A diversidade religiosa e o registro do casamento religioso

14/05/2013. Enviado por

O instituto casamento foi influenciado pelo Direito Romano e pelo Sistema Canônico. A união Estado/Igreja era fortemente observada e, no mundo ocidental, o casamento foi reconhecido como único mecanismo legitimador da família.

O instituto casamento foi fortemente influenciado pelo Direito Romano e pelo Sistema Canônico. A união Estado/Igreja era fortemente observada e, no mundo ocidental, com tremenda influência cristã, o casamento foi reconhecido como único mecanismo legítimo de criação de família.

No século II, Erenio Modestino apresentou uma das primeiras conceituações de matrimônio, como sendo “A conjunção do homem e da mulher, que se associam para toda a vida, a comunhão do direito divino e do direito humano”.

Destaca-se o posicionamento de Modestino, quando trata o casamento como uma união perene, duradoura, se não, perpétua, e regida sob o poder divino, ou “comunhão de direito humano e divino”. Observa-se a força e vinculação do conceito, ainda presente nas celebrações dos casamentos religiosos do século XXI, sendo utilizada, no entanto, com palavras diversas: “Unidos sob a proteção divina, até que a morte os separe”.

Assim, tudo aquilo que fosse estranho a essa forma de origem da família deveria ser combatido pela Igreja, o que gerou a marginalização das uniões livres e a consequente ritualização da celebração.

Foi então que um crescente movimento de laicização do Estado, no qual a revolução francesa é símbolo do rompimento da tradicional estrutura Estado/Igreja, surge o Code Napoléon (ou Código Civil francês) onde o casamento foi considerado uma instituição exclusivamente laica, embora o casamento religioso não fosse proibido. O Código francês de 1804 estabeleceu assim um sistema de conciliação e de coexistência, o sistema de dupla cerimônia: a cerimônia civil, que é obrigatória, e a cerimônia religiosa, que é facultativa.

Entretanto, no Brasil, somente com o Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890, foi oficializado o casamento civil, retirando assim o monopólio da Igreja Católica como instância legitimadora da família.

Somente com Constituição de 1934 o estado brasileiro reconheceu em sua Lei Maior as duas formas de casamento, com procedimento similar ao atualmente utilizado: “Art. 146. O casamento será civil e gratuita sua celebração. O casamento perante o ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito que não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo de oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja inscrito no registro civil. O registro será gratuito”.

A regulamentação da matéria deu-se pela Lei n. 379, de 16 de janeiro de 1937, posteriormente modificada pelo Decreto-lei n. 3.200 de 1941, derrogado pela Lei 1.110 de 1950, até chegarmos à Lei dos Registros Públicos – Lei 6.015/1973 - e ao atual Código Civil.

Atualmente, apesar de considerado um estado laico ou não confessional, por disposição constitucional e ênfase doutrinária e jurisprudencial, mais pertinente seria dizer que o Brasil apenas não apresenta religião oficial. A demonstração de um Estado crente é facilmente constatado no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, quando os “representantes do povo” a promulgam “sob a proteção de Deus”.

Ainda, ao observarmos as cédulas do Real, em todas elas constará a inscrição “Deus seja louvado”. O que não caracteriza a laicidade ou neutralidade estatal, pois neste conceito também se inclui a não religião ou ateísmo.

Considerando, pelo menos na teoria, a neutralidade estatal, é notório que o Brasil, pela sua extensão geográfica e diversidade de povos advindos dos quatro cantos do planeta, apresenta um sem-número de religiões. Vale destacar, que a pluralidade religiosa está diretamente ligada ao pluralismo político, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto no inciso V, do artigo 1º, da CF/88.

E é exatamente na pluralidade religiosa que reside o problema prático do casamento religioso para efeitos civis. Você já ouviu falar em Fé Bahá’í? Não? Pois é, ela é considerada a nona maior religião do planeta, com aproximadamente 7.460.000 adeptos, espalhados por cerca de 200 países. Fontes não oficiais estimam que só no Brasil são, aproximadamente, 57.000 fiéis.

A título de curiosidade, a Fé Bahá’í é originária do Irã (antiga Pérsia), fundada em 1864 por Bahá’u’lláh, e baseia-se na crença pela unidade da humanidade, busca da verdade e fim dos preconceitos. Possui suas próprias leis, escrituras sagradas, administração e calendário. Mas não possui dogmas, clero, ritos, nem sacerdócio, e, por isso mesmo, dificilmente seria objeto de registro em serviço de Títulos e Documentos.

Quando o legislador previu a possibilidade de casamento religioso com efeitos civis, obviamente, ele teve em mente os cultos, crenças e cerimônias de qualquer religião, sem discriminação. Ademais, como já dito acima, o Brasil é um estado laico, onde é assegurado o livre exercício de cultos religiosos e garantidas as suas liturgias, não podendo haver intromissão estatal.

Desta forma, quando o registrador civil se deparar com registro de casamentos religiosos realizado sob culto de religiões exóticas ou desconhecida, a doutrina não é pacífica quanto ao procedimento a ser adotado. Parte majoritária entende que o ato deve ser registrado, pois, caso contrário, haveria claro desrespeito à diversidade religiosa assegurada pela Constituição.

Parte minoritária da doutrina entende que Registrador, ao se deparar com religião considerada exótica ou desconhecida, poderia exigir a apresentação de certidão do cartório de Registro de Títulos e Documentos, comprovando a regular inscrição da entidade. Entretanto, o registro formal da religião apenas confere a ela personalidade jurídica, logo não se pode confundir a existência da religião ou culto com seu registro (o que apenas confere existência no mundo jurídico).

Em ambos os casos deve-se observar as normas de ordem pública. Não se pode, por exemplo, aceitar como liberdade religiosa e posterior registro, a poligamia, sob o fundamento de que determinada religião assim o faz.

Sábias são as palavras de José Guilherme Loureiro na difícil missão de conceituar religião: “Religião deve ser entendida como qualquer conjunto de crenças e valores que compõem a fé de uma pessoa ou grupo de pessoas e se revela por certas normas e práticas repetitivas, vale dizer, por determinados ritos. Embora sejam centenas ou milhares as religiões ou cultos, a maior parte delas tem características comuns: um sistema de crenças no sobrenatural, envolvendo geralmente divindades, entidades espirituais ou forças superiores. Esta crença não tem fundamento científico, mas baseia-se na fé, em dogmas que não admitem discussão”.

Por isso mesmo que a inexistência de registro no Serviço de Títulos e Documentos não demonstra a inexistência da religião, não fundamentando, por si só, a recusa no registro do casamento religioso. No caso de fundada suspeita sobre a legitimidade da religião, deve o registrador suscitar dúvida ao juiz, o que propiciará oportunidade de demonstração do casamento religioso, mas não sob o fundamento do exotismo dos ritos ou denominação do culto.

O ideal é que toda religião ou culto seja formalmente levada a registro nos Cartórios de Títulos e Documentos, esvaziando assim a possibilidade de recusa nos registros de matrimônio nelas realizados. Atitude simples, porém com inestimável valia jurídica.

 

 

Autor: Bruno Bittencourt Bittencourt

O instituto casamento foi fortemente influenciado pelo Direito Romano e pelo Sistema Canônico. A união Estado/Igreja era fortemente observada e, no mundo ocidental, com tremenda influência cristã, o casamento foi reconhecido como único mecanismo legítimo de criação de família.

Assuntos: Casamento, Direito Civil, Direito de Família, Direito processual civil, Família

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