A Sociologia Histórica da corrupção e o Estado Democrático de Direito

08/05/2012. Enviado por

Artigo juridico do Dr. Hudson Sander que contextualiza o desenvolvimento da prática da corrupção e apresenta os possíveis riscos para o Estado democrático de Direito

Por uma força natural da natureza, os organismos vivos tendem, para assegurar não só a sua existência, bem como a perpetuação da espécie, a se aglutinarem em pequenos, ou maiores grupos, e a estabelecerem uma organização das quais todos os membros componentes podem se beneficiar.

Com o ser humano, não funcionou de forma diferente, o mesmo, na tentativa de ter assegurada a sua existência, começou a se reunir com seus semelhantes de forma a juntos estabelecerem uma organização da qual todos os membros componentes podem se beneficiar.

Algo interessante de citar, é que a própria complexidade do organismo vivo compreendido como ser humano fez com que muitas variáveis fossem se formando dentro de uma organização.

Dilatando a ideia apresentada no parágrafo anterior, para facilitar o entendimento do tema central deste artigo que é a analise histórica da sociologia da corrupção confrontada com o estado democrático de Direito, vale a pena citar que após o período do homem das cavernas, muitos seres humanos foram surgindo e migrando para diferentes lugares do globo terrestre, e cada agrupamento foi desenvolvendo regras de organização, que via de regra não se assemelhava uma organização a outra.

As civilizações mais rudimentares eram tidas como objetos de despojos das civilizações mais desenvolvidas do ponto de vista da organização, bem como eram constantemente alvo de pilhagens. Os constantes sentimentos de dominação que assaltava a mente dos dirigentes dos grupos mais bem organizados é que promoviam a convivência de ideias e modo de agir de diferentes pessoas.

Diante do constante avanço dos grupos mais bem organizados para a vida em sociedade é que encontra-se como exemplo o caso da antiga Grécia, onde conceitos éticos e de bem estar social alcançaram um nível de “pureza organizacional” já mais visto em toda história. A forma ideológica e filosófica que serviam de parâmetro para a evolução da polis, se transformaram em pilares da organização política das sociedades futuras.

Como dito anteriormente, o grupo social mais bem organizado socialmente acabava por dominar o grupo mais fraco e de organização social mais debilitada. E sucedendo a sociedade helênica, ou a antiga Grécia, veio a sociedade romana. E a sociedade romana, sem sombra de dúvidas foi a que mais contribuiu para a evolução dos modelos sociais e políticos que encontramos em nossos tempos. A composição jurídica tal como a vemos em nossa sociedade contemporânea é uma tênue evolução do quadro existente na antiga Roma. A sociedade romana, após a Grécia foi a primeira organização social a experimentar uma organização com moldes de democracia e princípios republicanos.

Se dentre as várias formas de expressão cultural e intelectual que Roma havia herdado de outros povos estivesse os princípios de ética, moral e bem estar social da Grécia, os rumos das democracias modernas, com ênfase para a democracia brasileira seria significativamente diferente. Uma das figuras mais conhecidas da história da Roma antiga é que inseriu de forma mais bem elaborada no cenário político a repugnante, porém difundida corrupção, ou seja, o imperador Caio Júlio César foi o maior precursor histórico da inserção de princípios de aquisição de benefícios particulares em detrimento da coletividade na administração pública. Inegavelmente Roma, assim como fez com o direito civil utilizado na ordem jurídica brasileira, que produziu significativa parte dos dispositivos que hoje regulamentam a vida civil dos particulares, desenvolveu um modelo tão vívido da prática da corrupção que atualmente tal prática encontra-se apenas mais bem desenvolvida para se ajustar aos tempos modernos.

Depois da queda do Império Romano, a sociedade sentiu-se tentada a regredir ao modelo imperialista das sociedades antigas, mas logo arrumou uma maneira de fazer surgir os modelos democráticos de Roma em suas sociedades modernas, e vale a pena citar como exemplo a Revolução americana e a Revolução francesa, onde ambas foram o marco histórico da fixação em definitivo do modelo de estado democrático, tal qual aquele desenvolvido preliminarmente pelos gregos e depois pelos romanos, agora com a prática da corrupção inserida na estrutura organizacional do estado soberano.

Uma das coisas que as sociedades que sucederam no tempo a sociedade romana não conseguiram desenvolver foi uma maneira eficaz de combater a corrupção dentro das estruturas dos poderes que compõem um Estado soberano.

O sistema romano germânico de formular o arcabouço legal de um Estado tem por base vincular as relações entre os cidadãos e, por conseguinte a regulamentação de suas condutas a um conjunto de normas de conduta escritas e disciplinas em diplomas normativos. Só que ao invés do sistema normativo ter a sua evolução histórica conjuntamente com o aprimoramento  das condutas dos dirigentes do Estado, estes fenômenos sociais evoluíram de forma separada, ou seja, o sistema normativo evoluiu com a incidência de fenômenos sociais ao passo que as formas de condutas dos dirigentes de um Estado soberano evoluíram com o somatório de condutas  anti sociais, ou baseadas na prática da corrupção de governos anteriores.

Atualmente, baseando-se no contexto histórico, fica um tanto quanto inviável buscar reparar a prática da corrupção com a estrita aplicação do sistema normativo, de vez que ambas realidades se desenvolveram com métricas diferentes, ou seja, enquanto o sistema normativo veio evoluindo ao longo dos tempos tendo como pilar os rudimentos produzidos pela sociedade da antiga Grécia, a prática da corrupção veio evoluindo ao longo dos tempos tendo como pilar a complexidade organizacional produzidas pela sociedade da antiga Roma. Um exemplo prático de que devido ao fato dos dois eventos sociais terem se desenvolvido com métricas diferentes, torna a busca pela solução da prática da corrupção tarefa significativamente complexa é o salto que o sistema normativo dos Estados democráticos de Direito teve após o labor intelectual de Hans Kelsen, filósofo jurídico alemão que viveu nas primeiras décadas do século XX. Hans Kelsen foi um grande homem dentro do universo jurídico, pois ele formulou a Teoria Pura do Direito, que consiste no chamado positivismo jurídico, onde os atos normativos se sobrepõem aos atos humanos em benefício da sociedade.

A influência do pensamento de Hans Kelsen trouxe algumas mudanças profundas na ordem jurídica, mas não do ponto de se ajustar realmente a conduta do ser humano ao arcabouço jurídico, mas sim de validar interesses políticos através de conjecturas dentro de diplomas normativos. Somente a título de curiosidade, é válido citar que o genocídio nazista cometido contra o segmento judeu tinha previsibilidade legal, ou seja, esta é a mais contundente prova de que um determinado segmento na sociedade pode usar das conjecturas de normas formuladas por eles próprios ou por pessoas ligadas a estes para validar interesses políticos.

Neste estudo da sociologia histórica da corrupção, preliminarmente pode-se arriscar o palpite de que não foi uma boa ideia o sistema jurídico brasileiro ter adentrado sem reservas no sistema romano-germânico de legislar, sem ao menos buscar alguns pilares do sistema britânico da common Law, pois a sistemática normativa possui grande fragilidade quando há pessoas corruptas nas mais altas esferas do poder da República.

Uma das grandes causas do cenário político e social brasileiro se encontrar neste estágio significativamente avançado de corrupção tem suas raízes nos primórdios da república, onde que o fator social comumente conhecido como coronelismo impediu e muito o amadurecimento do sistema judiciário brasileiro.

Até o advento da Constituição Federal de 1988, o contexto social brasileiro experimentava a submissão do Poder Judiciário ao Poder Executivo, ou seja, o chefe do executivo ordenava e os componentes do sistema judiciário ou obedeciam sem questionar ou eram removidos de seus respectivos locais de trabalho para lugares mais hostis.

Ainda continuando a dissertar sobre a ideia narrada no parágrafo precedente, o Poder Executivo por sua vez, na figura de seu chefe maior, buscava beneficiar os interesses do segmento que se mostrou mais empenhado na eleição.

De 15 (quinze) de novembro de 1889 a outubro de 1988, são quase 100 (cem) anos da difundida prática do coronelismo, e a mudança radical trazida com a última Constituição Federal (1988) causou um abalo significativo no panorama histórico e social do Brasil, de vez que reduziu drasticamente as hipóteses em que se poderiam conjecturar as disposições normativas para beneficiar intentos de natureza política.

Dentre as mudanças drásticas pode-se citar a inamovibilidade de alguns servidores públicos tal como os pertencentes ao Ministério Público, o aumento de prerrogativas dos magistrados, os quais via de regra após a CF/88 podem sentenciar de forma desfavorável aos interesses políticos sem temer represálias, e principalmente a fixação de diretrizes para o exercício da advocacia que alguns anos mais tarde viria a amadurecer e fazer com que a profissão de advogado tivesse regulamentação concisa em lei federal. Com esta evolução e amadurecimento drástico da mentalidade jurídica e legislativa do Brasil, os adeptos da prática do coronelismo se viram acuados e não tiveram alternativa senão a de usar a força política e econômica contra a repentinamente bem equipada estrutura jurídica do país.

O choque do amadurecimento repentino da mentalidade jurídica e evolução dos sistemas de controle social foram tão drásticos que pouco tempo depois da vigência da nova e revolucionária (para os padrões políticos da época) Constituição Federal de 1988, a sociedade viu a nova estrutura organizacional do estado brasileiro derrubar um Presidente da República. Após o susto do impeachment os amantes do coronelismo precisavam se reestruturar para não deixar a tão amadurecida prática que nasceu junto com a república de conjecturar o sistema normativo para satisfazer interesses políticos entrar em extinção e cair no esquecimento. Então, nos últimos anos o princípio da autonomia dos poderes vem sendo usado como último refúgio daqueles que adoram favorecer um determinado segmento em detrimento das massas.

O fator humano, sempre foi, sempre é e sempre será decisivo aonde existir uma determinada concentração de poder. Seja na reunião de escola, na eleição do síndico, na representação de bairro e principalmente nos segmentos responsáveis pela administração de grandes segmentos sociais. O resultado que se manifestará no mundo físico será oriundo do conjunto de pessoas que melhor souber organizar o entendimento dos fatos ao passo que concomitantemente venha a neutralizar as forças antagônicas.

Se o grupo de intenções nefastas consegue fazer o que foi dito anteriormente, este grupo ditará as regras que prevalecerão para os segmentos a estes subordinados. Se as ações são ou não são corretas, isto cabe ao mundo das ideias uma conclusão, na vida real sobrevive o segmento de pessoas que melhor sabe equilibrar as forças e os fenômenos sociais.

Na análise dos segmentos sociais, pode-se concluir que o segmento de pessoas adeptas à prática do coronelismo (movimento onde quem detém a maior concentração de poder político nas mãos subjuga os demais mesmo que de forma contrária a lei) se encontram bem mais atentos às mudanças dos fenômenos sociais e com o passar dos dias, a cada novo arquivamento de processo onde que a impunidade sobressai, mais fortalecido fica o segmento dos adeptos do coronelismo.

Difícil é apontar uma solução simples para um problema oriundo de um fenômeno social que é a corrupção, cuja sua estrutura histórica e contextual é significativamente complexa.

E confrontando o histórico sociológico das Constituições Federais atinentes ao estado brasileiro, pode-se elucubrar sobre as seguintes conjecturas: “não houve na história da república dois diplomas constitucionais onde que o subseqüente trouxesse a mesma natureza do precedente, ou seja, se a constituição pretérita possuía a natureza democrática a subseqüente viria a possuir a natureza autoritária”.

Com a mitigação forçosa do campo de atuação do Poder Judiciário em coibir as práticas de corrupção, o renascimento do coronelismo alcançará uma expressão fática sem precedentes onde que o Estado democrático de Direito pode sofrer uma transfiguração a ponto de ficar completamente diferente do que é conhecido nos tempos atuais.

A existência humana é composta de fenômenos sociais e no campo da ação não se analisa algo que não seja com uma métrica apropriada. Sendo a corrupção um fenômeno social, dificilmente a esfera normativa teria o condão de neutralizá-la, de vez que a sistemática normativa é métrica atinente somente à neutralização de atos normativos ou disposições normativas.

 

Assuntos: Administração pública, Corrupção, Criminal, Direito Penal, Direito processual penal, Direito Público

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