Incorporação de médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários nas forças armadas

26/10/2011. Enviado por

Os profissionais de saúde, por tratar-se de profissões não formadas pelas próprias Forças Armadas e de extrema importância para a existência e manutenção das tropas e dos seus animais, são incorporados por meio de legislação específica.

1. Introdução

Existem várias formas de ingresso no serviço militar que abrangem não só os que são voluntários, de ambos os sexos, mas também os profissionais do sexo masculino que tiveram sua incorporação adiada por estarem matriculados ou que se candidatem a matricula em institutos de ensino destinados à formação dessas profissões.

As diversas formas de ingresso compulsório no serviço militar não se excluem, mas se completam dessa forma a isenção da prestação desse serviço por um meio, não exclui eventual prestação por outro, desde que os requisitos legais sejam preenchidos.

Vários são os casos em que depois de formados, os profissionais não querem cumprir com sua obrigação militar ou, por necessidade, as Forças Armadas acabam por convocar quem já tenha sido dispensado do serviço militar por excesso de contingente a incorporar as fileiras militares. Essas situações são obscuras na legislação, possibilitando diversas interpretações, que desencadeiam processos judiciais e na consequente sobrecarga do Poder Judiciário.

2. Histórico

“No equipamento bélico do exército romano havia sempre abundante material para ataduras e curativos e a cada soldado era ensinada a arte de enfaixar.”

Separar a história da medicina da história militar é demasiado complicado, pois onde há feridos, necessita de alguém para curá-los, dessa forma uma instituição ajudou a evolução da outra. O exército necessitava de atendimento médico para suas tropas e a medicina de aplicação de suas teorias e espaço para novas experiências.

No Brasil, os primeiros hospitais surgiram a partir das instituições da Igreja – por meio das Santas Casas – e do exército, principal representante do Estado português. Em 1727 começava a funcionar o primeiro serviço hospitalar militar do Rio de Janeiro, no Morro de São Bento, que daria origem ao Hospital Real Militar da Corte, hoje Hospital Geral do Exército, e da Botica Real Militar, hoje Laboratório Químico-Farmacêutico do Exército.

Em 09 de fevereiro de 1808, Dom João, através do Decreto Regencial, originou a Diretoria de Saúde da Marinha que resultou no nascimento do ensino médico e farmacêutico e da indústria farmacêutica no Brasil. A partir de 1820 foram criados hospitais militares em diversas regiões do país, em Salvador, foi criada a Escola de Cirurgia no Hospital Real Militar, hoje Hospital Geral de Salvador, em 3 de outubro de 1832, transformou-se na primeira escola de medicina do Brasil, com a nomenclatura de Faculdade de Medicina da Bahia.

Infere-se do exposto que os profissionais da área da saúde sempre estiveram presentes nas Forças Armadas e várias foram as legislações que regularam o tema, as primeiras em 18 de junho de 1894, o Decreto nº 1.731 estabeleceu as condições de admissão dos médicos e farmacêuticos do quadro da repartição sanitária do Exército; em 1909 o Dec 7.667 tratava da inclusão não só dos médicos e farmacêuticos, mas dos dentistas e veterinários a serviço do exército no quadro do corpo de saúde.

3. Serviço Militar Obrigatório

Para melhor análise do serviço militar obrigatório há que se fazer uma composição entre as legislações que tratam do tema. A Lei 4.375/1969 Lei do Serviço Militar dispõe que os brasileiros do sexo masculino, no ano em que completarem 19 (dezenove) anos prestarão o serviço militar inicial. Essa lei foi recepcionada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que prevê em seu artigo 143 que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
Situações específicas podem acarretar o adiamento da incorporação às Forças Armadas e estão previstas no art. 29 da Lei 4.375/1969. Dentre esses casos de adiamento da incorporação, a alínea “e” do art. 29 trata especificamente dos candidatos à matrícula em instituição de ensino superior para formação em medicina, farmácia, odontologia e veterinária, in verbis:
“Art. 29. Poderão ter a incorporação adiada: (...)
e) os que estiverem matriculados ou que se candidatarem à matrícula em institutos de ensino (IEs) destinados à formação, residência médica ou pós-graduação de médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários até o término ou a interrupção do curso.
(...)
“§ 4º Aqueles que tiverem a incorporação adiada, nos termos da letra e, deste artigo, e concluírem os respectivos cursos terão a situação militar regulada em lei especial. Os que não terminarem os cursos, e satisfeitas as demais condições, terão prioridade para matrícula nos órgãos de Formação de Reserva ou incorporação em unidade da ativa, conforme o caso.”
Em virtude desses dispositivos fez-se necessário a promulgação da Lei 5.292∕1967 que dispõe especificamente sobre a prestação do Serviço Militar pelos estudantes ou profissionais formados de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária (MFDV).
3.1 MFDV x Forças Armadas

A questão controversa ocorre quando o profissional MFDV à época de sua convocação para o serviço militar ao invés de adiada sua incorporação foi dispensado por excesso de contingente e quando do término da sua graduação é convocado obrigatoriamente a prestar o serviço militar. A jurisprudência nacional majoritária entende que uma vez dispensado por excesso de contingente, o cidadão não poderá mais ser convocado para prestar serviço militar, fundamenta-se na preservação da segurança jurídica.

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 123/STJ. OMISSÃO INEXISTENTE. SERVIÇO MILITAR. MÉDICO. DISPENSA. MUNICÍPIO NÃO TRIBUTÁRIO. POSTERIOR CONVOCAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA. ESTABILIDADE JURISPRUDENCIAL. FINALIDADE.

1. É possível à Corte de origem, em juízo de admissibilidade, apreciar o mérito do recurso especial (Súmula 123 do Superior Tribunal de Justiça).

2. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida.

3. O art. 4º, § 2º, da Lei n. 5.292/1967 não se aplica aos casos de dispensa do serviço militar por excesso de contingente ou pelo fato de o município não ser contribuinte para a Prestação do Serviço Militar Obrigatório - hipótese dos autos. Precedentes.

4. A modificação da competência da Primeira Seção para julgamento da matéria referente a servidores públicos e militares não obsta a utilização da jurisprudência já consolidada nos precedentes fixados pela Terceira Seção.

5. Longe disso, mostra-se exigível tal postura, pois reforça a missão constitucionalmente promulgada ao Superior Tribunal de Justiça de zelar pela integridade e uniformização da interpretação da matéria infraconstitucional. A estabilidade jurisprudencial é finalidade a ser alcançada na prestação jurisdicional.

Agravo regimental improvido.”

(AgRg no Ag 1.318.477∕RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJ 30/09/2010)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO CONTRÁRIA AOS INTERESSES DA PARTE. SERVIÇO MILITAR. PROFISSIONAL DA ÁREA DE SAÚDE. DISPENSA POR EXCESSO DE CONTINGENTE. CONVOCAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. A sugerida contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil, consubstanciada na alegada ausência de manifestação do acórdão sobre a obrigatoriedade do serviço militar para aqueles que obtiveram o curso de graduação na área da saúde, não subsiste, porquanto o Tribunal de origem solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, apresentando todas as razões que firmaram o seu convencimento

2. Não é possível nova convocação de profissionais da área de saúde que tenham sido dispensados anteriormente do serviço militar obrigatório por excesso de contingente. Precedentes.

3. Agravo regimental desprovido.”

(AgRg no Ag 860.635/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 25/06/2007 p. 288)

“SERVIÇO MILITAR. DISPENSA POR EXCESSO DE CONTINGENTE. APLICAÇÃO DO ART. 4º, § 2º, DA LEI Nº 5.292/67. IMPOSSIBILIDADE.

Não há como se aplicar o art. 4º, § 2º, da Lei nº 5.292/67, que trata de adiamento de incorporação à médicos, aos que são dispensados do serviço militar, por excesso de contingente. Precedentes. Recurso especial conhecido e improvido."

(REsp 380.725/RS, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 09/10/2006)

“ADMINISTRATIVO. SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO. PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE. ARTIGO 4º DA LEI Nº 5.292/67. DISPENSA POR EXCESSO DE CONTINGENTE. CONVOCAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE.

1- Os estudantes das áreas mencionadas no artigo 4º da Lei nº 5.292/67, que tenham sido dispensados por excesso de contingente, não ficam sujeitos à prestação do serviço militar obrigatório após a conclusão do respectivo curso.

2- In casu, o autor sequer havia iniciado o curso de medicina antes de sua dispensa. Precedente.

3 - Recurso improvido.”

(RESP 617.725/RS, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, DJe 05/12/2005)

Com toda a vênia, às colendas Turmas que entendem ser inaplicável o art. 4º, § 2º, da Lei n. 5.292/1967 aos que foram dispensados por excesso de contingente ou mesmo por residir em município não tributário, mas as situações são distintas, mesmo que aparentemente iguais, tendo em vista o art. 19 que prevê:

“Art 19. Sempre que as disponibilidades de MFDV excederem às necessidades ou possibilidades das Organizações Militares, terão prioridade de incorporação, dentro das RM, satisfeitas as condições de seleção:(...)

§ 3º Os portadores do Certificado de Reservista de 3ª categoria ou de Dispensa de Incorporação.” (grifei)

Observa-se, portanto que a dispensa por excesso de contingente não afasta a aplicação da Lei 5.292∕1967. Ainda, mais quando a instituição militar sequer tem o conhecimento de o cidadão já estar matriculado em cursos de MFDV, ou mesmo quando o convocado nem terminou o ensino médio com 18 anos. Como a Administração Pública Militar pode ser penalizada[1] ou mesmo responsabilizada por um fato futuro?

Além disso, o artigo 50 da Lei 5.292∕1967 resta claro que os profissionais de MFDV estão sujeitos a prestarem serviço militar obrigatório até os 38 (trinta e oito) anos de idade, mesmo que dispensados de incorporação, in verbis:

“Art 50. Constituem deveres dos MFDV que venham a ser diplomados pelos IE correspondentes, qualquer que seja o documento comprobatório de situação militar de que sejam possuidores, com exceção apenas dos que forem designados à incorporação em Organização Militar para a prestação do EAS:

a) se possuidores do Certificado de Dispensa de Incorporação ou de Reservista, os fixados na Lei do Serviço Militar e sua regulamentação, até 38 (trinta e oito) anos de idade;”

A Primeira, Quinta e Sexta Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça, entendem de forma diversa das jurisprudências já descritas:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIÇO MILITAR. PROFISSIONAL DA ÁREA DE SAÚDE. DISPENSA. EXCESSO DE CONTINGENTE. CONVOCAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA LEI 5.292/67. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Cuida-se de demanda na qual foi decidido que "conforme disposto em lei, mesmo obtendo o CDI (Certificado de Dispensa de Incorporação), como no caso, os profissionais da Medicina estão sujeitos à prestação do serviço militar obrigatório até o ano em que completarem 38 (trinta e oito) anos de idade, restando inadmissível o entendimento defendido pelo r. acórdão recorrido. Isso porque a dispensa do serviço militar com inclusão no excesso de contingente dá-se no ano de referência para os nascidos em determinada classe. Se o cidadão passa a enquadrar-se na Lei nº 5.292/67 e ainda não cumpriu com o serviço militar obrigatório, sua situação será novamente analisada, para o fim de nova convocação" (fl. 128).

2. Conforme bem afirmou a Min. Maria Thereza de Assis Moura, "o art. 4º, § 2º, da Lei nº 5.292/67, que trata de adiamento de incorporação, é inaplicável aos médicos que são dispensados do serviço militar, seja por excesso de contingente ou por residir em município não-tributário" (AgRg no REsp 1.098.837/RS, Sexta Turma, DJe 1º/6/09).

3. Agravo regimental não provido.”

(AgRg no Ag 1.318.795∕RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJ 14/10/2010)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO MILITAR. DISPENSA. EXCESSO. CONTINGENTE. CONVOCAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE.

1. Segundo a orientação jurisprudencial pacificada no âmbito desta Corte Superior, não se aplica o art. 4º, § 2º, da Lei n. 5.292/67 aos profissionais da saúde - médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários - anteriormente dispensados do serviço militar obrigatório por excesso de contingente, razão pela qual não podem ser novamente convocados após a conclusão do curso superior.

2. Agravo regimental improvido

(AgRg no REsp 893.068/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 4/8/08).

ADMINISTRATIVO. SERVIÇO MILITAR. PROFISSIONAL DA ÁREA DE SAÚDE. DISPENSA POR EXCESSO DE CONTINGENTE. CONVOCAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE PREQUESTIONAR DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE NA VIA ESPECIAL.

1. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte Superior, firmado no sentido de que o art. 4.º, § 2.º, da Lei n.º 5.292/67 não se aplica àqueles profissionais da área de saúde que tenham sido dispensados, à época do serviço militar obrigatório, por excesso de contingente.

2. A esta Corte é vedada a análise de dispositivos constitucionais em sede de recurso especial, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte. Precedentes.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 1179256/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 06/10/2009, DJe 03/11/2009).

AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. MÉDICO. SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO. DISPENSA POR EXCESSO DE CONTINGENTE. TÉRMINO DO CURSO SUPERIOR. NOVA CONVOCAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA LEI Nº 5.292/67.

1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que não há como aplicar o art. 4º, § 2º, da Lei nº 5.292/67, que trata de adiamento de incorporação, aos médicos que são dispensados do serviço militar por excesso de contingente.

2. Hipótese em que o agravado foi dispensado por excesso de contingente, pelo que não é possível sua convocação para o serviço militar obrigatório após a conclusão do curso de Medicina.

3. Agravo a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 1092446/RS, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado Do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 23/04/2009, DJe 11/05/2009).

4. LEI 12.336 DE 26 DE OUTUBRO DE 2010

Resultado das diversas batalhas judiciais em razão da necessidade dos profissionais MFDV e da demanda escassa às Forças Armadas foi promulgada a Lei 12.336 de 26 de outubro de 2010, que alterou vários artigos da Lei 4.375∕1964 e da Lei 5.292∕1967 e revogou expressamente o §2º, Art 4º, dessa.

O Art.4º da Lei 5.292∕1967, antes de ser alterado, previa:

“Art. 4º Os MFDV que, como estudantes, tenham obtido adiamento de incorporação até a terminação do respectivo curso prestarão o serviço militar inicial obrigatório, no ano seguinte ao da referida terminação, na forma estabelecida pelo art. 3º e letra a de seu parágrafo único, obedecidas as demais condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação. (...)

§ 2º Os MFDV que sejam portadores de Certificados de Reservistas de 3ª Categoria ou de Dispensa de Incorporação, ao concluírem o curso, ficam sujeitos a prestação do Serviço Militar de que trata o presente artigo.”(Revogado pela Lei nº 12.336, de 2010)

Nota-se que o caput do artigo citado permite a convocação para o serviço militar obrigatório no ano seguinte ao término dos cursos superiores de medicina, farmácia, odontologia ou veterinária, tão-somente para o estudante que tenha obtido o adiamento de incorporação. No entanto, o § 2º do mesmo dispositivo abrange a prestação do serviço a todos os portadores de Certificados de Reservistas de 3ª Categoria ou de Dispensa de Incorporação, tornando inócua a regra do caput.

Desta forma, fica mais claro o motivo da controvérsia e dos diversos entendimentos jurisprudenciais gerados pelo Superior Tribunal de Justiça.

A nova redação do referido artigo, dada pela Lei 12.336∕2010, prevê:

“Art. 4o Os concluintes dos cursos nos IEs destinados à formação de médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o serviço militar inicial obrigatório no momento da convocação de sua classe, por adiamento ou dispensa de incorporação, deverão prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós-graduação, na forma estabelecida pelo caput e pela alínea ‘a’ do parágrafo único do art. 3o, obedecidas as demais condições fixadas nesta Lei e em sua regulamentação.”(Redação dada pela Lei nº 12.336, de 2010)

Com essa alteração, espera-se o fim do entrave e suprir a necessidade dos profissionais de saúde nas Forças Armadas, conforme apresentado na justificação do Ministro da Defesa Nelson Jobim diante do Presidente da República, quando da apresentação do Projeto de Lei:

“Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

1. Submeto à superior deliberação de Vossa Excelência o anexo projeto de lei que acresce e altera dispositivos da Lei no 4.375, de 17 de agosto de 1964, que dispõe sobre o Serviço Militar, e faz modificações na Lei no 5.292, de 8 de junho de 1967, que dispõe sobre a Prestação do Serviço Militar pelos Estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária e pelos Médicos, Farmacêuticos, Dentistas e Veterinários.

2. A atualização pretendida tem por objetivo regulamentar os novos procedimentos a serem adotados e esclarecer a sociedade sobre as peculiaridades do Serviço Militar obrigatório a ser prestado pelos médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários após a conclusão dos respectivos cursos.

3. Essa iniciativa decorre da demanda existente em especial na realização de ações subsidiárias de assistência à saúde pelas Forças Armadas em áreas do interior do País e em comunidades pobres das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte.

4. Faz-se necessário que as Leis nº 4.375, de 1964, e nº 5.292, de 1967, sofram adequações relativas à convocação de médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o Serviço Militar inicial obrigatório por motivo de adiamento ou dispensa de incorporação quando da convocação de sua classe, pois ao término desses cursos de formação e de residência médica, quando da convocação específica para a área de saúde, muitos jovens recorrem ao Judiciário a fim de serem liberados da prestação do Serviço Militar.

5. Por falta de clareza, a legislação em vigor possibilita diferentes interpretações e, consequentemente, decisões judiciais desfavoráveis ao processo convocatório das Forças Armadas. Essa obscuridade legislativa, aliada à diversidade de entendimentos no âmbito judicial, desencadeia um sério problema: a falta desses profissionais, principalmente médicos, em cada uma das Forças Singulares.

6. É cada vez mais grave a situação gerada pela ausência de médicos nas áreas mais carentes, ditas inóspitas, a exemplo da Amazônia, onde muitas vezes o único atendimento à população local, incluindo os indígenas, é realizado por ação das Organizações Militares de Saúde ou dos Postos Médicos localizados nos quartéis, como os Pelotões Especiais de Fronteira.

7. Não é demais ressaltar que as alterações apresentadas permitirão a plena aplicação da legislação, reduzindo ou evitando a interposição de ações judiciais que tenham por objeto a liberação de médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários da prestação do Serviço Militar inicial obrigatório.

8. São essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a propor a Vossa Excelência a edição do projeto de lei em comento.[2]”

Não só o Ministro da Defesa, representando as Forças Armadas, defendeu o projeto de lei, mas os próprios conselhos de classe conforme trecho de notícia da audiência pública na Câmara dos Deputados Federais:

“(...)Os comentários foram feitos durante audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), onde se discutiu o Projeto de Lei 6.078/2009. Além do CFM, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), também manifestaram apoio ao texto.

Para o 1º vice-presidente do CFM, Carlos Vital, se trata de um projeto de cidadania. ‘A classe médica brasileira tem plena consciência de seu mister de preservação da vida e da saúde. Portanto, quer estar presente em regiões mais vulneráveis e distantes’, ressaltou. Contudo, ele alertou os parlamentares e a sociedade a respeito da necessidade de que os jovens profissionais que entram nas Forças Armadas contem com a orientação de preceptores (médicos mais experientes).”[3]

III Conclusão

Diante do exposto, pode-se notar que a controvérsia existente é a necessidade do Poder Público em atender a demanda de suas tropas e mesmo a população mais carente que é auxiliada na área da saúde pelas Forças Armadas versus a independência profissional dos médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que querem exercer a liberdade de escolherem o destino de suas carreiras como qualquer cidadão.

Porém, as profissões nas áreas de saúde têm uma peculiaridade, pois são essenciais a existência da própria sociedade, da própria vida.

Além da explanação do tema, tem-se, ainda, uma outra questão não abordada pelas decisões judiciais: a ofensa ao princípio da isonomia, pois o cidadão que ingressar na faculdade de medicina com 17 (dezessete) anos deverá ter sua incorporação adiada para posterior prestação do serviço militar, enquanto o convocado que for dispensado por excesso de contingente e após ingressar em Instituição de Ensino Superior não teria que prestar o serviço militar por já ter sido dispensado.

Dessa forma, a Lei 12.336 de 26 de outubro de 2010, resolve a controvérsia e a duplicidade de interpretações das diversas legislações, fazendo prevalecer a necessidade das Forças Armadas, como Poder Público em detrimento da decisão dos particulares, obedecendo a um dos maiores princípios da Administração Pública, que é condição de existência da própria Constituição e pressuposto lógico da co-existência social dos indivíduos. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

Relevante ressaltar a preocupação de que resolvido ou, pelo menos, amenizado o problema da escassez de profissionais MFDV nas Forças Armadas, esses mesmos profissionais recém-formados, sem experiência, não se tornem maioria para o atendimento às tropas militares, nem tampouco desculpa para a não interiorização da medicina pelo Ministério da Saúde.

Assim como as áreas cobertas por esses profissionais sejam abastecidas com infra-estrutura para que após o serviço militar obrigatório eles também tenham algum ganho profissional e não apenas cívico.

Dessa forma, fica evidenciado que com a nova lei houve um grande avanço para amenizar as dificuldades na área da saúde nas Forças Armadas, porém a interiorização da saúde não deve estar sob a responsabilidade militar, mas nas mãos dos órgãos responsáveis pela saúde de todos os brasileiros, independentemente de onde se encontram.

Referências Bibliográficas

Acórdão referente ao agravo no agravo de instrumento nº 1.318.477∕RS. Disponível em: <www.stj.jus.br> - Acesso em 25 de Outubro de 2010;

Acórdão referente ao recurso especial n°1134493/MS. Disponível em: <www.stj.jus.br> - Acesso em 03 de Abril de 2010;

A medicina em História – A Medicina Romana – Volume IV nº 2 Março/Abril 2002. Disponível em: <http://www.saude-mental.net/pdf/vol4_rev2_leituras.pdf>. Acesso em: 23 de Outubro de 2010.

Constituição da República Federativa do Brasil;

Lei 4.375∕1969 – Lei do Serviço Militar

Lei 5.292∕1967

Código de Conduta da Alta Administração Federal publicado no DOU de 22.08.2000 e a Res. 2, de 24.10.2000;

Dec. 1.171, de 22.06.94 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil e Federal);

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 1995;

JÚNIOR, José Cretella. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1997;

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. – São Paulo: Malheiros,2002;

MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. – São Paulo: Malheiros, 1995;

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade: Novas Reflexões sobre os limites e Controle da Discricionariedade. 3. ed. – Rio de Janeiro: Saraiva, 1998;

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 9. ed. – São Paulo: Atlas, 1998.

 

[1] Pela necessidade de profissionais da área da saúde, inclusive em regiões inóspitas como as regiões de fronteira, onde as Forças Armadas estão presentes, mas nem sempre as necessidades básicas para sua tropa podem ser supridas.

[2] COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA,PROJETO DE LEI Nº 6.078, DE 2009, disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/760119.pdf> Acesso em: 30 de outubro de 2010.

[3] CFM apoia proposta de serviço militar para médicos, mas faz alerta - Vice-presidente da entidade defende que os jovens profissionais recebam a orientação de um preceptor. Disponível em: <http://www.isaude.net/pt-BR/noticia/3375/profissao-saude/cfm-apoia-proposta-de-servico-militar-para-medicos-mas-faz-alerta>Acesso em 31 de Outubro de 2010.

Assuntos: Direito Administrativo, Militar, Questões militares, Trabalho

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