A Entrevista Semanal traz a nova lei de combate à Lavagem de Dinheiro

20/03/2013. Enviado por

A Lei n.º 12.683 foi sancionada, alterando a antiga lei de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, fazendo com que o Brasil tenha uma das legislações mais modernas do mundo.

MeuAdvogado: A Lei n° 12.683/2012 traz inovações e avanços contra o crime de lavagem de dinheiro. A Lei aperfeiçoou o combate a esse tipo de crime e incorporou uma tipificação mais abrangente, fortalecendo a autonomia desse delito e a existência de um mero vínculo lógico formal com a infração penal precedente. O que muda com as novas especificações previstas na nova Lei?

Dr. Alan Amaro: A nova legislação trouxe avanços estruturais importantes ao combate aos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, alinhando o Brasil as recomendações internacionais no combate e repressão desse tipo de infração.
As inovações trouxeram novos instrumentos (materiais e processuais) de apuração, processamento e punição. A alteração mais importante, sem dúvidas, foi a extinção da lista de infrações precedentes – como conditio sine qua non – para a apuração do delito de lavagem. Somada a ela, também prevê a nova Lei, o acolhimento da denúncia por lavagem de dinheiro mesmo sem a condenação pelo crime antecedente, confisco de bens dos envolvidos, a delação premiada aceita a qualquer tempo, o indiciamento de servidores públicos, dentre outras.
A ausência de amparo legislativo forte e mais abrangente acabava por restringir a capacidade de repressão estatal, sendo o motivo de maior preocupação do Poder Público, sobretudo, do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), pois, antes da Lei nº. 12.683/12 tornou-se um contexto comum à impunidade dos criminosos e de suas organizações.
Preocupado, afirmou Joaquim Barbosa, presidente do STF, que a “ocultação de valores tem de ser "veementemente" reprimida. O número de inquéritos arquivados, quando comparado ao número de denúncias aceitas, indica que é necessária apuração para saber se as discrepâncias estão na deficiência da investigação ou no trabalho executado pelo Ministério Público".

MeuAdvogado: Com as novas especificações sobre o crime de lavagem de dinheiro, o Brasil passa a ter uma das legislações mais modernas do mundo sobre o assunto. Uma das inovações é a extinção da lista de crimes antecedentes, passando a considerar agora qualquer infração penal como antecedente da lavagem de dinheiro. Quais são os impactos imediatos dessa medida?

Dr. Alan Amaro: Indubitavelmente, o grande marco legislativo trazido pela Lei nº. 12.683 de 2012 foi a expansão da lista das infrações penais precedentes, pois, agora, nos termos do art. 1º, qualquer crime pode ser configurado como delito antecedente para caracterização lavagem de dinheiro.
Nesse passo, um reflexo imediato importante é a possibilidade de punir alguém que faça uso de bens, direitos ou valores oriundos de atividade ilícita agindo com dolo eventual, presumindo-se deveria o agente conhecer a sua origem ilegal.
Outro impacto, em curto prazo, já esperado, será o maior número de indiciamentos, e consequentemente, o aumento da ocorrência de prisões cautelares.
Além do mais, a ausência de vínculo lógico formal taxativo com a conduta precedente autoriza o processamento sem a necessidade de condenação prévia como antigamente, bem assim o julgamento do delito de lavagem de dinheiro por qualquer Magistrado, podendo conforme o caso concreto, os crimes serem julgados conjunta ou separadamente, mecanismos que conferem maior celeridade ao andamento dos feitos.

MeuAdvogado: O teto para multas previsto pela nova Lei para o crime em questão subiu de R$200 mil para R$20 milhões. Como é definido tal aumento? Até que ponto é viável um aumento de tais proporções?

Dr. Alan Amaro: Como todos sabem, a maioria das modificações ocorridas no ordenamento jurídico pátrio são espelhos das pressões e anseios populares por justiça. O Brasil é marcado principalmente por mudanças legislativas em seguida a acontecimentos de fatos marcantes, com grande exposição midiática. Por isso, vejo que tal aumento substancial do valor do teto da multa encontra justificativa no caso envolvendo os famosos “bicheiros”, indivíduos que através da prática contravencional ganharam destaque pela propriedade de mansões e carros de luxo.
No entanto, elevando o foco da discussão para um lado teórico, a alterações sobrevindas na Lei de lavagem de dinheiro no que diz respeito ao teto da multa aplicada pode ser definida justamente pela mudança do objeto do crime, porquanto como a lei autoriza, atualmente, a punição de qualquer delito antecedente (doutrinariamente conhecida como a lei na esfera de “terceira geração”), justifica-se um aumento acentuado no patamar das multas, que passou a abarcar diferentes e inúmeras infrações, dentro de um rol aberto, maximizando os números de infringência.
Portanto, justificável o aumento em tais proporções com vista a aumentar a reprovabilidade da conduta do dissimulador de bens, direitos ou valores, punindo o infrator com maior rigor, evitando a prática de novas condutas, num caráter preventivo da pena.

MeuAdvogado: O artigo 17-D, que prevê o afastamento do servidor público de suas funções quando este for indiciado, dividiu juristas e delegados, segundo matéria publicada pelo Estadão em julho do ano passado. Isso porque a Constituição estabelece a presunção de inocência, e qualquer medida cautelar que restrinja os direitos deve ser fundamentada e motivada por um juiz de Direito. O indiciamento, no entanto, é caso do delegado de polícia, sem qualquer controle judicial. Este, portanto, não tem o direito de afastar os servidores públicos de suas funções, já que não possui direitos jurisdicionais. Qual a sua opinião sobre essa divergência na nova Lei?

Dr. Alan Amaro: De fato a lei em discussão apresenta pontos que merecem uma atenção especial, por motivar interpretações divergentes e, até mesmo, por conter em seu bojo previsões aparentemente inconstitucionais.
Precisamente quanto à divergência em questão parece-me que assiste razão àqueles juristas que defendem a falta de razoabilidade da medida cautelar, haja vista que o afastamento do servidor público ataca princípios salvaguardados em nossa Constituição Federal e, como aludido, por ser alheio a qualquer controle jurisdicional, pode implicar, em certos casos, em arbitrariedade por parte da autoridade policial.
Nesse caso, deveria o legislador, devido à natureza discricionária do indiciamento, submeter à medida cautelar ao crivo do Magistrado, com participação, inclusive, do membro do Ministério Público, como acontece exemplificativamente no parágrafo 1º, do artigo 56, da Lei nº. 11.343 de 2006. Implantando-se medida de cunho semelhante, à vista do teor da disposição contido no artigo 17 –D, que resguarda a remuneração do servidor, evitar-se-ia maiores e futuros prejuízos envolvendo o agente público afastado, garantindo do mesmo modo a funcionalidade (sentido de continuidade do serviço público) do órgão administrativo onde o funcionário é lotado, mormente, se quem for afastado ocupar e exercer uma função de relevo.

MeuAdvogado: De acordo com alguns advogados, como o Dr. Maurício Silva Leite, em entrevista para a Record News, a nova resolução pode ocasionar uma invasão de privacidade. De que forma isso pode acontecer levando em conta os artigos da nova legislação? Quais medidas poderiam ser tomadas para resolver essa situação?

Dr. Alan Amaro: Toda a norma que não traz em seu texto clareza redacional certamente ensejará a uma pluralidade de interpretações por parte dos operadores do direito, fato que, consequentemente, poderá ocasionar situações de invasão a privacidade dos indivíduos, como é o caso lei em testilha.
Tenho que a passagem da Lei que mais se aproxima de uma zona de desconforto, com a potencial invasão da privacidade, refere-se à obtenção de dados cadastrais pelos órgãos de investigação, o que foi conferido à autoridade policial e ao Ministério Público. Garante o artigo 17-B, o acesso a informações sobre a qualificação, a filiação, e acerca do domicílio do investigado, incluindo nesse rol dados bancários, financeiros, eleitorais, telefônicos, cibernéticos, tudo, novamente, sem qualquer controle judicial.
A referida previsão normativa suscita uma questão muito interessante, notadamente ocorrida nos casos de quebra de sigilo bancário e telefônico por determinados órgãos públicos, como acontece com as comissões parlamentares de inquérito, que independem de autorização do Juiz para efetivar as medidas. Isso nos leva a seguinte indagação: deve-se preservar o direito a intimidade do investigado em detrimento da instrumentalidade da persecução penal?
Diante da alta carga argumentativa, torna-se penoso assinalar pontualmente quais medidas poderiam melhorar essa situação até porque a Lei é muito nova e imprecisa em certos artigos, tanto é assim que nos dias 11 e 12 de março de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) promoveram, em Brasília, o Seminário Nacional: Inovações e Desafios da Nova Lei sobre Crimes de Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/2012).
Entretanto, para não fugir a questão, a par da solução dos conflitos textuais da Lei, razoável seria um maior controle jurisdicional a propósito de as medidas cautelares e assecuratórias, e sobre a investigação de um modo geral, impedindo avarias irreversíveis na liberdade e no patrimônio dos investigados.

 

 

Assuntos: Criminal, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito processual penal, Improbidade Administrativa

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