbio se exonere da garantia de pagamento do título, no artigo 15 vislumbramos a permissão para que um endossante proíba um novo endosso, dispensando-se de assegurar o seu pagamento e o seu aceite.

Neste caso, teria o endosso apenas a finalidade de justificar a circulação do título, uma vez que o endossante, ao incluir esta cláusula “sem garantia”, ficaria desonerado de qualquer responsabilidade relativa à aceitação e pagamento do mesmo. Assim, uma vez incluída tal cláusula no endosso do título, fica a empresa faturizadora impedida de atuar regressivamente contra a empresa faturizada no caso de impontualidade no pagamento ou inadimplência do sacado-devedor. Isso, evidentemente, sendo os títulos certos quanto a sua existência, lícitos quanto a sua origem e regulares quanto as suas formalidades. Tal corrente é esposada pelo professor Eduardo de Souza Carmo.

Assim, apesar das opiniões contrárias, acreditamos que em não existindo nenhum vício que invalide o título que representa o crédito cedido à empresa de factoring, não pode esta, em caso de inadimplemento, buscar ressarcir-se junto ao seu cliente faturizado.

Isto porque, nas palavra do professor Luiz Alexandre Markusons:

“A compra dos direitos creditórios deve ser definitiva, pro soluto, sem regresso, de modo a caracterizar, de forma inequívoca, não se tratar de operação de desconto, privativa de Instituição Financeira.

Diga-se de passagem que tal risco é inerente ao negócio faturização, motivo pelo qual as taxas cobradas, os deságios e as comissões não são baixos.”[13]

O Projeto de Lei 230/95, que tramita atualmente no Congresso Nacional e tem como objetivo regulamentar a atuação das empresas de factoring no Brasil, demonstra claramente a intenção do legislador em permitir o regresso do faturizador contra o faturizado somente naqueles casos específicos retro mencionados, in verbis:

“Art. 4o. A cedente se responsabiliza civil e criminalmente pela veracidade, legitimidade e legalidade do crédito cedido, respondendo pelos vícios redibitórios.”

A jurisprudência dos nossos tribunais, já há algum tempo, se mostra coerente com a linha de pensamento que classifica o factoring como um instituto peculiar, diferente de uma simples cessão de crédito ou endosso, senão vejamos:

“CONTRATO DE RISCO - FATURIZACÃO - CESSÃO DEFINITIVA - DIREITO DE REGRESSO - ENDOSSO - LEI 5474/68 - Sendo o factoring uma operação de risco, assume o facturizador a responsabilidade pela inadimplência dos sacados, visto que o crédito é cedido em caráter definitivo, cessio pro soluto, não se podendo falar em direito de regresso. O endosso é forma típica e exclusiva de transferência dos documentos cambiais, não existindo um endosso específico para cada tipo de título de crédito.”[14]

"FACTORING – NÃO PAGAMENTO PELO DEVEDOR DOS TÍTULOS NEGOCIADOS – IRRESPONSABILIDADE DO FATURIZADO. Risco assumido pelo factoring mediante deságio. Distinção do desconto de títulos, atividade restrita às instituições financeiras.” [15]

“FACTORING – INADIMPLÊNCIA DOS DEVEDORES DAS IMPORTÂNCIAS QUE FORAM OBJETO DA OPERAÇÃO DA FATURIZAÇÃO – FATURIZADO (CEDENTE) DESOBRIGADO DE EFETUAR QUALQUER RESTITUIÇÃO AO FATURIZADOR (CESSIONÁRIO). Nos termos da lei civil pátria, o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Na operação de faturização, ao revés, se a transferência dos créditos foi feita pro soluto e não pro solvendo, é transparente que, mesmo na hipótese de inadimplência dos devedores das importâncias que foram objeto da operação de faturização, estará o faturizado desobrigado de efetuar qualquer restituição e nem responderá por eventuais perdas e danos.”[16]

“COMERCIAL - FACTORING - ATIVIDADE NÃO ABRANGIDA PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - INAPLICABILIDADE DOS JUROS PERMITIDOS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

I - O factoring distancia-se de instituição financeira justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso. Daí que nesse tipo de contrato não se aplicam os juros permitidos as instituições financeiras. e que as empresas que operam com o "factoring" não se incluem no âmbito do sistema financeiro nacional.

II - O empréstimo e o desconto de títulos, a teor de art. 17, da lei 4.595/64, são operações típicas, privativas das instituições financeiras, dependendo sua pratica de autorização governamental.

III - Recurso não conhecido.”[17]

“RECURSO DE "HABEAS CORPUS" - EXAME APROFUNDADO DE PROVAS – CRIME - APELAÇÕES PRIVATIVAS DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – FACTORING - RECURSO IMPROVIDO.

1 - O empréstimo e o desconto de títulos, a teor do art. 17, da lei 4.595/1964, são operações típicas, privativas das instituições financeiras, dependendo sua prática de autorização governamental.

2 - O factoring distancia-se da instituição financeira justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso.

3 - Nestas circunstancias, imprópria e inadequada a via do "habeas corpus" para o pretendido debate acerca da atipicidade do fato, de modo a extremar as operações de factoring daquelas próprias das instituições financeiras, ou da ausência do elemento subjetivo.

4. Recurso ordinário improvido.”[18]

Como se vê, apesar das divergências doutrinárias a respeito do direito de regresso do faturizador contra o faturizado, a jurisprudência pátria tem se posicionado no sentido de que, inexistindo qualquer vício na existência, legitimidade, validade e exigibilidade do crédito, não pode a empresa de factoring ressarcir-se junto ao seu faturizado pelo inadimplemento do sacado-devedor. Uma vez que a negociação é realizada pro soluto, a sociedade de factoring assume o risco do negócio, não podendo voltar-se contra a empresa faturizada pela simples impontualidade ou inadimplemento do sacado-devedor.

Podemos concluir, então, que o risco é da essência do contrato de factoring. Ora, mas se existe a liberdade de contratar, não poderiam as empresas faturizadora e faturizada pactuarem um contrato sem risco, ou seja, sendo os títulos transferidos “com garantia”. É o que analisaremos no capítulo seguinte, objetivo final deste trabalho.

5 A POSSIBILIDADE DE ENDOSSO COM GARANTIA NO CONTRATO DE FACTORING

5.1 O endosso à luz da Lei Uniforme de Genebra

O contrato de factoring, como foi amplamente demonstrado ao longo deste trabalho, tem como uma de suas principais características o risco assumido pela empresa faturizadora ao comprar os créditos de seus faturizados. Ou seja, é da essência do contrato de factoring que o faturizado, ao transferir seus créditos para a empresa factor, se desonera de quaisquer responsabilidades pela impontualidade no pagamento ou inadimplemento do sacado-devedor. Isto, saliente-se, no caso de um título sem qualquer espécie de vício.

Tal isenção de responsabilidade é admitida no contrato de factoring pela utilização do endosso “sem garantia”, ou seja, a empresa faturizada, ao vender seus créditos, lança junto ao endosso uma cláusula que a exonera de garantir o pagamento do título de crédito em caso de inadimplemento do sacado-devedor.

Apesar disto, sabemos que os contratos entre particulares são regidos pelo Princípio da Autonomia das Vontades. Tal princípio consiste na prerrogativa conferida aos contratantes de pactuarem da forma que acharem mais conveniente, desde que se submetam às regras impostas pela legislação ou por ela não defesa, o objeto do contrato seja lícito e tenham capacidade para legitimar o negócio. Ou seja, respeitados estes pressupostos, têm os contratantes liberdade para acordar suas vontades da forma que acharem mais conveniente.

O novo Código Civil, Lei 10.406/2002, disciplina em seu artigo 421:

“a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Questiona-se, então, se seria possível que em um Contrato de Factoring, faturizador e faturizado pactuassem que este último, cessionário dos créditos, não incluiria a cláusula “sem garantia” no endosso, ficando assim responsável em caso de impontualidade ou inadimplemento do sacado-devedor?

Ora, como já foi dito anteriormente, o factoring tem como uma de suas principais características o risco assumido pela empresa de factoring. Esse risco consiste na realização de uma compra de créditos pro soluto, ou seja, eximindo a empresa cedente (faturizada) de quaisquer responsabilidades em caso de inadimplemento do sacado-devedor.

Por outro lado, sendo um contrato entre particulares, é regido pelo Princípio da Autonomia das Vontades, o que permite aos contraentes negociarem da maneira que lhes seja mais proveitosa.

Assim, prima facie, tenderíamos a manifestar nossa concordância com a possibilidade de a empresa faturizada firmar um contrato com uma empresa factor sem se eximir de responsabilidades quanto a solvência, ou não, do crédito adquirido pela faturizadora.

Apesar disso, analisando mais atentamente o tema, veremos que a possibilidade do endosso “com garantia” no contrato de factoring não somente o descaracterizaria, como também o aproximaria por demais de outro instituto jurídico, o desconto bancário, atividade privativa das Instituições Financeiras.

O Desconto Bancário, tal qual o Factoring, é instituto utilizado pelo comércio, em geral ligando pessoas jurídicas e fomentando o titular dos créditos, ou seja, injetando capital de giro de forma a satisfazer a necessidade de crédito do titular do título. Em ambos os institutos verificamos a mesma sistemática, qual seja, a transferência de um título de crédito em troca do recebimento de seu valor, descontados os juros, taxas e comissões. Os juros se justificam pelo pagamento à vista de um título a ser recebido a prazo. A remuneração por este serviço é denominada, no desconto bancário, taxa, e no factoring, comissão.

Como se vê, até este momento são idênticos os institutos do desconto bancário e do factoring. A grande diferença existente entre eles se encontra exatamente na forma como o crédito é adquirido.

No desconto bancário a cessão do crédito se dá pro solvendo, ou seja, caso o devedor do título não o pague, possui a instituição financeira direito de regresso contra a empresa cedente. Como se vê, a empresa que transmite os créditos no desconto bancário, o faz com garantias à instituição financeira, se mantendo responsável pelo pagamento do título caso não o faça o devedor principal.

Já no instituto do factoring, como foi amplamente demonstrado, a cessão de crédito se dá pro soluto, ou seja, o cedente-faturizado inclui a cláusula “sem garantia” em seu endosso, isentando-se de quaisquer responsabilidades caso o sacado-devedor não efetue o pagamento. E esta é a característica que diferencia o factoring de outros institutos congêneres.

Apesar de no contrato de factoring existir também uma prestação de serviços de assessoria e gestão creditícia, o que não ocorre no desconto bancário, é o risco que a empresa de factoring assume a sua principal característica. Isto porque o factoring se subdivide em técnica financeira e técnica de gestão comercial, técnicas estas que podem ser prestadas conjunta ou separadamente, sendo denominadas trustee factoring e convencional factoring, como já foi visto.

Assuntos: Direito Empresarial, Direito processual civil, Empresa, Empresarial, Pagamento

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