Flexibilização/precarização das relações de trabalho no Brasil

13/04/2013. Enviado por

O presente trabalho pretende expor algumas questões polêmicas acerca da flexibilização das relações de trabalho, mas especificamente no contexto brasileiro.

INTRODUÇÃO:

O presente trabalho tem como tema a flexibilização/precarização das relações de trabalho, em decorrência da modificação dos seus institutos e do próprio direito do trabalho, bem como sua vinculação com os Direitos Fundamentais. No estudo que, por ora, realizamos, apesar de não abordarmos todos os aspectos em que este fenômeno se insere – e nem pretendíamos, em vista da hercúlea e, porque não dizer, irrealizável tarefa – entendemos que sua análise restaria prejudicada se não tratássemos dos contextos social, econômico e político nos quais está inserida a problemática dos mencionados direitos.

A escolha do tema é decorrente da tentativa de compreender este novo sistema de relações de trabalho que visa transpor a intervenção estatal e estimular a negociação coletiva com o fim de promover competitividade das empresas e redução dos custos da produção, a qualquer preço.

Além disto, pretende-se averiguar os efeitos da referida flexibilização, com destaque à precarização, diante do conceito de igualdade substancial e do princípio protecionista que norteia as relações juslaborais.

Assim sendo, nosso objeto de apreciação, neste momento, será o fenômeno da globalização e os desafios por ele impostos ao constitucionalismo. A questão que se instala diz respeito, portanto, às interferências do avanço da globalização no Estado e no contexto atual do constitucionalismo brasileiro, bem como ao posicionamento que se há de ter diante da ocorrência de tão grandes transformações.

Registre-se que é de extrema revelância a análise minuciosa deste tema, pois além de ter aplicabilidade, é polêmico, e capaz de proporcionar diferentes posicionamentos.

DIREITOS FUNDAMENTAIS, GLOBALIZAÇÃO E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

Segundo Ítalo Roberto Fuhrmann e Souza, a globalização pode ser designada como um processo de crescente interdependência entre as nações e sociedades, engendrando mecanismos de incorporação dos povos do mundo em uma única sociedade mundial. Registra o mencionado autor que:

Esse processo vem se desenvolvendo de forma mais intensa a partir da década de 1980, e especialmente, a partir do fim da chamada “Guerra Fria” e da abertura irrestrita dos países que compunham o bloco soviético à economia de mercado, através de um contínuo aperfeiçoamento das tecnologias, em especial no que concerne ao sistema de transporte, comunicação e sistema bancário, acabando por propiciar intensos fluxos de capitais, bens, informações e pessoas até então jamais vistos.[1]

O fenômeno sobre o qual nos inclinamos tem produzido fortes reflexos na vida social e econômica da população mundial, e também da população brasileira. No plano econômico, constatamos que a globalização projetou os seus efeitos na competitividade das empresas, na nova forma de organização da produção e das relações de trabalho, em face dos limites da intervenção estatal vista como capaz de restringir a autonomia empresarial, aumentar os custos do desenvolvimento da atividade explorada, e, até mesmo, retardar o desenvolvimento da economia.

Os reflexos, a nível social, são, além de perceptíveis, vivenciáveis. Registramos que as difundidas promessas de liberdade de consumo e expansão do comércio geraram índices reais de miséria e exclusão social.

Embora tais promessas de liberdade do mercado livre tenham conquistado um número significativo de adeptos no mundo acadêmico, suas implicações práticas revelaram-se nefastas para a maior parte da população mundial, com um incremento escrachante da concentração de riqueza, assim como da exclusão social que vem marginalizando seguimentos inteiros da população. Como bem apontam Hans Peter Martin e Harald Schumann em livro que virou best-seller, a globalização neoliberal transformou o mundo em uma sociedade que eles denominam de 20 por 80, ou seja, apenas 20% da população mundial é necessária para manter a atividade econômica em movimento; para os outros 80%, a liberdade prometida pelo mercado se resume em pouco mais do que pão e circo.[2]

No campo jurídico, assistimos ao vilipêndio dos valores consagrados em várias constituições, elaboradas com vistas à redução das desigualdades sociais e à manutenção dos regimes democráticos.[3]

Sobre esse cenário, aponta Paul Singer:

O impacto da globalização está se fazendo sentir de forma cada vez mais forte e difusa. A sua recepção inicial foi marcada pelo entusiasmo otimista, mas com o correr do tempo este foi sendo substituído pelo temor e pelo desencanto. O mundo globalizado tornou-se mais aberto e receptivo, mas, além das novidades consumíveis, o exterior está nos mandando quebra de empresas, corte de postos de trabalho e crises financeiras.” [4]

No contexto deste processo globalizante, está encartada a ideologia do neoliberalismo, que defende o livre comércio, sem a intervenção político-estatal na esfera econômica. O papel do Estado, nesses ditames, seria o de utilizar seu poder coercitivo para impedir que os indivíduos lesionem a preservação e a manutenção da economia do mercado.

Realizando uma análise do neoliberalismo, enquanto fenômeno mundial, Perry Anderson afirma o seguinte:

Tudo que podemos dizer é que este é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional.

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizada como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas.[5]

Para transpor a intervenção e regulação do Estado, e, por conseguinte, lograr êxito nos seus propósitos de desregulamentação, flexibilização, bem como eliminação de parte das normas do direito interno, o pensamento neoliberal tem se sustentado em uma alegada necessidade de adaptação dos países ao mundo globalizado para a garantia da competitividade de mercado.

Segundo José Francisco Siqueira Neto, a flexibilização do direito do trabalho “consubstancia-se no conjunto de medidas destinas a afrouxar, adaptar ou eliminar direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva”. Em seguida, esclarece que:

A flexibilização do direito do trabalho é também entendida como um instrumento de adaptação rápida do mercado de trabalho. Neste sentido é concebida como a parte integrante do processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o direito laboral de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento.[6]

Márcio Túlio Viana, após destacar que o mundo pós-moderno se submete à diversidade, procurando soluções pragmáticas, registra que:

O slogan tem certo charme e causa impacto (...). O verbo é também simpático: passa a idéia de inovação, abertura, modernidade. Afinal, o contrário de flexível é inflexível. Faz pensar em ditadura, mente estreita, preconceito. O problema é que o verbo se tornou irregular, nem sempre se conjuga com todos os pronomes. O capital ordena: flexibilizem!. Mas se recusa a dizer: flexibilizo!. [7]

Para Pierre Bourdieu, a flexibilização unilateral por parte do empregador justifica-se pela precariedade que está por toda a parte, dando aos trabalhadores a impressão de que são, facilmente, substituíveis e que estão ameaçados pela perda do emprego. E diante disto:

A precariedade atua diretamente sobre aqueles que ela afeta e indiretamente sobre todos os outros pelo temor que ela suscita e que é metodicamente explorado pelas estratégias de precarização, com a introdução da famosa “flexibilidade”. Começa-se assim a suspeitar que a precariedade é o produto de uma vontade política, e não de uma fatalidade econômica, identificada com a famosa “mundialização”.[8] 

No atual cenário, à medida que o neoliberalismo ganha espaço, influenciando o fenômeno da globalização, observamos o enfraquecimento do Estado – que perde suas forças sobre a economia e, até mesmo, sobre a formulação e implementação de políticas públicas – e a inefetividade dos direitos sociais. 

No âmbito brasileiro, analisando o enfraquecimento da atuação do Estado, a extinção e precarização dos direitos, Carlos Eduardo Soares Freitasafirma que a política neoliberal afeta o contrato de trabalho não apenas na não regulamentação de novos direitos constitucionais. Segundo ele, ao abrir a economia a produtos estrangeiros, força-se mudanças nas políticas produtivas das empresas sediadas no país, obriga-se as empresas a discutir custos de produção e em especial os custos do trabalho. Neste sentido, o mercado de trabalho brasileiro tende, então, a tornar-se ainda mais flexível.[9]

Resta evidenciado, portanto, que o advento da globalização tende a alterar a soberania dos Estados, fato justificável pelo alcance obtido pelo capital internacional que lhe permite se insurgir contra as normas de direito interno do Estado que considere contrárias aos seus interesses.[10]

Felipe Derbli[11] entende que isso ocorre porque as empresas transnacionais fazem uso de sua mobilidade para, planejando suas ações em escala mundial, conduzi-las não de acordo com as normas de conduta dos Estados nacionais, mas segundo os termos que para si mesmas estabelecem.

Possuem, por exemplo, o poder de escolher o país onde implantarão suas atividades, de acordo com a legislação trabalhista, tributária e previdenciária etc. que lhe seja mais propícia ao incremento dos lucros. Em contrapartida, muitos dos países em desenvolvimento, tendo em vista caóticas situações de recessão e desemprego, tendem a flexibilizar o seu direito interno – no que se inclui a própria alteração de suas Constituições, mediante a edição de emendas completamente casuísticas – para atender as exigências do capital externo (foi o que ocorreu, por exemplo, no Brasil, com as Emendas Constitucionais nº 5, 6, 7, 8 e 9/05) ampliando os trágicos quadros de exclusão social.[12]

Esta precariedade afeta profundamente qualquer homem ou mulher que estejam expostos aos seus efeitos, tornando o futuro incerto, e, por conseguinte, retirando dos homens o mínimo de esperança no futuro, ceifando a possibilidade de revolta, sobretudo coletivamente, contra o presente.

Em meio à realidade de um constitucionalismo ameaçado pela globalização econômica, calcada em uma ideologia que despreza o direito em favor da lei da mercadoria, a Constituição é encarada como um verdadeiro entrave aos avanços da globalização, vez que interessa ao capital internacional a supressão das normas constitucionais que lhes desfavoreçam o aumento dos lucros. A Constituição é vista como empecilho para a globalização especialmente nos princípios e regras que estabelecem como finalidade a redução das desigualdades sociais.[13]

Neste mister, é imperioso reconhecer a força normativa da Constituição, capaz de operar na sociedade as mudanças por ela desejadas. Por mais sensíveis que tenham sido os abalos causados sobre dos paradigmas do Direito Constitucional pelo fenômeno da globalização, não pode ser ignorada toda uma bem-sucedida evolução do constitucionalismo, interrompendo-se o projeto de modernidade cuja implementação tanto custou a iniciar. Assim, em síntese, cumpre ao constitucionalismo resistir aos avanços da economia globalizada e às novas formas de exclusão social que lhe são correlatas, tanto quanto possível e necessário para a realização de seus objetivos de democracia pluralista e justiça social.[14] 

De tudo isso, infere-se que ainda é indispensável a participação do Estado, vez que o constitucionalismo ainda não cumpriu, por completo, a sua missão. Enquanto houver injustiça social e opressão, continua confiada à Constituição a tarefa de indicar ao Estado e aos particulares os caminhos para garantir a redução das desigualdades entre os indivíduos, a participação democrática e plural na vida em comunidade e proteção dos direitos fundamentais.[15]

FLEXIBILIZAÇÃO OU PRECARIZAÇÃO: QUAL A PALAVRA DE ORDEM?

A nova estruturação capitalista das últimas décadas, marcada pela globalização da economia, internacionalização dos mercados financeiros e crescente interação entre os países e povos, produziu iminentes reflexos no mercado de trabalho.

Neste contexto, fortaleceu-se o pensamento neoliberal – base ideológica da globalização – que apóia a desregulamentação, a flexibilização, bem como a eliminação de parte das normas trabalhistas. A principal justificativa para tanto é a necessidade de adaptação dos países ao mundo globalizado, ou seja, a adequação à tendência predominante de garantir a competitividade do mercado a qualquer custo.

No caso do Brasil, o sistema de relações de trabalho, apesar das várias mudanças a que já foi submetido, ainda, é considerado, mundialmente, como rígido, com fortes marcas do intervencionismo estatal e, portanto, com dificuldades para atender, por hora, a dinâmica do mercado internacional.

Ocorre, entretanto, que no Brasil a flexibilização das relações de trabalho não se traduz em um fenômeno recente, mas, ao contrário disto, data do período militar, que foi, posteriormente, retomado no governo de Fernando Henrique Cardoso através de reformas que visavam reduzir o custo da produção, com o fim do produto brasileiro ganhar competitividade internacional, tomando com paradigma a China.

Acerca da mencionada desregulamentação e dos reflexos do neoliberalismo no Brasil, CarlosEduardo Soares Freitasaponta que foi na década de 90 que a presença da política neoliberal fez-se presente no território nacional. Neste sentido, aduz que:

O governo Fernando Collor patrocina reformas legais visando a adequação do ordenamento jurídico brasileiro às movimentações e necessidades do mercado internacional: são aprovadas a lei das privatizações e a abertura do mercado brasileiro a produtos estrangeiros. A partir de 1995, já na gestão Fernando Henrique, altera-se a Constituição Federal para viabilizar a quebra do monopólio estatal do gás canalizado, das telecomunicações e do petróleo e para que as empresas brasileiras de capital nacional deixassem de ter um tratamento especial em relação às empresas estrangeiras.

No que toca diretamente às relações de trabalho, aí incluindo a organização sindical, é também de 1995 em diante que o ritmo de flexibilização se acelera: redução das verbas rescisórias ao assalariado rural, criação do banco de horas, do trabalho por prazo determinado, do serviço voluntário, do trabalho a tempo parcial, da suspensão temporária, além da fixação de valores irrisórios para o salário mínimo e de um sistema de participação nos lucros e resultados que requer presença limitada dos trabalhadores, além de outras medidas. Com o tempo, o mercado de trabalho brasileiro passa a se ressentir dos efeitos dessas medidas, com grave ampliação do número de desempregados e redução dos rendimentos dos trabalhadores.

São regras que, em conjunto, mexem com todo o mercado de trabalho, mesmo naqueles setores que não as cumprem rigorosamente. O trabalhador submetido a contratos e condições formais desreguladas terá uma remuneração reduzida, ou um tempo de trabalho diferenciado, de modo que sua situação permanecerá como a de um trabalhador à procura de postos formais de trabalho; isto é: a ocupação em um emprego de características precárias tende a não satisfazer o empregado, mantendo-o na faixa daqueles que buscam postos de trabalho (somando-se com outros nesta situação, e com os desempregados em geral). À medida que o trabalhador precário permanece na disputa por postos de trabalho não precários, o mercado de trabalho vê um aumento no número de pessoas em busca de empregos, o que afeta a toda a sociedade, e não só aos setores onde há contratações formais.[16]

Segundo o próprio Milton Friedman, neoliberal da escola de Chicago, o governo deve:

[...] manter a lei e a ordem; definir os direitos de propriedade; servir de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgar disputas sobre interpretações de regras; reforce contratos; promova a competição; fornecer uma estrutura monetária; envolver-se em atividade para evitar o monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplementar a caridade privada e a familiar na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano ou de uma criança.[17]

Por tratar-se, em bem verdade do enfraquecimento das relações de trabalho, bem como do contrato de trabalho, em si, alguns pensadores acreditam que se trata, em bem verdade, de precarização das relações, e não flexibilização, como, ideologicamente, quer fazer crer o neoliberalismo.

Nesta linha de intelecção, Marcio Túlio Viana esclarece que, na retórica neoliberal, a lei está cheia de velharias, é rígida em excesso, tem raízes corporativistas e é paternalista, motivo pelo qual os neoliberais buscam deslegitimar o Estado, a fim de fortalecer o mercado.

Neste aspecto, também comunga Pierre Bourdieu quando afirma que “o discurso neoliberal não é um discurso como os outros (...). É um discurso forte e tão difícil de combater porque tem a favor de si todas as forças de um mundo de relações de forças (...), orientando as escolhas econômicas daqueles que dominam as relações econômicas e acrescentando assim sua própria força” e que se sustenta pela utopia de um mercado puro e perfeito através de uma ação transformadora, ou destruidora, de todas as medidas políticas. 

Vale destacar que esta competitividade não se resume às empresas nacionais, mas, inclusive, tem escala internacional, já que pode haver a mobilidade do capital, e o seu “deslocamento” para os países com salários baixos, onde o custo do trabalho é reduzido.

Diante desta realidade, parece que flexibilizar é a palavra de ordem para que se pudesse enquadrar os países nas atuais exigências do mundo globalizado. Flexibilizar, então, seria adotar medidas capazes de adaptar, afrouxar ou eliminar os direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva. Ou seja, significa dizer, por exemplo, que em momentos de mudança econômica, tal como a atual crise econômica enfrentada, deve-se flexibilizar, sob pena de criação de uma massa de desempregados. Em outras palavras, deve o capital se submeter aos ditames do capital, só para variar!.

Neste ínterim, Márcio Túlio Viana ensina que o slogan tem charme e causa impacto. Isto porque quando se fala em flexibilização, muitas pessoas associam à idéia de inovação, abertura, modernidade.

Afinal, ser flexível é o contrário de ser inflexível, que traz uma concepção de ditadura, mente estreita, preconceito. E isto faz com que haja respaldo ideológico, legitimando as contradições que este instituto semeia.  A grande             questão, no entanto, é que o trabalho tem atendido a todas as ordens do capital de flexibilização, no entanto, em contrapartida, o capital tem se recusado a flexibilizar.

De igual forma, para Pierre Bourdieu, a “flexibilização” tem sido unilateral, vez que ocorre apenas por parte dos empregados, o que acaba por submetê-los á condição de precariedade.

Esta precariedade afeta profundamente qualquer homem ou mulher que estejam expostos aos seus efeitos, tornando o futuro incerto, e, por conseguinte, retirando dos homens o mínimo de esperança no futuro, logo matando a possibilidade de revolta, sobretudo coletivamente, contra o presente.

Para Bourdieu, a precariedade está em toda parte, tanto no setor privado, quanto no público, onde se multiplicam as posições temporárias e interinas, bem como processos de terceirização de serviços.  Precariedade esta que produz efeitos bastante visíveis como no caso extremo dos desempregos.

Tendo em vista esta realidade que têm afetado os trabalhadores, como não pensar nas antigas marchinhas de carnaval? Como não pensar que “se a canoa não virar, olé, olé, olá, chegaremos lá”, ou “vai com jeito vai se não um dia a casa cai” ou, até mesmo, “atrás do trio elétrico do desemprego, só não vai quem já morreu”?

Por certo, a existência, para o capital, de um importante exército de reserva, o qual não mais se resume aos níveis mais baixos de competência e de qualificação técnica, contribui para dar aos trabalhadores a impressão de que não são insubstituíveis e que o seu trabalho é um privilégio, no entanto, um privilégio fraco e ameaçado.

E assim, deve o empregado sentir-se privilegiado, no entanto, ameaçado, motivo pelo qual deve fazer o possível para permanecer no seu emprego. Isto porque o seu colega de trabalho não é mais encarado como um companheiro para futuras e possíveis lutas contra o capital, mas, acaba se tornando um rival, já que, caso ele se desenvolva muito bem, pode apenas ele permanecer no emprego, por exemplo.

No ponto, pode-se anuir com Pierre Bourdieu quando enfatiza que isto gera uma concorrência pelo emprego não penas fora do ambiente do trabalho, mas o pior, no próprio ambiente do trabalho, conduzindo à desmobilização da classe dos trabalhadores, afligidos pela taxa de desemprego ou subemprego e habitados, permanentemente, pela obsessão do desemprego.

Como bem esclarece o autor: “A concorrência no trabalho e pelo trabalho é reveladora de uma luta de todos contra todos, que destrói os valores de solidariedade e de humanidade, e, às vezes, de uma violência sem rodeios”.

Os desempregados e dos trabalhadores destituídos da estabilidade perdem toda sua força, vigor e não são passíveis de mobilização.

E assim, a precariedade se inscreve num modo de dominação, fundado na permanente sensação de insegurança, que obriga os trabalhadores à total submissão e à aceitação da exploração, já que, em caso contrário, estariam na rua e outro, facilmente, tomaria o seu lugar.

Com este entendimento, calha trazer á baila as ponderações de Marcio Túlio Viana, especialmente quando aduz que para os trabalhadores não há mais certeza de muita coisa, a única certeza geral é a incerteza de tudo. Isto porque aumenta o desemprego, renasce o subemprego e o sindicato se enfraquece.

Em seguida, afirma que as transformações também têm afetado os princípios do Direito do Trabalho, já que as leis que protegem o trabalhador já não são mais tão protetivas, quanto um dia pareceram, a exemplo do princípio da proteção que, consoante interpretações, já não é mais dirigido ao empregado, mas ao empregador, que deve ser protegido a qualquer custo, sob o argumento de que assim quem ganha mesmo é o empregado.

CONCLUSÃO:

Frente ao quadro exposto e diante dos pensamentos sustentados pelos autores supracitados, alguns questionamentos tornam-se imprescindíveis: Haveria outra escolha aos trabalhadores senão “flexibilizar”? Teriam eles como negar-se à exploração implantada pelo capital? O Direito do Trabalho, em verdade, é instrumento de proteção ao trabalhador ou instrumento de regulação do mercado de trabalho? Num contexto interno, o Brasil cumpre a função social do trabalho preceituada pela Carta Magna?

Em uma leitura contemporânea, Pierre Bourdieu, utilizando neologismo, afirma a existência de um estado de flexploração. Palavra que evoca a gestão da insegurança e que demonstra uma exploração cada vez mais “bem-sucedida”, fundada na divisão entre aqueles, cada vez mais numerosos, que não trabalham e aqueles, menos numerosos, que trabalham cada vez mais.

E é diante destas anotações que Bourdieu defende que se trata de algo que ultrapassa as razoes meramente econômicas, vez que é muito mais que um regime econômico regido por leis inflexíveis, como afirmam, na verdade, é um regime político que só pôde ser instaurado com a cumplicidade dos poderes propriamente políticos.

Defende ele que contra este regime político, a luta é possível. Luta que pode ter como fim encorajar as vítimas da exploração a trabalhar, em comum, contra os efeitos destruidores da precariedade. Revolução que poderia começar pelo abandono da visão calculista e individualista que reduz agentes a condição de homens preocupados, meramente, em resolver questões estritamente econômicas.

Ademais, deve-se buscar a interpretação que melhor atenda o ideal de tutela, resguardando a importância do Direito do Trabalho para além do sujeito, ou seja, para toda a sociedade.

Por fim, como defende Marcio Túlio Viana, não se trata apenas de saber o que o futuro nos reserva, mas o que o futuro espera de nós. Daqueles que têm papel transformador, capaz de destruir a estrutura posta e reconstruí-la, tomando por base estratégias democráticas que viabilizem a efetivação do direito material.

REFERÊNCIAS

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[1] SOUZA, Ítalo Roberto Fuhrmann e. Princípio da Proibição do Retrocesso Social e Constitucionalismo Dirigente: a problemática da defesa dos direitos fundamentais sociais no direito brasileiro. Rio Grande do Sul: PUC, 2008, p. 14

[2] SOUZA, Ítalo Roberto Fuhrmann. Op.cit., p. 15.

[3] DERBLI, Felipe. O princípio da Proibição de Retrocesso Social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 15

[4] SINGER, Paul. Globalização e desemprego. 4 ed. São Paulo: Editora Contexto, 2000, p. 07.

[5]ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. SADER, Emir; GENTILI, Pablo (orgs.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, pp. 22-23.

[6] NETO, José Francisco Siqueira. Flexibilização, desregulamentação e direito do trabalho no Brasil. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso B. (org). Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? 2ª edição. São Paulo: Scritta, 1996.

[7] VIANA, Márcio Túlio. A onda precarizante, as comissões de conciliação e a nova portaria do Ministério do Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho nº. 28, out/dez 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p 105.

[8] BOURDIEU, Pierre. A precariedade está hoje por toda a parte. In: Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 123.

FREITAS, Carlos Eduardo Soares. Flexibilização e Precarização dos Direitos do Trabalho no Brasil nos anos 90. Dissertação apresentada ao Departamento de Sociologia da UNB. Brasília: UNB, 2000, p. 57.

[10] Neste sentido, citamos Ítalo Roberto Fuhrmann e Souza: “Outro aspecto que merece destaque é o que se refere à própria noção de soberania, relativizada/aviltada pelo neoliberalismo, deslocando o locus do poder político, que outrora cabia ao Estado, e a consequente formulação das diretrizes de atuação governamental, ao julgo dos poderes econômicos privados, destacando-se os monopólios e oligopólios das multinacionais, representados, por sua vez, pelo FMI, Banco Mundial e pelo G-7 e seu receituário para as economias emergentes, deixando, assim, pouca margem de atuação ao já famigerado Estado-nação”. Op. cit., p.18. No mesmo sentido, Felipe Derbli: “O advento da globalização econômica, mesmo quando não altera, do ponto de vista formal, a soberania do Estado, deixa-lhes pouca margem de atuaçãoem sentido material. Observa-se que o capital internacional e os próprios meios de produção cresceram em alcance e importância, permitindo aos grupos econômicos transnacionais quando da fragmentação de sua atividade empresarial entre diversos países, não mais se sujeitar as normas de Direito interno dos Estados que lhes forem desfavoráveis”. Op. cit., p. 22.

[11] Embasando seu posicionamento nas lições trazidas por: GRAU, Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2000; FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1.ed. 3.tiragem. São Paulo: Malheiros, 2002; FERRAJOLI, Luigi. Beyond sovereignty and citizenship: a global constitucionalism. In Constitucionalism, Democracy and Sovereignty. BELLAMY, Richard (ed.).: American and European Perspectives. EUA: Avebury, 1996.

[12] DERBLI, Felipe. O princípio da Proibição de Retrocesso Social na Constituição de 1988, p. 23.

[13] Cf. DERBLI, Felipe. O princípio da Proibição de Retrocesso Social na Constituição de 1988, p. 38.

[14] Idem, ibidem.

[15] Idem, ibidem.

[16] FREITAS, Carlos Eduardo Soares. Flexibilização e Precarização dos Direitos do Trabalho no Brasil nos anos 90. Dissertação apresentada ao Departamento de Sociologia da UNB. Brasília: UNB, 2000, pp. 16-18.

[17] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 39.

Assuntos: Contrato de trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direitos trabalhistas, Trabalho

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