A união homoafetiva

29/06/2012. Enviado por

Novos contornos das relação homoafetivas no direito brasileiro

A Constituição Federal em seu artigo 1º, III, consagra o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, prescrevendo o respeito ao ser humano, por sua própria natureza de ser, independente da sua posição social ou de qualquer posição que possa a ele ser imputada pela sociedade.

A pessoa humana tem dignidade própria, independente de qualquer fator externo e constitui um valor em si mesmo, que não pode ser sacrificado a bel prazer de qualquer interesse coletivo independentemente de reconhecer ou não a união homoafetiva entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

O aumento da violência contra homossexuais, como as recentes ocorrências na cidade de São Paulo, em seu coração financeiro, faz-se refletir num questionamento sob os níveis de “civilidade” alcançados pela humanidade. Os homossexuais brasileiros são titulares de direitos inalienáveis, são cumpridores das leis, eleitores e contribuintes de impostos; mesmo assim ainda são vistos como cidadãos inferiores, não adquirindo proteção legal para suas relações de afeto, como é garantida aos demais membros da sociedade; estando seu único amparo estatal limitado a poucas decisões judiciais favoráveis, após longas batalhas judiciais.

O sistema jurídico deve ser analisado de forma sistêmica, devendo as normas serem interpretadas não isoladamente, mas sim dentro do contesto de todo o sistema. Nessa linha de raciocínio, nosso ordenamento jurídico, tem como ápice, ou cume, no dizer de Kelsen, a Constituição Federativa do Brasil, que em seu artigo 3º, § IV, prescreve a proibição de qualquer tipo de discriminação, seja ela de qualquer natureza.

Na linha de interpretação sistêmica, temos que interpretar a expressão “qualquer natureza” também como os motivos ou razões de orientação sexual. Veja-se que é objetivo da República Federativa do Brasil a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outras formas de discriminação”.

Encontramos, ainda, apoio no artigo 5º, I da Constituição Federal, que de forma bastante clara, direta e precisa, trata da isonomia legal entre homens e mulheres, impondo a proibição de tratamento desigual entre pessoas que se encontrem em mesma situação fática ou jurídica.

Esta pesquisa nos conduzirá a necessidade de destituir-nos do moralismo que circunda o meio jurídico e encarar o fato da existência da união entre pessoas do mesmo sexo e da necessidade desse tipo de relação receber amparo legal e cabe trazer a posição da jurisprudência brasileira sobre algumas questões ligadas ao tema.

A Constituição Federal, de 1988, consagra a existência de um estado democrático de direito. A base do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade humana, baseado nos princípios da liberdade e da igualdade e assegura como objetivo fundamental promover o bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer outras formas de discriminação.

Veja-se que no texto constitucional, norma hipotética superior, na linha de raciocínio de Kelsen, não há qualquer proibição ou restrição de direitos aos seres humanos em razão de sua orientação sexual, quer dizer: no texto da Constituição não há limitação de direitos em razão da opção sexual homoafetiva. Portanto, as proibições em razão de orientação sexual alcançam a qualificação de discriminação à homossexualidade.

Cabe ressaltar que o texto constatucional não é claro o suficiente para tal interpretação, porém em uma interpretação sistêmica, observa-se que os princípios gerais do direito e o texto posto, não perfeitamente plausíveis para proteção dos indivíduos que tenha orientação sexual pela homossexualidade.

Ocorre que no dia-a-dia dos homossexuais, os princípios da Lei não são suficientes para assegurar o respeito à livre orientação sexual, seja pela ignorância dos leigos ao desconhecer os princípios gerais do direito, ou mesmo preconceito, razão pela qual os direitos humanos vêm buscando inserir no contexto da Carta Política e social a expressão orientação sexual, para por fim a qualquer dilema que possa ser suscitado.

A sexualidade é direito fundamental da pessoa humana e o acompanha desde seu nascimento como direito individual, imprescritível e inalienável, sendo assim ninguém podem realizar-se se não tiver assegurado o respeito à liberdade.

Sabe-se que a homossexualidade acompanha a história do ser humano desde seus primórdios, sendo que a mesma não é tipificada como crime, não é classificada como pecado, não é também considerada um vício e nem tampouco uma doença como alguns chegam a cogitar.

A homossexualidade é apenas um modo de vida diferenciado dos demais, e sempre foram e ainda é cercada de mitos e tabus, e os chamados “desvios sexuais”, tidos como uma afronta à moral e aos bons costumes, permanecem alvo da mais profunda rejeição social.

Tudo que se situa fora do modelo estabelecido, acaba por ser rotulado de “anormal”, ou seja, fora da normalidade, o que não se encaixa nos padrões; sendo essa visão extremamente limitante.

Atualmente é comum ser mantida relação amorosa (homoafetiva) no meio social e assumir tal relação perante toda a sociedade. Ressalte-se que tal fato não acontece apenas no Brasil, as legislações do mundo inteiro vêm normatizando as relações de pessoas do mesmo sexo e a própria jurisprudência brasileira já reconhece sua existência, ora as definindo como sociedade de fato, ora como união estável.

Nesse sentido, com base nos costumes e analogias vejamos alguns julgados:

SERVIDOR. UNIÃO HOMOAFETIVA. PENSÃO. POSSIBILIDADE. DESIGNAÇÃO. DESNECESSIDADE. COMPROVAÇÃO DA CONVIVÊNCIA E DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. COMPETÊNCIA RELATIVA. DOMICÍLIO DA AUTORA.

- O tema da possibilidade de a união homoafetiva gerar o direito à pensão por morte de servidor público é polêmico. De todo modo, em face dos indicativos do STJ e do STF, que tangenciaram o tema, a despeito da ausência de previsão legal, não caberia, no caso, a negativa da pensão estatutária à companheira de servidora pública. O tratamento deve ser igual ao da união de pessoas de sexo diferente.

- Competência da Seção Judiciária do Rio de Janeiro para processar e julgar o feito em razão do domicílio da Autora.

- Mesmo na união estável (união entre pessoas de sexos diferentes), a falta de designação expressa do companheiro como beneficiário do servidor não impede a concessão de pensão. Há inúmeros precedentes desta Corte neste sentido, e nada autorizaria solução diversa para o caso da união homoafetiva. Ademais, a prova dos autos não deixa dúvida da convivência entre a Autora e a servidora falecida, e da dependência econômica daquela em relação a esta. Correta, pois, a sentença, que julgou procedente o pedido, para determinar o pagamento da pensão por morte.

- Agravo retido, remessa necessária e apelação desprovidos. (TRF2 - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO: APELREEX 200751018000786 RJ 2007.51.01.800078-6, Resumo: Servidor. União Homoafetiva. Pensão. Possibilidade. Designação. Desnecessidade. Comprovação, da Convivência e da Dependência Econômica. Competência Relativa. Domicílio da Autora, Relator(a): Desembargador Federal GUILHERME COUTO, Julgamento: 22/03/2010, Órgão Julgador: SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Publicação: E-DJF2R - Data::09/04/2010 - Página::126)

PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRO. UNIÃO HOMOAFETIVA ESTÁVEL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA.

É devida a pensão por morte ao companheiro, quando comprovada, por indícios complementados com prova testemunhal, o relacionamento homoafetivo estável até o óbito, caso em que se presume a dependência econômica.

Acordão: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (TRF4 - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO: APELREEX 9054 RS 2006.71.00.009054-8, Resumo: Pensão Por Morte. Companheiro. União Homoafetiva Estável. Dependência Econômica. Relator(a): RÔMULO PIZZOLATTI, Julgamento: 18/11/2008, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Publicação: D.E. 24/11/2008)

"PROCESSO CIVIL. AÇAO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NAO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇAO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.

2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.

3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.

4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.

6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.

5. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDAO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, renovando-se o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luís Felipe Salomão, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, vencidos os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Carlos Mathias (art. 162, 2º do RISTJ). (RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4), RELATOR: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, R.P/ACÓRDAO: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO, RECORRENTE: A C S E OUTRO, ADVOGADO: EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO).

Tais posicionamento, como visto acima, mesmo não havendo legislação específica, expõe a opinião jurídica brasileira, que fazendo uma interpretação sistêmica, chega-se a equiparar a união homoafetiva a união estável, para fins de assegurar direitos e deveres. Veja-se que o judiciário a reconhecer o direito dos homossexuais está apenas cumprindo sua função judicial que é assegurar direitos, e não bani-los pelo simples fato de determinadas posturas se afastarem do que se convencionou chamar de “normal”.

Porém, a legislação brasileira não está preparada para acolher essa nova transformação social, e no momento não existem regras para regulamentar essa união, exceto quando se referencia no artigo 5º, caput da CF/88 – todos independentemente de raça, cor, nação tem direito a igualdade, a liberdade - isso implica dizer que com essa redação cada indivíduo tem o direito de escolher e assumir o tipo de parceiro que melhor lhe convém, sejam sexos iguais ou opostos para dividir vida em comum, sem com isso sofrer discriminação social ou mesmo jurídica.

O Código Civil no seu art.1.565, assegura o casamento a pessoas de sexos opostos – homem e mulher. Porém, ainda deixa a mercê as relações homoafetivas.

Por se tratar de um assunto polemico desde os primórdios, tanto a sociedade como o mundo jurídico devem se preparar para enfrentar essa nova realidade ou transformação no meio social.

Tanto no Brasil como em praticamente todos os países do mundo, há uma nítida tentativa de negar a existência dos vínculos afetivos homossexuais, o que gera um sistema de exclusão permeado de preconceito, sendo que tal conservadorismo acaba por inibir o legislador de formar situações que fogem dos modelos de moralidade aceitos no meio social, supostamente dominante, resultando em uma exclusão de grande parcela social.

Essa postura reflete-se também na esfera jurídica. Além da omissão do legislador extremamente acanhado, o Poder Judiciário em várias lides, que se nega a emprestar sua visão aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, impedindo assim a concessão de direitos quando as demandas têm por base a existência de tais vínculos. Mas fechar os olhos não faz desaparecer a realidade, e a omissão legal e o temor judicial acabam tão-só fomentando a discriminação.

Ressalte-se que esse comportamento judiciário negativador existe quando o processo encontra-se em nível de 1º grau, pois quando se parte para lides nas cortes superiores, inúmeros são os julgados favoráveis as relações homoafetivas.

A igreja também tem seu papel fundamental na discriminação sexual, pois faz do casamento hétero e a existência da prole requisitos essenciais para a convivência, maior forma de propagação da fé cristã criando, assim o repudio a essa forma de vínculo afetivo. Porem, não cabe confundir questões jurídicas com questões morais ou religiosas.

Hodiernamente, apesar de ser um assunto conhecido e reconhecido como fato social pela maioria da sociedade, as relações chamadas de homoafetivas, acabam deixadas na invisibilidade pela legislação brasileira, pois não existe qualquer referencia ou norma ampla constitucional que abrigue tal união no conceito da tutela jurídica e em virtude do preconceito tenta se excluir do mundo do direito e incluir no rol do direito subjetivo.

Conclusão:

No Brasil, como em praticamente todos os países do mundo, há uma nítida tentativa de negar a existência dos vínculos afetivos homossexuais, o que gera um sistema de exclusão permeado de preconceito. Assim sendo torna se indiscutível a inexistência de norma legal escrita, seja na Constituição Federal, no Código Civil, ou em quaisquer outros diplomas legais.

Portanto, para haver a normatização, que encontra hoje fortes raízes nos princípios gerais do direito, e nas jurisprudências dos Tribunais Superiores, é necessário haver modificação na Constituição a esse respeito, incluindo mudanças e quem sabe até Lei Complementares, modificações ao Código Civil, ou leis esparsas, para regulamentar e amparar essa união nas formas legais e as inserir no conceito de família.

Não adianta negar proteção e subtrair os direitos a quem vive fora dos padrões da sociedade, é necessário reconhecer a existência de uma entidade familiar semelhante ao casamento e da união estável de forma integrativa e digna independente da orientação sexual.

O legislador que ainda resiste em reconhecer tal união como entidade familiar, que pelo menos use de bom senso para aplicar regras de direito em relação de homoafetividade, que se faça uma analise juridicamente correta e legal, visto que são bem próximas das origens familiares convencionais, garantindo assim à liberdade sexual, bem como direito ao tratamento igualitário, independente da tendência sexual.

Entretanto o Poder Judiciário na sua função deve estabelecer pautas e condutas de caráter geral apreciando casos concretos e funcionando como agente transformador da própria sociedade para assegurar legalmente essa união dentro dos parâmetros que regem o ordenamento nacional, integrando e reconhecendo direitos alimentares e sucessórios, pois se duas pessoas têm uma vida em comum, cumprindo deveres de mútua assistência, em um verdadeiro convívio, caracterizado por amor e respeito mútuo, não é a identidade meramente biológica de sexos do par que impedirá de se extraírem direitos e imporem obrigações.

Vivenciar uma situação não prevista em lei não significa viver à margem da lei, ser desprovido de direito, nada vedando o acesso à Justiça e a busca da tutela jurídica.

Assuntos: Direito Civil, Direito processual civil, Direitos homoafetivos, União estável

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