Abaixo-assinado que exige o Impeachment de Renan Calheiros é tema da Entrevista Semanal

18/02/2013. Enviado por

O MeuAdvogado entrevistou o Dr. Guilherme Pessoa Franco de Camargo, especialista em Direito Civil, a fim de esclarecer o valor legal de um abaixo-assinado e as consequências para o país.

No último dia primeiro, Renan Calheiros foi eleito Presidente do Senado, novamente, com 56 votos.

A última vez que ele ocupou esse cargo, em 2007, foi obrigado a renunciar, após denúncias de que um lobista pagava suas despesas pessoais. Na semana passada, o procurador-geral da República apresentou uma nova denúncia, alegando que, para se defender das acusações, Renan apresentou notas falsas.

Teve início, então, um abaixo-assinado online, que pede o impeachment de Renan Calheiros. Mais de 1 milhão e meio de brasileiros já assinaram, e segundo o site organizador, era necessário pelo menos 1,3 milhão de assinaturas, o que corresponde a 1% da população. O MeuAdvogado entrevistou, então, o Dr. Guilherme Pessoa Franco de Camargo, para esclarecer o valor legal de um abaixo-assinado e as consequências para o país.

 

Meu Advogado: Explique o que é um “projeto de iniciativa popular” e se o abaixo-assinado corrente se encaixa nessa lei.

Dr. Guilherme: O projeto de iniciativa popular é uma poderosa ferramenta dos regimes democráticos diretos e participativos, onde os eleitores podem se reunir desde a esfera municipal até a federal para efetivar a apresentação de determinadas matérias à votação. Na esfera federal deve ser subscrito por no mínimo 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Tal instituto está revisto na Constituição (art. 61, §2º) e no Regimento Internado da Câmara dos Deputados, e regulamentado pela Lei n.º 9.709/98, seguindo o mesmo rito dos projetos de iniciativa parlamentar, ou seja, aprovação dos Deputados, Senadores e finalmente do Presidente da República.

Atualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE são necessárias cerca de 1,36 milhão de assinaturas de eleitores regulares.

A Lei 9.709/98 vem sendo criticada por membros da sociedade civil por limitar a atuação dos eleitores, em razão da quantidade de assinaturas exigidas e limitações ao alcance destas iniciativas. Tanto que este em tramitação o PL n.º 4.718/2004, da Comissão de Legislação Participativa da Câmara de Deputados, com vista a facilitar a propositura de projetos de lei de iniciativa popular e ampliar o poder dos abaixo-assinados.

De outro giro, o processo de impeachment consiste na apuração de eventuais responsabilidades e infrações político-administrativas, contra autoridades políticas, tendo como sanção principal a ordem de afastamento do cargo, após prévia autorização de 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados. Instaurado no Senado, o presidente acabaria afastado do cargo e se não proferida uma decisão em 180 dias, retorna as suas atividades, até o final do julgamento. Se condenado pelo Senado, fica inabilitado para o exercício de qualquer função pública por oito anos, inclusive cargo eletivo, sem prejuízo de outras sanções pelo Poder Judiciário.

Logo, o abaixo assinado corrente não se encaixa na finalidade que se tem divulgado, como algo que importará no afastamento imediato do atual presidente do Congresso Nacional. Alias, sequer poderia ser iniciado como Projeto de Lei, deveria ser formulado como forma de denúncia no Conselho de Ética, apresentado por qualquer cidadão. Apesar do escândalo ter tido início em 2007, com a renúncia de Renan ao comando do Senado na época, o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel apenas apresentou a denúncia ao Supremo Tribunal Federal – STF, sobre a acusação mencionada na pergunta contra Renan, apenas no mês passado.

M.A.: Qual a efetividade de um abaixo-assinado online? É possível que derrube o Presidente do Senado, enquanto nem mesmo as denúncias da Procuradoria-Geral o fizeram? Existe algum caso precedente?

Dr. Guilherme: Infelizmente são poucas assinaturas para os abaixo-assinados de fins políticos, por isso a necessidade da ampliação de sua representatividade pelo acolhimento da reforma constante no PL n.º 4.718/2004, que concede um leque de abrangência maior aos PL´s de iniciativa popular, sem contar a burocracia para a efetivação e requerimento de dados pessoais onde muitos participantes ficam receosos em fornecer dada a fragilidade da internet em questões de segurança.

Contudo, os abaixo-assinados formalizados online, amplamente divulgados nas redes sociais, tornam simples a participação em nível nacional, bem como aumentam a abrangência dos eleitores e estados membros, diminuindo sensivelmente os gastos com a operacionalização dessas ações.

  • E, ainda que sopesado o exposto acima, expressam os desejos dos eleitores brasileiros, tornando tais documentos, relevantes instrumentos de pressão para mudanças.

Sobre a segunda parte da pergunta, ainda não é possível que se “derrube” o Presidente do Senado de imediato, nem que se force o início de um processo de impeachment, como explicado na primeira pergunta e, as denúncias do Procurador Geral não seguem melhor sorte, justamente porque ainda encontram-se na fase inicial de aceitação ou não da persecução penal, não podendo também traduzirem-se em condenações e afastamento imediatos, para evitar possíveis processos desassociados do fim da obtenção da mais lídima justiça, supressão do devido processo legal, sustentáculo dos regimes democráticos ou promover a politização do Poder Judiciário e seus processos.

É possível encontrar pedidos semelhantes ao do abaixo assinado em xeque em diversos municípios e estados, mas igualmente sem o efeito que anunciam obter.

A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n.º 135/2010), que alterou a Lei das Condições de Inelegibilidade (Lei Complementar n.º 64/90), já vem sendo duramente criticada por transbordar, para alguns doutrinadores, princípios fundamentais assegurados na Constituição Federal, tal como o da Inocência e Retroatividade Legal. Por esta nova Lei, basta à condenação por órgão colegiado para a determinação do afastamento do acusado, determinação bastante severa, eis que não prescinde mais do transito em julgado e do percurso de todas as esferas judiciais recursais garantidas constitucionalmente, fato que também atingiria o direito fundamental ao devido processo legal, cujos substratos são o contraditório e ampla defesa. 

Devemos observar que a democracia foi algo obtido há pouco tempo no país, carente então de consolidação efetiva, não sendo possível o retrocesso de direitos conquistados duramente, apenas para remediar situações pontuais em detrimento de ferir milhares de outros ou mesmo para suprir a malfadada lentidão do Poder Judiciário. O sentimento de impunidade é ruim à sociedade e plenamente compreensível, mas não pode justificar que direitos fundamentais sejam ceifados, pelas próprias razões que os instituíram. Ao contrário, devem motivar pelas mesmas razões que levam a criação dos Projetos de Iniciativa Popular, mudanças pelas vias legais e democráticas.

Em resposta ao trecho final da pergunta, não será possível encontrar em regimes democráticos, precedentes de cassação sem o direito mínimo de defesa, por isso a inexistência de precedentes.

M.A.: O recém-eleito Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi denunciado por três crimes pela Procuradoria-Geral da República, e mesmo assim conseguiu se candidatar e se eleger. Qual o valor de uma denúncia da Procuradoria-Geral ou de outros órgãos federais contra um político do Senado, uma vez que ele não é impedido de se candidatar? A Lei da Ficha Limpa pesa somente sobre as eleições municipais e federais, ou há algo previsto em votações internas?

Dr. Guilherme: Como assinalado acima, a denúncia representa o marco inicial da persecução penal nas ações penais públicas, existente após completada a fase inquisitorial, devendo passar pelo crivo de aceitação ou não pelo STF no caso do atual presidente do Senado, sendo que após a eventual aceitação é que será ofertado a primeira oportunidade ao então réu para o exercício do contraditório e ampla defesa.

Ocorre que apesar dos escândalos deflagrados em 2007, as denúncias foram formalizadas apenas recentemente. E, é o lapso entre o início do inquérito e a oferta da denúncia que merece questionamentos e uma possível censura do eleitorado brasileiro.

A severa Lei da Ficha Limpa pesa sobre todos os políticos eletivos, da esfera municipal a federal, sendo que alguns municípios e estados tem estendido sua aplicabilidade também às demais pessoas ligadas à administração pública, sejam servidores, detentores de cargos comissionados ou empregados da administração direta ou indireta do município, como são os casos de São Paulo e Rio de Janeiro.

Existem projetos de aplicação da Lei da Ficha Limpa a órgãos internos, tal como se a relacionada ao Poder Judiciário e seus servidores em sentido amplo. Nesse sentido, a aplicação da ficha limpa representa uma verdadeira revolução eleitoral para moralização das entidades públicas.

M.A.: Renan Calheiros já havia renunciado à Presidência do Senado em 2007 em meio a denúncias de corrupção e envolvimento com o escândalo do mensalão. O que diz a lei sobre uma futura candidatura ao mesmo cargo, anos depois? Existe aprovação prévia de alguma autoridade?

Dr. Guilherme: A Lei da Ficha Limpa veio impedir a impunidade, ao menos na esfera eleitoral, aos que renunciam aos seus cargos às vésperas de alguma condenação. Como dito acima, nada juridicamente na esfera penal havia de sacramentado contra Renan Calheiros, apenas uma condenação em Alagoas sobre propaganda antecipada, mas cujos elementos estavam em descompasso com qualquer infração prevista na nova lei.

Eis o dispositivo que alterou a impunidade:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;(Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010

Assim, caso o candidato fosse condenado por algum órgão colegiado ou o processo já houvesse transitado em julgado (sem direto a nenhum outro recurso modificativo), estaria impedido ao reingresso por 8 anos subseqüentes. No caso de Renan Calheiros, caso ele renuncie novamente, os eleitores brasileiros indignados deverão pressionar por a celeridade na tramitação das ações penais que sopesam contra ele e se as eventuais condenações observarão expressamente a inelegibilidade e se os recursos não terão efeito suspensivo.

A Lei da Ficha Limpa representa uma verdadeira revolução eleitoral para consolidação da moralização dos atos políticos e consolidação da democracia, mas o foco da população deve recair sobre a morosidade do Poder Judiciário brasileiro ao invés de lutar por mais supressões as garantias políticas ou fundamentais para remediar problemas pontais e ferir milhares de outros igualmente assegurados e legítimos.

  • Ainda que cause espécie a permanência do atual presidente no Senado, pelo avolumento das denúncias, os eleitores, cada vez mais conscientes do seu papel em sociedade, participativos e questionadores aos atos praticados pelos seus representantes, tem dado mostras, através de seus abaixo assinados e demais formas de protestos, que anseiam mudanças e a moralização dos serviçais públicos.

Mesmo assim, ainda nas eleições de2012, a Lei da Ficha Limpa já impediu que diversos condenados pela Justiça retornassem aos cargos públicos e com o tempo figurará como o maior corretor educacional a velha forma de realização da política brasileira, fazendo derruir os índices de corrupção administrativa. Nesse sentido, ainda que casos como os de Renan Calheiros existam e que a lentidão do Poder Judiciário cause estranheza e indignação, pertencerão cada vez mais ao passado de um Brasil menos tolerante a polêmicas envolvendo a malversação do erário. 

 

O link para verificar o abaixo-assinado online é: http://www.avaaz.org/po/petition/Impeachment_do_Presidente_do_Senado_Renan_Calheiros/?slideshow

 

Guilherme Pessoa Franco de Camargo é advogado do escritório Franco de Camargo & Advogados Associados, atuante nas áreas de Direito Empresarial e Eleitoral.

www.francodecamargo.com.br

e-mail: guilherme@francodecamargo.com.br

Tel.: (19)3383-3279

Assuntos: Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito Eleitoral, Política, Sistema eleitoral

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