Doutrina da desconsideração: segurança e justiça

23/06/2012. Enviado por

Na responsabilidade limitada está o vértice da autonomia patrimonial, que decorre da personalidade jurídica, haja vista que mesmo naquelas sociedades cujos sócios têm responsabilidade ilimitada, esta é subsidiária (art. 1024, Código Civil)

“O grande inimigo da mulher não é o homem. É a ignorância”. (Francisca Motta Diniz). 

A doutrina da desconsideração (disregard doctrine) advém do embate entre os dois valores sociais: segurança e justiça. Cabe ao magistrado aplicar o instituto em prol da segurança das relações jurídicas. O apego ao princípio da autonomia patrimonial pode levar a uma decisão injusta.

A autonomia patrimonial é um incentivo à economia que visa estimular investimentos e minimizar as perdas nas atividades econômicas de alto risco.

Disregard of Legal Entity, traduzido como a desconsideração da personalidade jurídica, é um instituto construído pela doutrina para inibir os desvios de finalidade da pessoa jurídica. Vincula-se à segurança das relações jurídicas.

Teve gênese na Alemanha através de um estudo de Rolf Serick, publicado em 1953. Müller-Freienfels publicaram uma crítica à teoria desenvolvida por Serick em 1957. Jurisprudência e doutrina destacaram situações, a partir daí, em que o juiz estaria autorizado a afastar o princípio da autonomia patrimonial.

O jurista Rubens Requião foi um dos primeiros a sustentar que a teoria da desconsideração serviria para punir abusos cometidos através da pessoa jurídica no Brasil, nos idos dos anos 60.

É cediço que o patrimônio pessoal do sócio não se confunde com o da sociedade. Todavia, o Direito repudia a ideia de a personalidade jurídica da sociedade servir de interface para blindar e acobertar situações antijurídicas.

A disregard doctrine permite alcançar os bens pessoais dos sócios toda vez que ficar comprovada a prática de atos fraudulentos, de modo a preservar legítimos interesses e direitos de credores eventualmente prejudicados pelo mau uso da sociedade.

É importante ressaltar que o intuito dessa teoria não é anular, desconstituir ou dissolver a sociedade, mas desconsiderar, pelo estrito tempo necessário, a personalidade jurídica para atingir o patrimônio particular do sócio, tendo por fim evitar o injusto e realizar justiça.

Disregard não pretende a anulação da personalidade jurídica e sim a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude)”, ressaltou Requião.

A desconsideração da personalidade jurídica possibilita ao credor imputar ao sócio que agiu com fraude a responsabilidade solidária e não a subsidiária, na qual, primeiro, são exauridos os bens sociais.

A corrente majoritária doutrinária sustenta que, caracterizadas a fraude, o dolo, a má-fé, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, suspende-se o véu da sociedade para alcançar o patrimônio pessoal dos sócios.

Deve-se evitar o uso equivocado desse instituto e confundi-lo com ato ultra vires, abuso do direito ou responsabilidade decorrente de lei específica.

O abuso da personalidade jurídica envolve o desvio de finalidade e a confusão patrimonial (art. 50, Código Civil). No desvio, o sócio usa a sociedade, ainda que dentro do objeto social, mas com intenção de auferir vantagem indevida. O ato praticado, apesar de ser fraude, é lícito.

Aquele que, a pretexto de exercer direito, excede os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes pratica ato ilícito (art. 187, Código Civil). No abuso do direito o ato é ilícito.

Se o sócio empregar a sociedade em atividade distinta da que consta nos atos constitutivos e se utilizar da figura da pessoa jurídica para desviar a finalidade, sem almejar necessariamente auferir vantagem indevida, praticará um ato ultra vires.

No momento em que a legislação dispõe sobre responsabilidade dos sócios, não se deve aplicar a desconsideração, pois a penalidade está em norma especifica, sendo despiciendo o pedido do afastamento da personalidade jurídica.

Nessa esteira, a autonomia patrimonial não é capricho do legislador nem discricionário privilégio conferido a sócios. O Direito, ao fazer concessão, tem por finalidade incentivar novas sociedades e estimular a economia. 

Assuntos: Desconsideração da Personalidade Jurídica, Direito Empresarial, Direito processual civil, Empresarial

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