Efeitos da globalização e da economia neoliberal sobre o trabalho.

12/03/2013. Enviado por

O capitalismo global teve sua gênese no mito e na ameaça. A utilização dos computadores e da informática sepultaram inúmeros postos de trabalho, ao elevar a produtividade das empresas, que passaram a reduzir e eliminar a força de trabalho.

Segundo a lenda urbana, a convocação para compor o “exército dos inúteis” não é arbitrária. Somente as tarefas repetitivas e “materiais” se concretizariam nas máquinas, por serem “descartáveis”. Já os profissionais dos setores informacionais, comunicacionais, criativos e outros, no entanto, fariam jus a um estreito espaço no panteão dos empregados. Os excluídos teriam de se reciclar. Dos demais, similar atitude se esperava, para que não fossem eliminados. Eis a ameaça: adapte-se ou...

Quanto ao mito, a eliminação dos empregos é brutal. As novas formas de organização do capital abriram as portas para aumentar a exploração, mediante terceirização, informalidade, trabalho temporário e outros artifícios. Nessa privatização do labor, o trabalho criativo ampliou-se e foi intensificado.

A aparente dualidade do mundo do trabalho deixou de ser uma distribuição a conta-gotas do que se transformou em mercadoria de luxo: a carteira assinada. O medo de ser excluído paira como assombração, incapaz de ceder às variações no índice de desemprego. A eliminação tornou-se um ritual a que todos se submetem, sob a forma de seleção ou triagem em que se converteu o próprio trabalho, sob as incessantes avaliações.

Enquanto na fase do “welfare state” o horizonte de expectativas limitava-se à esquálida promessa de conforto e de segurança, o mundo de hoje nada promete. Mesmo que o empregado se faça “flexível”, supere “desafios” e vença as “batalhas”, ainda assim deverá continuar a fazê-lo ou será descartado.

Se antes havia a ideologia de um bem estar social que recolocava o mundo tal como é, não obstante o “welfare” não se ter completado no Brasil, vivia-se sob uma equivalente promessa, cuja truculência atual é a trilha para sua ratificação.

O sofrimento no mundo do trabalho é invisível. Somente quando o mal nosso de cada dia assume proporções de “escândalo” podem-se entrever o que se passa a portas fechadas, como no caso dos suicídios de trabalhadores da France Telecom.[1] Tais casos não são exceção. Tornaram-se regra.

“Avaliações de desempenho” nada mais são, senão delação premiada. Processos seletivos viraram gincanas, das mais às menos humilhantes, todos despropositados. O assédio moral no trabalho é um problema estrutural. São feitos malabarismos jurídicos para burlar leis trabalhistas. A criatividade de gerentes para arrancar até a última gota de mais-valia e de obediência impressiona, verbi gratia, o controle das idas ao banheiro, pelo computador.

Foi mitigado o tempo de leitura e lazer dos trabalhadores das regiões metropolitanas, em função de uma jornada diária de trabalho excessiva, à qual se soma, em média, três horas nos trajetos de ida e vinda casa trabalho e uma hora de intervalo de almoço. Nesse diapasão, a TV passa a ser, na prática, o meio de comunicação de onde provêm informações. Poucos podem ler jornais, revistas e livros. Opiniões, portanto, tem origem em telejornais.

Por trás de qualquer mensagem, há alguém que a envia. Deveríamos verificar o motivo por que esse alguém nos envia essa mensagem em dado momento. A televisão brasileira, embora seja concessão pública, está nas mãos de raros grupos que defendem os interesses privados do mercado e da elite, alinhados desde os anos 1990, ou antes, à doutrina neoliberal.

Promovem-se valores individualistas, competição e sucesso individual. Se a pessoa não consegue sucesso, a culpa é dela. Nada tem a ver com a estrutura da sociedade nem com o fato de que a economia só favorece os grandes. A televisão reduz cidadãos a meros consumidores. Não analisa contextos nem se os fatos estariam insertos em lógicas mais amplas. Os debates são mostrados em avançadas horas. Não são para massas. Os debatedores, ainda assim, em ampla maioria, alinham-se aos interesses das emissoras.

Os noticiários destacam crime e violência, disseminando medo e induzindo a população a aceitar arbitrariedades. A polícia executa os suspeitos e consagra a pena de morte sem um julgamento e revela um Estado cúmplice, quando não o próprio agente da violação de direitos, legitimando o discurso televisivo.

Se esse tipo de comportamento é assumido como solução e se temos só visões parciais e distorcidas dos fatos, decerto teremos opiniões equivocadas sobre eles. Ao destacar a violência urbana e a criminalidade, o ambiente televisivo leva o telespectador a demandar maior segurança, com prejuízo da liberdade e do respeito aos cidadãos.

Os meios de comunicação mantém uma relação incestuosa com os poderes político e econômico. As concessões de estações retransmissoras das principais redes televisivas são distribuídas e detidas, em alta escala, por oligarquias e lideranças políticas regionais. A cultura imposta é tal que, muitas vezes, vemo-nos pensando na mesma linha.

Não se pode responsabilizar só a televisão. A doutrina neoliberal está espraiada inclusive nas políticas do Estado com valores que se contrapõem à democracia, ao respeito à diferença e ao reconhecimento de uma sociedade plural. Promovem-se sectarismos e polariza-se entre o eixo do bem e do mal, reflexo da ideia de Bernard Lewis, [2] usada por George Bush.

As redes de televisão são um bem público, assim como é a informação. Deveriam estar a serviço dos interesses da sociedade, não do mercado. Não parece ser democrática quando se coloca a serviço de uma concepção que, para maximizar o lucro, viola sistematicamente os direitos da cidadania e a democracia.

[1]A direção da France Telecom estabeleceu, em 2006, um plano que previa a demissão de 22 mil pessoas em três anos, a reestruturação da empresa e transferência compulsória de funcionários para outros cargos e áreas geográficas. O plano, contestado pelos empregados, foi estabelecido pouco após a privatização da empresa, em 2004, mais de um século após sua nacionalização. A onda de suicídios levou a direção da empresa a anunciar medidas para tentar melhorar as condições de trabalho. Novos suicídios indicavam o fracasso das novas medidas. A empresa anunciara que as transferências de empregados para outras localidades aconteceriam se o trabalhador se candidatasse à mudança. "A falta de mão-de-obra e objetivos inatingíveis de desempenho continuavam exercendo pressões sobre os empregados", dizia o sindicato.

[2]Teoria do choque de civilizações, proposta por Samuel Philips Huntington, cientista político norte-americano, segundo a qual as diferenças culturais e religiosas entre os povos seriam a fonte de conflito no mundo pós-Guerra Fria. No ano 2003, através de artigo na Foreign Affairs, The Clash of Civilizations? Huntington expandiu sua tese na obra The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order, que fora publicada em 1996. A expressão fora usada antes por Bernard Lewis, em artigo publicado em setembro de 1990 no periódico The Atlantic Monthly, sob o título "The Roots of Muslim Rage". A tese advogava que os conflitos futuros teriam como eixo principal critérios culturais e religiosos. Postulava ainda que o conceito de diferentes civilizações, como nível maior de identidade cultural, se tornaria útil para analisar o potencial de conflitos.

Assuntos: Direito do Trabalho, Direitos trabalhistas, Trabalho

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