A obrigatoriedade da realização do bafômetro em face do princípio da não-autoincriminação

16/01/2019. Enviado por

O presente artigo tem como objetivo analisar a obrigatoriedade da realização dos testes elencados pelo CTB para aferir a quantidade de álcool ou outra substância psicoativa na direção de veículo automotor em face do princípio da não-autoincriminação.

Em outra oportunidade, abordamos as principais modificações ocasionadas no Código de Trânsito Brasileiro – CTB através da promulgação da Lei 13.546/2017, mais precisamente no tocante aos crimes de homicídio culposo (art. 302) e lesão corporal culposa (art. 303) quando o condutor de veículo automotor estiver sobre a influência de álcool ou outras substâncias psicoativas que podem causar dependência (clique aqui).

 

O presente artigo tem como objetivo analisar a obrigatoriedade da realização dos testes elencados pelo CTB para aferir a quantidade de álcool ou outra substância psicoativa na direção de veículo automotor em face do princípio da não-autoincriminação. Conjuntamente, abordar-se-á os possíveis benefícios que podem ser concedidos no âmbito penal para os agentes que forem incriminados pela prática do crime de embriaguez ao volante, previsto no art. 306 do CTB.

 

Segundo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, quando da edição 114 de Jurisprudência em Teses, firmou-se entendimento de que qualquer cidadão não pode ser compelido a colaborar com os conhecidos testes do ‘bafômetro’ ou do exame de sangue, em respeito ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur se detegere).

 

Antes de adentrar ao mérito da obrigatoriedade ou não da realização do bafômetro ou do exame de sangue, cumpre apresentar ao leitor quais são os meios de provas utilizados pelo CTB para aferir a embriaguez ao volante.

 

Segundo o art. 277, “caput”, do CTB, o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

 

Por sua vez, o § 2º do mesmo art. 277 determina que a infração prevista no art. 165 do CTB também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.


A infração estabelecida no art. 165 do CTB refere-se justamente ao fato de ser o agente surpreendido dirigindo sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa (como por exemplo maconha, cocaína, etc.) que determine dependência, tipificando uma sanção administrativa consubstanciada em uma infração de natureza gravíssima e a imposição de multa e suspensão de dirigir por 12 (doze) meses.

 

Assim, verifica-se que a constatação da embriaguez ao volante não mais se restringe única e exclusivamente aos meios tradicionais, que são o bafômetro, o exame de sangue e o exame clínico.

 

Desde o advento da lei de 12.760/2012 o legislador preferiu por bem ampliar os meios probatórios, podendo ser utilizados desde imagens, vídeos, sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora constatados pela autoridade e, até mesmo, quaisquer outras provas em direito admitidas. À título de exemplo, podem ser utilizadas filmagens de celular, testemunhas presenciais, dentre outros.

 

Diante de uma eventual recusa do agente a ser submetido a quaisquer dos testes apresentados em linhas atrás, o § 3º do art. 277 do CTB determina que serão aplicadas as penalidades e medidas estabelecidas no art. 165 – A do mesmo diploma legal. Segundo referido dispositivo, além de configurar infração gravíssima, a recusa aos testes ensejara multa de dez vezes e suspensão do direito de dirigir por 12 meses.


O problema que insurge na praxe forense reside no fato de que muitos delegados vêm determinando a prisão em flagrante pela prática do crime de desobediência em razão de indivíduos recusarem a realização do bafômetro, do exame de sangue ou do exame clínico.

 

Trata-se de uma equivocada interpretação dos artigos supratranscritos, tendo em vista que, havendo a recusa, o próprio CTB determina a imposição de sanções de natureza administrativa, como vimos alhures.

 

Com efeito, embasando-se no princípio da legalidade, não poderá haver a tipificação do crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal, para aqueles que recusarem a realização dos exames supramencionados, isto porque o CTB, como lei especial, não estabeleceu a cumulação da sanção administrativa com as sanções penais.

 

Tomando como pressuposto o princípio da não-autoincriminação, também conhecido como nemo tenetur se detegereninguém está obrigado a produzir provas contra si mesmo, isto é, qualquer cidadão não está obrigado a ceder sangue, não está obrigado a soprar o bafômetro, porque essas duas provas envolvem o corpo humano do suspeito e porque exigem dele uma postura ativa.

 

Dessa forma, constata-se a possibilidade de ser recusado a realização tanto do bafômetro como do exame sangue, sem sofrer qualquer sanção penal ou administrativa, na medida em que o indivíduo estará no exercício de um direito e, como tal, não poderá sofre qualquer reprimenda.

 

Por outro lado, este raciocínio não se aplica para os exames clínicos a serem realizados no Instituto Médico-Legal, tendo em vista que são efetuados por legistas e não exigem uma postura ativa do agente.

 

Nesse contexto, a recusa ao exame clínico pode ensejar a imposição das sanções administrativas previstas no art. 165-A, em decorrência da regra estabelecida pelo § 3º do art. 277 do CTB.

 

Por outro giro, destaca-se que as consequências para quem nega a realização dos testes elencados pelo CTB são as mesmas que sofre quem tem resultado positivo após se submeter aos mesmos testes, conforme estabelecem os arts. 165, 165-A e 277, § 3º, todos do CTB.

 

Trata-se, como podemos perceber, de uma celeuma diante da regra constitucional da não autoincriminação, na medida em que surge a questão sobre como a autoridade poderá aplicar uma multa se o agente está no exercício de um direito.

 

Como vimos nos parágrafos anteriores, a constatação da embriaguez ao volante não mais se restringe aos testes de bafômetro, ao exame de sangue e ao exame clínico. O próprio legislador ampliou os meios de provas para essas finalidades, sendo a mais utilizadas pelas autoridades os sinais de alteração da capacidade psicomotora.

 

Com efeito, se a autoridade pública verificar a presença de um conjunto de sinais, tais como sonolência, olhos vermelhos, desordem nas vestes, falta de memória, exaltação, odor de álcool, dentro outros, poderá aplicar as penalidades sem que seja realizado os testes tradicionais.

 

Porém, na prática, muitos agentes vêm aplicando multas em decorrência da recusa, principalmente, da realização do bafômetro, sem que seja diagnosticado o conjunto de sinais, possibilitando o remanejo de eventuais recursos administrativos para ilidir qualquer penalidade. Fiquem atentos!

 

Por outro lado, uma vez constatada a embriaguez ao volante, além das penas administrativas, ao condutor será imputado a prática do crime previsto no art. 306 do CTB, podendo sofre as penas de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.


Entretanto, para que seja configurado o crime, deverá ser constatado a concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar. Da mesma forma, cabe, também, a verificação pela autoridade pública do conjunto indicativos dos sinais de embriaguez.

 

Exemplificando, 200ml de cerveja (uma latinha) poderá levar 1 (uma) hora para sair do organismo. Assim, quanto mais bebidas alcoólicas forem ingeridas, maior será o tempo para a absorção pelo organismo.

 

Muito se falou, principalmente nas redes sociais, que o crime de embriaguez ao volante teria sofrido singelas modificações com o advento da Lei 13.546/2017. Entretanto, tais falácias não possuem qualquer validade, conforme abordamos em outro artigo (clique aqui).

 

Com efeito, diante de uma eventual imputação do crime de embriaguez ao volante, continua sendo possível o arbitramento da fiança pelo delegado de polícia, tendo em vista que a pena máxima não excede quatro anos (art. 322, CPP); o cabimento da suspensão condicional do processo, na medida em que a pena mínima cominada não ultrapassa o limite de um ano (art. 89 da Lei 9.099/95); e em caso de condenação, poderá haver a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do Código Penal) e, caso isso não seja possível, poderá ser imposto o regime aberto (art. 33, § 2º, c, do Código Penal).

 

Perante de todo o exposto, podemos chegar à conclusão de que é plenamente possível recusar a realização do bafômetro e do exame de sangue sem que haja uma punição, na medida em que estar-se-á no exercício efetivo do direito constitucional da não-autoincriminação, não havendo o que se falar em crime de desobediência.

 

Entretanto, não poderá ser recusado o exame clínico, caso seja estipulado pela autoridade pública. Do contrário, poderá ensejar a imposição das sanções administrativas previstas no art. 165-A do CTB.

 

Diante da recusa em assoprar o bafômetro, pode a autoridade aplicar as penalidades administrativa previstas no art. 165 do CTB se restar comprovada a presença dos sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora. Contudo, tais fatos devem estar devidamente transcritos no auto de infração lavrado pela autoridade, sob pena de ensejar a interposição dos recursos cabíveis.


Por fim, sendo ao agente imputado o crime de embriaguez ao volante e diante do fato de que a Lei 13.546/2017 em nada modificou o art. 306 do CTB, continua sendo plenamente possível os benefícios da fiança, da suspensão condicional do processo, da substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito e da imposição do regime aberto para o cumprimento da pena.

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Referências

ASSUNÇÃO, Igor. Não! Não houve alteração na pena do crime de embriaguez ao volante!. Disponível em https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI271654,21048-Nao+Nao+houve+alteracao+na+pena+do+crime+de+emb…

GOMES, Luiz Flávio. Bafômetro: é obrigatório?. Disponível em http://www.lfg.com.br.

TASSI, Umberto Ibrahim Abu Shireh. A obrigatoriedade do teste do “bafômetro” em face da Lei 11.705/08: Uma análise crítica. Disponível em http://www.ambito jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6793

FERREIRA, Maria Clara Dias; et al (org). Quanto tempo depois de beber eu posso dirigir?. Disponível em https://revistaautoesporte.globo.com/Noticias/noticia/2018/05/quanto-tempo-depois-de-beber-eu-posso-…

Por Thales Abrahão de Campos.

Assuntos: Bafômetro, Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Direito Penal, Embriaguez, Suspensão do Direito de Dirigir, Trânsito

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