PEC 37 e a (In)Competência do Ministério Público para a Realização da Investigação Criminal

24/06/2013. Enviado por

Busca fornecer informações com base constitucional, doutrinária e jurisprudêncial a respeito da PEC nº 37 e a alegada redução das atribuições do Ministério Público.

1 - Introdução:

Recentemente vimos nosso país ser dominado por uma onda de manifestantes pleiteando, com toda a razão e dentro de seu direito de manifestação, o cumprimento de determinados serviços essenciais básicos tais quais saúde, educação, segurança e etc.

Vimos também, manifestações contra políticos e contra a corrupção. Nesse contexto, um assunto que tem trazido muita discussão é o referente ao Projeto de Emenda Constitucional nº 37 ou simplesmente PEC 37.

Segundo os noticiários e manifestantes defensores da não aprovação do citado projeto de emenda constitucional, o mesmo tem o condão de retirar do Ministério Público o poder de investigação criminal, sendo por isso apelidado de PEC da impunidade.

Ocorre que a situação, do ponto de vista técnico-jurídico, não é exatamente como relatada pela mídia, conforme será demonstrado através deste breve artigo:

2. Projeto de Emenda Constitucional nº 37:

A Proposta de Emenda à Constituição nº 37, de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, tem o condão de acrescentar o §10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.

Atualmente o citado artigo 144 da Constituição Federal, a qual trata da competência para o exercício da segurança pública, esta posto da seguinte forma:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

O citado §10 que, em caso de aprovação do Projeto de Emenda Constitucional nº 37, virá a ser acrescentado ao art. 144 da Constituição, prevê que “A apuração das infrações penais de que tratam os §§1º e 4º deste artigo, incubem privativamente as polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.”

Referido §10 está causando grande revolta perante a população que, muitas vezes por falta de informação adequada, se mostra contrário à sua aprovação por acreditar que será retirado o poder de investigação criminal do ministério público, contribuindo assim para a impunidade e aumento da corrupção.

A meu ver, citado artigo se mostra desnecessário, uma vez que, conforme será demonstrado adiante, a investigação criminal já é uma atribuição privativa da polícia judiciária, não podendo a mesma, por ausência de previsão legal e por respeito ao Estado democrático de direito, ser realizada pelo Ministério Público.

3 - O Ministério Público:

Inicialmente cumpre esclarecer que, segundo a Constituição Federal, em seus arts. 127 a 135, o Ministério Público, ao lado do Poder Judiciário e da Advocacia, é órgão permanente e essencial ao funcionamento da justiça, vejamos:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

De acordo com Wilson Paulo Mendonça Neto, “As funções essenciais à justiça são constituídas por atividades que fazem com que o Poder Judiciário possa agir, uma vez que como garantia do equilíbrio se tem o fato de o juiz ser inerte”[1]

Superado esse ponto, passemos à análise das funções institucionais do Ministério Público.

3.1 – Das Funções Institucionais do Ministério Público e sua (in) competência para a realização de investigação criminal:

As funções institucionais do Ministério Público, conforme se extrai da constituição Federal, são aquelas previstas nos incisos I a IX da Constituição Federal, in verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

§ 1º - A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

§ 2º As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 4º Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 5º A distribuição de processos no Ministério Público será imediata. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Conforme podemos ver pela lista de atribuições constitucionalmente direcionadas ao Ministério Público, as mesmas se voltam para a aplicação e execução das leis, sem perder de vista a proteção dos interesses sociais, difusos e coletivos.

Basta uma simples leitura do rol acima destacado para percebermos que, ao contrário do que faz crer a mídia nacional e os movimentos contrários à aprovação da PEC 37, não é competência do Ministério Público a realização de investigação criminal.

De acordo com Marcelo Lessa Bastos, “[...] pelo art. 144 da Constituição Federal a apuração das infrações penais e o exercício da Polícia Judiciária são exclusivos da Polícia Civil (com exceção das infrações penais militares) e da Polícia Federal, sendo certo que dever-se-á respeitar a vontade constitucional quanto ao controle nobilíssimo que deverá reinar entre nossas instituições [...]”[2]

No mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, através de sua 2° Turma, no julgamento do RE 205473-9AL, decidiu que "não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial".

Sendo assim, a PEC 37 não visa retirar a competência para a realização da investigação criminal por parte do Ministério Público, uma vez que tal órgão jamais teve tal competência.

Aceitar o contrário traria uma grande problemática para o direito de defesa do acusado que ficará prejudicado em virtude da concentração das atribuições de investigar e acusar nas mão de um único órgão.

O Ministério Público deve sim acompanhar e supervisionar de perto a investigação criminal e exercer sua atribuição constitucional de requisição de diligências que julgar necessárias para a elucidação do caso, a qual deverá ser realizada única e exclusivamente pelo detentor dessa competência, qual seja, a polícia judiciária.

4 – Conclusão:

Antes de concluir o presente artigo, importante destacar que o mesmo não tem o condão de esgotar as discussões, muito pelo contrário, o seu objetivo é trazer informações e argumentos de um ponto de vista jurídico e com fundamento constitucional, doutrinário e jurisprudencial para alimentar a discussão em busca de uma melhor solução para a questão ora posta.

No entanto, entendo que a PEC 37 em nada reduz as atribuições do Ministério Público, o qual, a meu ver, nunca foi detentor da competência para a realização da investigação criminal.

O Ministério Público de, sim, acompanhar e supervisionar a atuação da polícia judiciária na realização da investigação criminal, podendo inclusive, solicitar quantas diligências julgar necessárias à elucidação do caso e ao oferecimento da denúncia.

Aceitar a concentração dos poderes de investigação e de acusação nas mãos de um único órgão é atentar contra o direito de defesa do acusado, o qual será consideravelmente reduzido.

Saliento que, caso o Ministério Público se julgue competente para a realização da investigação criminal ao lado da polícia judiciária, deve batalhar para a criação e aprovação de um projeto de emenda constitucional que inclua tal competência no rol constitucionalmente estabelecido pelo art. 129 da Constituição Federal.



[1] NETO, Wilson Paulo Mendonça. Constituição Federal Comentada. 1ª Ed. Curitiba. Editora Juruá, 2012. P. 401.

[2] BASTOS, Marcelo Lessa. Investigação nos crimes de ação penal de iniciativa pública. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

Assuntos: Criminal, Direito Constitucional, Direito Penal, Direito processual penal, Inquérito

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