Menores infratores e os crimes hediondos ou equiparados e as medidas socioeducativas

10/08/2012. Enviado por

Estudo sobre a evolução história da criança e do adolescente no Brasil perante a Lei, sobretudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) frente aos princípios constitucionais, a aplicabilidade e eficácia das medidas socioeducativas

É sabido que, no Brasil, existe a prerrogativa de defesa do tratamento mais justo e digno aos menores infratores e medidas socioeducativas de acordo com a gravidade do delito cometido, mas com garantia de respeito à condição especial na qual se encontram devido à pouca idade e, por isso, uma suposta falta de maturidade suficiente para julgar e entender seus atos.

O ECA, em seu art, 112, elenca as possibilidades de aplicação das medidas socioeducativas quando o adolescente pratica ato infracional. Tais incisos são taxativos, sendo vedada aplicabilidade de outras medidas daquelas inseridas no artigo.

Conforme o art. 112 cabe à autoridade competente aplicar a medida mais adequada para os casos de ato infracional podendo ser uma simples advertência, a obrigação de reparar o dano causado, prestação de serviço à comunidade, ter a liberdade assistida, cumprimento de regime de semiliberdade. Nos casos considerados mais graves pode optar-se pela internação em estabelecimento educacional ou mesmo adotar qualquer uma das medidas previstas no Art. 101, I a VI, que são o encaminhamento aos pais ou responsável mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; ou inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

Além do caráter pedagógico, que visa à reintegração do jovem em conflito com a lei na vida social, as medidas socioeducativas possuem outro viés: o sancionatório. Isso acontece em resposta à sociedade pela lesão decorrente da conduta típica praticada. Destarte, fica evidente a sua natureza híbrida.

As medidas socioeducativas se dividem em dois grupos, a saber: as penas não privativas de liberdade que são: incisos I, advertência, II, obrigação de reparar o dano, III prestação de serviço à comunidade e IV, liberdade assistida; e as privativas de liberdade, que dividem-se em: V, inserção em regime de semiliberdade e VI, internação em estabelecimento educacional.

Nota-se crescimento do clamor social por "justiça" diante do aumento da divulgação de crimes considerados hediondos ou equiparados a estes e que são absorvidos pela sociedade como uma afronta aos costumes culturais mais básicos do cidadão comum como da ocorrência de envolvimento deste menor em homicídio, latrocínio, estupro e tráfico de entorpecentes, por exemplo.

Neide Castanha, que foi presidente do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra a Criança e o Adolescente, era uma das especialistas no trato a estas questões contrárias à redução da maioridade penal. “Está posta uma ameaça concreta a uma grande conquista dessa lei (ECA) e que ajuda uma grande parte de meninos e meninas credores de direitos e que necessitam da compreensão e proteção de todos nós, Estado-Sociedade, que é o rebaixamento da idade penal em tramitação no Congresso Nacional. Os defensores de direitos de crianças e adolescentes, como movimento social, não conseguiram uma interlocução com a sociedade para mostrar o risco que representa para todo o rebaixamento da idade penal. Isso seria um grande retrocesso, mas não o suficiente para nos desanimar”.

Com base nos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/90 - este menor, que pratica ato infracional, não é punido, mas sim, reeducado e protegido pelo regimento que tem como prerrogativa garantir a respeitabilidade a seus direitos mais fundamentais sem levar a cabo o mal social causado por este e seus desdobramentos.

Dados da Fundação Criança, de São Bernardo do Campo/SP, apontam que 806 adolescentes foram atendidos através de medidas socioeducativas em regime meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade) em 2011. A principal causa destes atendimentos foi à apresentação de algum envolvimento com o tráfico de drogas resultando em 300 casos, ou seja, 37%.  O segundo posto, em número de atendimentos, foram os roubos com 244 adolescentes (30%).

Pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em 2006, revela que, a maior parte dos cerca de 3 (três) mil Juízes de Direito entrevistados é favorável à diminuição da maioridade penal. Destes, 38,2% disseram ser totalmente favoráveis a esta redução e outros 22,8% simplesmente favoráveis. Apenas 14,5% assinalaram ser totalmente contrários à diminuição e 21,1% somente contrários. Entre os entrevistados, 2,3% se demonstraram indiferentes ao tema e 1,1% não emitiram opinião.

Quando da opção pelo aumento do tempo de internação dos menores infratores (hoje, no máximo três anos), a referida pesquisa demonstra um ânimo ainda maior por parte dos magistrados pelo recrudescimento do tratamento ofertado a aqueles que delinquem. O resultado aponta que 39,5% eram totalmente favoráveis, 35,8% favoráveis, 6,4% disseram ser totalmente contrários e 12,9% contrários, enquanto 3,6% foram indiferentes e 1,8% não opinaram.

Nesta mesma esteira seguem as respostas para o aumento de hipótese de internação dos menores infratores em que 37% dos entrevistados aparecem como totalmente a favor da medida, 36,8% favoráveis, 5,6% totalmente contrários e 14,3% contrários. Para 4,4% a medida seria indiferente e 1,8% não emitiram parecer.

Se faz mister relacionar também a grande tendência por aumentar a pena mínima para os casos de tráfico de entorpecentes para os maiores, uma vez que, o ponto central deste trabalho aborda justamente esta tipologia de crime. Sendo assim, 53,5% dos magistrados que responderam a pesquisa se demonstraram totalmente favoráveis e 23,3% favoráveis. Apenas 3,1% foram totalmente desfavoráveis, 10,9% desfavoráveis, 7,6% foram indiferentes e 1,6% não responderam.

Marie-Pierre Poirier, representante do UNICEF no Brasil, em seu preâmbulo no relatório ‘Situação da Adolescência Brasileira 2011 – O Direito de Ser Adolescente: Oportunidade para reduzir vulnerabilidades e superar desigualdades’ ressalta as diferenças sociais e mesmo raciais que interferem no pleno aproveitamento do que o ECA estipula como norma para os menores de 18 anos.

O relatório aponta as desigualdades que fazem com que, entre os adolescentes, há os que sofrem as maiores violações aos seus direitos. Nascer branco, negro ou indígena, viver no Semiárido, na Amazônia ou numa comunidade popular nos grandes centros urbanos, ser menino ou menina, ter deficiência ainda determinam de forma cruel as possibilidades que os adolescentes têm de exercer seus direitos à saúde, à educação, à proteção integral, ao esporte, ao lazer, à convivência familiar e comunitária. Tais vulnerabilidades e desigualdades precisam ser enfrentadas e superadas. O Brasil não será um país de oportunidades para todos enquanto um adolescente negro continuar a conviver com a desigualdade que faz com que ele tenha quase quatro vezes mais possibilidades de ser assassinado do que um adolescente branco.

Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, apontam que 19,1 meninos e meninas com idade entre 12 e 17 anos, em cada grupo de 100 mil brasileiros da mesma faixa etária, morreram vítimas de homicídio em 2009. O resultado é uma média de 11 adolescentes assassinados por dia no Brasil. Nos casos envolvendo adolescentes entre 15 e 19 anos, a situação se apresenta ainda mais alarmante: 43,2 em cada 100 mil pessoas nesta faixa etária são mortos. Neste caso, a média sobe para 19 mortes violentas por dia no nosso país.

Ainda conforme afirma Anthony Lake, Diretor Executivo do UNICEF:

No Brasil, as reduções na taxa de mortalidade infantil entre 1998 e 2008 mostram que foi possível preservar a vida de mais de 26 mil crianças. No entanto, no mesmo período, 81 mil adolescentes brasileiros, entre 15 e 19 anos de idade, foram assassinados. Com certeza, não queremos salvar crianças em sua primeira década de vida para perdê-las na década seguinte.

Um levantamento feito no Brasil em 2007 pelo UNICEF, com apoio do instituto Ayrton Senna e Itaú Social, mostra que os próprios jovens têm a percepção clara da sua fragilidade diante da violência. O estudo revelou que a maior preocupação dos adolescentes brasileiros é para com a política e a corrupção (37%, sendo 20% para políticos/política, 9% para corrupção dos políticos e 8% para corrupção). Em segundo lugar aparece a segurança pública (20%).

Entre os fatores que causam maiores problemas sociais, os adolescentes (que para o UNICEF têm idade entre 15 e 19 anos) apontam a falta de segurança como fator mais preocupante. “A questão ameaça de forma mais contundente alguns grupos específicos, como é o caso dos meninos e meninas com menor escolaridade (60%), menor renda em salários mínimos (58%) e representantes das classes D e E (57%). Na região onde moram, 57% dos adolescentes sentem-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos em relação à segurança pública. Para eles, o tráfico de drogas é a forma de violência mais evidente (28%)”, aponta o estudo.

Neste mesmo levantamento, o tráfico de drogas aparece como uma das principais preocupações entre os próprios adolescentes na esfera da segurança pública. “Além de demandarem o aumento do número de policiais (53%), e o combate à corrupção na polícia (43%), eles indicam o enfrentamento ao tráfico de drogas (43%) e um melhor treinamento dos policiais (37%)”.

É notória a crescente preocupação também por parte do Estado, através do tempo, em aperfeiçoar o tratamento às questões que envolvem os menores infratores, mesmo aqueles que agiram de maneira mais ameaçadora dentro da sociedade em que vivem. Porém, a culpabilidade mensurada não é na mesma proporção das medidas adotadas como forma punitiva, uma vez que, o objetivo principal é a ressocialização deste jovem e a chance dada a ele de sempre recomeçar, pelo menos, até completar os 18 (dezoito) anos.

Talvez esta atitude, até certo ponto paternalista, ocorra pela falta de eficácia e, em alguns casos, inexistência de políticas públicas positivas que amparem estes jovens antes do ato delituoso. Desta forma, o Estado faz um mea culpa e se exime de atitudes ainda mais reprováveis, uma vez que, não assegura os direitos mais básicos a esta parte da sociedade como, por exemplo, acesso à educação, esporte e lazer.

Assuntos: Crimes Hediondos, Criminal, Direito Penal, Direito processual penal, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

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