Tombamento: Um Instrumento de Proteção do Patrimônio Histórico, Cultural, Artístico, Turistico

07/03/2014. Enviado por

Dessa forma, o presente estudo se propõe a analisar, de que maneira o Estado intervém na propriedade privada para atender ao interesse público da coletividade através do tombamento, na proteção e defesa dos bens com valores reconhecidos e protegidos.

TOMBAMENTO: UM INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL, ARTÍSTICO, TURISTICO E PAISAGÍSTICO NACIONAL

 

 

RESUMO

 

Quando o Estado intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio que tem uma importância cultural, histórica, artística e paisagística, pretende preservar a memória nacional, já que cabe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. A defesa do patrimônio com valor cultural, histórico, artístico e paisagístico é matéria de interesse geral da coletividade. O tombamento é, portanto, uma forma de intervenção na propriedade pelo qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro, e é instituído sempre que há o desejo de se preservar certo bem, público ou particular, em razão de seu importante valor reconhecido para a memória do país. Dessa forma, o presente estudo se propõe a analisar, por meio de uma abordagem qualitativa e bibliográfica, utilizando-se do método dialético, de que maneira o Estado intervém na propriedade privada para atender ao interesse público da coletividade através do tombamento, na proteção e defesa dos bens com valores reconhecidos e protegidos. Buscando assim, estabelecer uma reflexão entre a postura do Estado frente aos conflitos de interesses que estão em jogo e a forma de atuação quando este intervém na seara dos direitos fundamentais de cada cidadão.

Palavras-chave: Tombamento. Direito de propriedade. Intervenção do Estado. Interesse público. Preservação. Direitos fundamentais.

 

 

OFFICIAL PUBLIC HERITAGE DECLARATION: A PROTECTION INSTRUMENT OF THE CULTURAL, ARTISTIC, TOURISTIC AND NATIONAL LANDSCAPE’S HERITAGE

 

ABSTRACT

 

When the state interferes in the private property to protect the assets that have a cultural, historical, artistic and landscape importance, it aims to preserve the national memory, since the state must guarantee the full exercise of cultural rights and the access to the sources of the national culture. The heritage defense with cultural, historical, artistic and landscape value is a matter of general interest of the community. The official public heritage declaration is therefore a form of intervention in the property by which the Government seeks to protect the Brazilian cultural heritage and is set whenever there is a desire to preserve a certain good, either public or private, due to its important recognized value for the memory of the country. Thus, this study aims to examine how the state interferes in the private property to meet the public interests’ needs through the official public heritage declaration’s procedure, by using a qualitative and bibliographical approach with the dialectical method, all in protection and defense of the values protected by the State. The work, therefore, seeks to suggest a reflection about the attitude of the State against the conflicts of interests that are at stake and the way it operates when it interferes in the field of the fundamental rights of every citizen.

KEYWORDS: Official public heritage declaration. Property right. State intervention. Public interest. Preservation. Fundamental rights.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

O presente trabalho, desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, objetiva analisar a proteção dos bens de interesse cultural, histórico, artístico e paisagístico nacional, que se inicia pela Constituição Federal, impondo ao Estado o dever de garantir a todos o exercício dos Direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, através do instituto do Tombamento.

Neste diapasão, é evidente que, para esse fim, a Carta Cidadã de 1988 teria que prever os meios, e assim o fez no art. 216, § 1º, que estabelece: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de (...) tombamento (...), e de outras formas de acautelamento e preservação”.

O presente artigo tem como finalidade, portanto, a abordagem e análise do instituto do tombamento frente ao Direito Fundamental de propriedade do particular.

Nesta lógica, de um lado está o direito de propriedade exercido pelo particular, e do outro, a necessidade de se instituir o tombamento pelo ente público em razão do interesse público da coletividade, assim como, pela ausência da função social daquela propriedade, em alguns casos, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados.

Neste sentido, qual o interesse que deve prevalecer, a vontade do particular em ter preservado seus amplos poderes sobre a propriedade, ou a intervenção Estatal na proteção e defesa dos interesses difusos da coletividade?

Em síntese, o tombamento não altera a propriedade do bem, só não permite que tal bem venha a ser destruído ou descaracterizado. Logo, o Tombamento protege os bens na medida que impede legalmente a sua destruição, aliás, a preservação somente torna-se visível para todos, quando um bem encontra-se em bom estado de conservação, propiciando sua plena utilização.

O tombamento é, portanto, um importante instrumento na defesa do patrimônio ameaçado de destruição e desaparecimento, logo, o instituto é uma forma de intervenção na propriedade pelo qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro, e é instituído sempre que há o desejo de se preservar certo bem, público ou particular, em razão de seu valor histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.

Desta maneira, o proprietário não poderá, em nome de interesses particulares ou pessoais, usar e fruir livremente de seus bens se estes traduzirem interesses públicos relacionados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística.

A propriedade privada nos tempos atuais, assumiu uma dimensão social, que interessa não apenas ao seu proprietário, mas a toda a coletividade. Ainda assim, é pacifico o posicionamento que nenhum direito fundamental é absoluto, assim, o direito de propriedade também não o é, haja vista seu uso, gozo, fruição e disposição não poderem opor-se aos interesses da coletividade. Mesmo em países como o Brasil, em que a Constituição Federal assegura a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, ela está direcionada a uma função social nos termos do art. 170, III da Constituição Cidadã de 1988.

A problemática desenvolvida em torno do tema gera discussões e questionamentos, em virtude do tombamento ter por fundamento a necessidade de adequar o domínio privado às necessidades de interesse público, ou seja, do Estado.

Desta forma, o interesse público deve prevalecer sobre o interesse do particular?

O dilema moderno se situa na dicotomia entre Estado e Indivíduo. Para que se possa atender aos anseios da sociedade e captar as exigências do interesse público, é preciso que o Estado atinja alguns interesses individuais. E a regra que atualmente se aplica a estas situações é o da supremacia do interesse público sobre o particular, sendo este postulado um dos fundamentos políticos da intervenção do Estado na propriedade, autorizando, assim, o instituto em questão. Até porque, a proteção do patrimônio está diretamente relacionada à melhoria da qualidade de vida da população, pois a preservação da memória é uma causa social tão importante quanto qualquer outra atendida pelo poder público.

 

 

2 O DIREITO DE PROPRIEDADE FRENTE AO INSTITUTO DO TOMBAMENTO SOB O FUNDAMENTO DO INTERESSE PÚBLICO DA COLETIVIDADE

 

 

A propriedade é o direito real mais completo, haja vista conferir ao seu titular os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, assim como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Sendo assim, quando todas essas prerrogativas acharem-se reunidas em uma só pessoa, diz-se que é ela titular da propriedade plena. No entanto, no tocante a propriedade, esta poderá ser limitada quando algum ou alguns dos poderes inerentes ao domínio se destacarem e se incorporarem ao patrimônio de outra pessoa.

Nos termos do art. 1.228 do Código Civil, não há uma definição de propriedade, há apenas o enunciado dos poderes do proprietário: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Logo, trata-se do mais completo dos direitos subjetivos, a matriz dos direitos reais e o núcleo do direito das coisas.

O Estado brasileiro atende ao interesse público da coletividade. O ato administrativo não tem legalidade se o administrador agiu no interesse próprio, e não no interesse público, ainda que obedecida formalmente a letra da lei. Assim, o administrador tem que atender o interesse público no desempenho dos seus atos.

Conforme lições de Celso Antônio Bandeira de Mello (1999) o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular é o princípio geral do direito inerente a qualquer sociedade, e também como condição de sua existência, ou seja, um dos principais fios condutores da conduta administrativa, pois a própria existência do Estado somente se legitima, se o interesse a ser por ele perseguido e protegido for o interesse público, o interesse da coletividade, haja vista o Estado desempenhar suas funções em detrimento da coletividade, atendendo aos seus anseios.

Não obstante, o interesse que deve ser atendido é o chamado interesse público primário, referente ao bem estar social coletivo, da sociedade como um todo, que nem sempre coincide com o interesse secundário, referente a órgão estatais ou governantes do momento.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado tem suas origens no século XIX, em virtude do direito deixar de ser apenas um instrumento de garantia dos direitos dos indivíduos e passar a objetivar a busca pela justiça social, a pacificação social e o bem da sociedade. Os interesses representados pela Administração Pública, estão previstos no Art. 37 da Constituição Federal Brasileira, e se aplica na atuação do princípio da supremacia do interesse público.

O tombamento é um instrumento muito importante na proteção dos bens com valor artístico, histórico, paisagístico e cultural, pois sem o ato de tombar, tais bens estariam desprotegidos e poderiam vir a desaparecer do cenário nacional, portanto, essa proteção se faz necessária, tendo em vista sua importância na conservação dos bens materiais e imateriais de interesse público que compõem o acervo histórico-cultural do país, por vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico.

A Constituição consagra o Brasil como um Estado Democrático Social de Direito, o que implica necessariamente dizer que a propriedade deve atender a sua função social, sendo tal função substanciada no interesse público da coletividade, resultando no bem estar da sociedade.

No tocante ao tombamento, entende-se que sempre que houver conflito entre um particular e um interesse público coletivo, deve prevalecer o interesse público, pois mesmo o proprietário sendo dono do bem, este não pode dispor daquele da maneira que bem entender, pois há um motivo maior no interesse da administração pública em tombar determinado bem, qual seja, o atendimento do interesse público da sociedade. Sendo esta, umas das funções do Estado brasileiro, atender aos anseios da coletividade e proteger o patrimônio histórico, artístico, paisagístico ou cultural brasileiro através do tombamento.

 O tombamento sob o fundamento do interesse público da coletividade é uma prerrogativa conferida a administração pública, porque a mesma atua por conta de tal interesse, ou seja, o legislador na edição de leis ou normas deve orientar-se por esse princípio, levando em conta que a coletividade está num nível superior ao do particular.

Sendo assim, pelo tombamento o poder público como que congela determinado bem, impondo a sua preservação, de acordo com regras adequadas a cada caso (art. 216, § 1º, da CF). A denominação de tombamento vem de tombar, no sentido de registrar. A coisa tombada pode ser móvel ou imóvel, de propriedade pública ou privada. Desta forma, a coisa tombada continua pertencendo ao proprietário, passando, porém a sofrer uma série de restrições.

O tombamento é uma forma de intervenção na propriedade pelo qual o Poder Público procura proteger o patrimônio cultural brasileiro, e é instituído sempre que há o desejo de se preservar certo bem, público ou particular, em razão de seu valor histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.

Indiscutivelmente, quando o Estado intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio cultural, pretende preservar a memória nacional, já que cabe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional.

Desta maneira, o interesse público prevalece sobre o interesse individual, respeitadas as garantias constitucionais e pagas as indenizações devidas, quando for o caso.

 

 

3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E INTERESSE PÚBLICO DA COLETIVIDADE: LIMITES A ATUAÇÃO DO PARTICULAR OU TUTELA DOS INTERESSES DA COLETIVIDADE?

 

 

A Constituição Federal de 1988 incluiu a função social da propriedade como princípio da ordem econômica e social, no art. 170, III. Ainda assim, tal garantia ainda está assegurada no art. 5º, XXIII, no âmbito dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Nesta seara, o direito de propriedade é garantido, desde que cumprida a sua função social. Sendo tratado, ao mesmo tempo, como direito individual fundamental e de interesse público, visando a atender os anseios sociais.

GONÇALVES (2003, p. 89) assevera que no Direito Romano, a propriedade tinha caráter individual. Na idade Média passou por uma fase peculiar, com dupla acepção (o dono e o que explorava economicamente o imóvel, pagando ao primeiro pelo seu uso). Com a Revolução Francesa, assumiu feição notadamente individualista. No século passado, entretanto, foi acentuado o seu caráter social, contribuindo para essa situação as encíclicas papais.

A constituição Federal de 1988 dispõe que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII). Também determina que a ordem econômica observará a função da propriedade, impondo freios à atividade empresarial (art. 170, III, da CF).

No estágio atual da sociedade, a dignidade da pessoa humana assume um aspecto garantidor dos direitos fundamentais de cada cidadão na nova ordem constitucional, sendo inclusive um dos fundamentos da República Federativa Brasileira. Neste sentido, a dignidade da pessoa humana é posta como regra basilar, influenciando o conteúdo da função social. Nesta sistemática, cumprirá a função social a propriedade que, respeitando a dignidade humana, contribua para o desenvolvimento nacional, para a diminuição da pobreza e das desigualdades sociais. Os parâmetros para tanto são concretos, ao contrário do que possa parecer.

Nessa nova ordem, o Código Civil determina que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam tutelados, e conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico, artístico e cultural, bem como deve ser evitada a poluição das aguas, do ar., nos termos do art. 1.228, § 1º.

Ainda no Código Civil, é proibido atos que tragam ao proprietário qualquer modalidade, ou utilidade que tenham a intenção de prejudicar outrem (1.228, § 2º). O referido diploma criou uma nova espécie de desapropriação, determinada pelo poder judiciário na hipótese do imóvel reivindicado possuir extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por amis de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante (1.228, § 3º). Sendo neste caso, cabível uma justa indenização ao proprietário, que será fixada pelo juiz (1.228, § 5º). Trata-se, portanto, de uma inovação de alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade.

Todo o conjunto de leis que impõem restrições ao direito de propriedade como o Código de Mineração, Código Florestal, Lei de Proteção do Meio Ambiente, Plano Diretor das Cidades, dentre outros, acaba trançando o perfil atual do direito de propriedade no direito brasileiro, não mais individualista, pois deixou de apresentar características de direito absoluto e ilimitado, para se transformar em um direito de cunho social.

No mesmo diapasão, a função social da propriedade está diretamente ligada ao interesse público da coletividade, que se materializa no bem estar-social, pois ao mesmo tempo que restringe o poder de atuação do particular em relação a sua propriedade, haja vista a  ideia de propriedade vir mudando com o desenrolar da história, sendo inviável a visão desse direito de forma absoluta e individualista, de modo que o proprietário não mais pode utilizar o seu bem egoística e indiscriminadamente, garante a proteção dos interesses da coletividade com a preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico com a instituição do tombamento.

Desta forma, a propriedade pode até ser produtiva, mas não basta apenas a questão econômica para que seja alcançada a função social da propriedade, pois se a produção estiver baseada, por exemplo, no trabalho escravo ou na exploração predatória do meio ambiente, ela não atende aos ensaios da sociedade, não atingindo, portanto, a sua função social.

O princípio da função social deve ser materializado em todo o conteúdo constitucional, funcionando como verdadeiro parâmetro interpretativo. A Carta Magna de 1988 optou por prestigiar os valores existenciais condizentes com a dignidade da pessoa humana, deixando em segundo plano o individualismo de outrora, influenciando para que os valores patrimoniais passaram a figuram em menor escala.

Qualquer interpretação contraditória aos princípios constitucionais consagrados na Carta de Direitos de 1988, representa flagrante violação aos fundamentos da República Federativa brasileira. Não se constrói uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, erradicadora das desigualdades sociais e promovedora do bem comum com soluções patrimonialistas, não se admite, portanto, posturas que venham a violar garantias constitucionais asseguradas pela Lei Maior.

A propriedade, há muito tempo, deixou de conferir apenas poderes ao titular do direito, conferindo também deveres, como o de usar o bem, de dar a ele uma finalidade social. A propriedade é reconhecida e garantida na forma da lei, a qual estabelece os seus modos de aquisição, de gozo e os limites a que está sujeita, a fim de realize a sua função social e se torne acessível a toda a sociedade. Não se tolera, nem tão pouco se admite o caráter estritamente patrimonialista com o qual a propriedade historicamente era encarada, visto que a pessoa humana deve prevalecer sobre qualquer outro valor.

Na nova ordem constitucional, a Constituição Federal de 1988 provocou uma profunda mudança na visão do direito de propriedade. A importância social que é dado a propriedade, transcende a questão da produtividade, pois tem-se a preocupação em dar à propriedade, mesmo que privada, uma destinação mais vinculada ao benefício coletivo.

A propriedade, nos tempos modernos, é caracterizada menos pelo seu conteúdo estrutural e mais pela finalidade econômica e social do bem sobre a qual incide. A função social, nesta linha, incide sobre o conteúdo e conceito do direito de propriedade.  A propriedade adquiriu relevo social no decorrer dos anos, não se restringindo apenas a uma relação entre sujeito e objeto, situação típica da ideia de direito real absoluto, há nos dias atuais, portanto, um compromisso perante toda a coletividade.

4 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O INSTITUTO DO TOMBAMENTO

 

 

Aproximando-se do objeto central do presente estudo, cumpre observar que o tombamento está inserido no campo do direito administrativo, uma vez que se justifica no poder de polícia, instituto típico deste ramo jurídico e, por conseguinte, está integrado à esfera do direito público.

O direito administrativo, que rege a administração pública, é um dos ramos do direito público. Neste diapasão, apesar do instituto do tombamento ter uma pequena ligação com o direito civil, sua matéria é eminentemente de direito administrativo.

Aliás, assim como a Administração tem prerrogativas, há também restrições que devem ser respeitadas, sob pena de nulidade do ato administrativo e, até mesmo, em muitos casos, de responsabilização da autoridade que editou o ato.

O instituto do tombamento, para que seja revestido de legitimidade, deve obedecer aos princípios que regem a Administração Pública previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, além de outros não expressos.

Neste sentido, a Carta Cidadã de 1988 estabelece que a Administração deve respeitar as restrições decorrentes da lei e dos princípios públicos que a informam na atuação da atividade administrativa no desempenho de suas atividades, não devendo ultrapassar aquilo que seja necessário e suficiente para os fins públicos (princípio da proporcionalidade), cujas metas pretendem atingir.

O tombamento se reveste dos princípios da Administração Pública, tais como o da legalidade, interesse público, supremacia do interesse público, moralidade administrativa, impessoalidade, publicidade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência.

Pelo princípio da legalidade, o administrador não pode agir, nem deixar de agir, senão de acordo com a lei, na forma determinada, haja vista no direito administrativo o conceito de legalidade contém em si não só a lei mas, também, o interesse público e a moralidade.

Quanto ao princípio do interesse público, uma regra básica da administração é o atendimento a esse interesse. Neste sentido, o ato administrativo não tem legalidade se o administrador agiu no interesse próprio, e não no interesse público, ainda que obedecida formalmente a letra da lei.

Logo, como consequência lógica do princípio do interesse público, a supremacia do interesse público deve prevalecer sobre o interesse individual, respeitadas as garantias constitucionais e pagas as indenizações devidas, quando for o caso.

Reafirmando o conceito anterior, tanto a moralidade como o interesse público fazem parte da legalidade administrativa. Assim, violar a moralidade corresponde a violar o próprio direito.

Normalmente, não se trata de uma moral comum, mas de uma moral administrativa, ou ética profissional, que consiste no conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de qualquer profissão.

No tocante ao princípio da impessoalidade, a administração deve servir a todos, sem preferências ou aversões pessoais ou partidárias, devendo sua atuação se destinar a satisfação do interesse público.

O princípio da publicidade traduz-se na ideia de que os atos públicos devem ter divulgação oficial, como requisito de sua eficácia, salvo as exceções previstas em lei.

Sob o aspecto do princípio da finalidade, a administração deve agir com a finalidade de atender ao interesse da coletividade visado pela lei. Caso contrário, estaria promovendo o desvio de finalidade, que é uma forma de abuso de poder, acarretando a nulidade do ato.

A administração deve agir com bom senso, de modo razoável e proporcional respeitando assim o princípio da razoabilidade.

Conforme MARMELSTEIN (2008, p. 362), a proporcionalidade nada mais é do que a aplicação do meio mais adequado e menos oneroso para tentar solucionar o conflito, com a utilização da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, nas decisões judiciais o excesso não é admitido, sendo preciso que o intérprete seja proporcional e a medida aplicada ser apenas a estritamente necessária.

Ademais, a proporcionalidade tanto está relacionada à ideia de vedação de excesso, como a vedação de insuficiência, visto que o Estado deve agir de forma eficaz para prover a prestação jurisdicional e proteger os direitos fundamentais.

O princípio da eficiência foi introduzido expressamente pela Emenda Constitucional 19 de 1998, dispondo que não basta a instalação do serviço público. Exige-se que este serviço seja eficaz e que atenda plenamente à necessidade para a qual foi criado.

Desta maneira, não basta que o bem seja tombado, é necessário que seja observada a verdadeira finalidade do tombamento, que é a efetiva proteção do bem tombado.

Portanto, o Poder Público tem que atender a todos esses princípios para que o tombamento se materialize em um instrumento de proteção real desses bens, preservando, desta forma, o patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico nacional. O descumprimento desses princípios é uma afronta a Constituição Federal, resultando no desaparecimento dos bens importantes à memória nacional.

 

 

5 TOMBAMENTO: UM MECANISMO DE PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL, ARTÍSTICO, TURÍSTICO E PAISAGÍSTICO NACIONAL

 

 

Tombar é o ato pelo qual se inventaria os bens de raiz com as suas demarcações, com o objetivo de preservar, defender e conservar o bem de interesse público. José Cretella Júnior (2003, p. 134) conceitua tombamento como uma:

 

Restrição parcial ao direito de propriedade, realizada pelo Estado com a finalidade de conservar objetos móveis e imóveis, considerados de interesse histórico, artístico, arqueológico, etnográfico ou bibliográfico relevante. Restrição parcial do direito de propriedade localiza-se no início de uma escala de limitações em que a desapropriação ocupa o ponto extremo.

 

Ao analisar a definição acima, podemos conceituar que a restrição a qual se impõe o tombamento trata-se de uma restrição parcial, ao passo que há um limite ao poder de propriedade que se dá em função da proteção da coletividade, tendo em vista que o proprietário não pode dispor do bem da forma que bem entender, pois toda propriedade tem uma função social que deve ser respeitada pelo seu possuidor.

Ainda assim, o tombamento tem o intuito de proteger o valor histórico, artístico ou cultural de determinado prédio, sendo limitado ao proprietário o direito de modificar o seu próprio bem.

Entende-se que o tombamento é de fundamental importância para se representar e guardar a história de um lugar, mantendo vivos os acontecimentos passados.

Indiscutivelmente, quando o Estado intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio cultural, pretende preservar a memória nacional, já que cabe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional.

A Constituição Cidadã de 1988 permitiu a intervenção do Estado na propriedade, dando suporte a essa possibilidade quando existir tal necessidade. Ao mesmo tempo, garantiu o direito de propriedade (art. 5, XXII), desde que este esteja condicionado ao atendimento de sua função social (art.5, XXIII).

Sem sombra de dúvidas, a defesa do patrimônio cultural é matéria de interesse geral da coletividade. Logo, para que a propriedade privada atenda a sua função social, necessário se faz que os proprietários se sujeitem a algumas normas restritivas no que se refere ao uso dos seus bens, impostas pelo poder Público.

Desta forma, a propriedade não mais se caracteriza como direito absoluto, como ocorria no período medieval. Atualmente, o direito de propriedade só é legítimo diante do atendimento da sua função social, ou seja, diante do exercício do direito de propriedade ao bem-estar social. Se a propriedade não atende a sua função social, deve o Estado intervir para adequá-la a essa nova realidade.

Assim, o proprietário não poderá, em nome de interesses particulares ou pessoais, usar e fruir livremente de seus bens se estes traduzirem interesses públicos relacionados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística. Afinal, esses bens embora permanecendo na propriedade do particular, serão protegidos pelo Poder Público, que, para esse fim, imporá restrições quanto a seu uso pelo proprietário.

Ao intervir na propriedade privada, o Estado também intervém nos direitos inerentes à mesma, como o gozo, fruição e disposição desses bens.

Com efeito, o direito de propriedade, apesar de ter sido elevado à categoria de direito fundamental na Carta Magna, como direito fundamental da pessoa humana e garantia inviolável e sagrada da liberdade individual, não é absoluto.

Como bem expõe MARMELSTEIN (2008, p. 367), na doutrina constitucionalista nenhum direito fundamental é absoluto, haja vista as normas constitucionais serem proporcionalmente contraditórias, já que refletem as diversidades ideológicas típicas de qualquer Estado Democrático de Direito.

A esse respeito, MARMELSTEIN (2008, p. 368) afirma que:

 

[...] há a possibilidade de limitação dos direitos fundamentais, inclusive o STF já decidiu que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

 

Mister observar que o direito de propriedade, assim como os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Carta Magna, não são, portanto, ilimitados, pois os mesmos encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Constituição Federal.

Por outro lado, mesmo que o tombamento seja uma invasão do poder público no patrimônio particular, esta invasão não é total, mas sim parcial, desta forma, mesmo que o tombamento limite o direito à propriedade, não o restringe inteiramente e, ainda assim, tem a prerrogativa de satisfazer a maior parcela da sociedade em detrimento da minoria.

 

 

5.1 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO E SUA IMPORTÂNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

 

É de extrema importância o instituto do tombamento na proteção dos monumentos históricos brasileiros, haja vista se constituir esse instituto num escudo para o país conservar a sua história. Salienta-se que, em muitas cidades brasileiras, não existe nenhum tipo de trabalho realizado em relação a tombamentos, sendo que a competência para restauração e conservação de muitos monumentos é uma tarefa do Estado. Do tombamento, por sinal, resultam para o proprietário obrigações positivas e negativas (fazer e não fazer, respectivamente), ao passo que, para a Administração cria obrigações essencialmente de fazer.

O tombamento poderá ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental, como fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas e cascatas. E somente será aplicado aos bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva.

Ainda que um bem seja tombado, este poderá ser alugado ou vendido desde que continue sendo preservado. Não existe, desta forma, qualquer impedimento para a venda, aluguel ou herança de um bem tombado. Caso haja a venda do bem, deve ser feita uma comunicação prévia à instituição que efetuou o tombamento, para que esta manifeste seu interesse ou não na compra do mesmo.

Cumpre salientar que o tombamento é sempre uma restrição parcial, não impedindo ao particular o exercício dos direitos inerentes ao domínio, por essa maneira, não implica, em regra, direito à indenização, para fazer jus a uma possível compensação pecuniária, o proprietário do bem deverá demonstrar que efetivamente sofreu algum prejuízo em decorrência do tombamento.

A conservação e reparação do bem tombado cabem ao proprietário, salvo se comprovar que não dispõe dos necessários recursos, conforme estabelece o art. 19 do Decreto-Lei federal n. 25/37. Logo, quando o proprietário do bem tombado não tiver condições financeiras para manter o bem, os serviços de conservação e recuperação caberão ao Poder Público autor do tombamento.

Desta maneira, contra o ato de tombamento pouco ou quase nada pode ser alegado pelo proprietário, a menos que haja a efetiva falta de interesse público, consubstanciado na inexistência de valor histórico, cultural, artístico, turístico ou paisagístico sobre o bem, assim como a incompetência da entidade promotora do tombamento e a inobservância do devido processo administrativo de tombamento, questões essas que podem ser arguidas em Juízo ou administrativamente, visando, em último caso, obstar o tombamento.

Quando se fala em proteção do patrimônio histórico-cultural, é importante conceituar o que seria esse patrimônio cultural. Assim, pode-se conceituar patrimônio cultural, nos termos do art. 216 da CF/88, como aquele composto pelo conjunto dos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Entre os bens que compõem o patrimônio cultural brasileiro, destacam-se: a) as formas de expressão; b) os modos de criar, fazer e viver; c) as criações científicas, artísticas e tecnológicas; d) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Sendo assim, pode-se entender que a palavra patrimônio pode ter vários significados. Um destes é construído para ser uma representação do passado histórico e cultural de uma sociedade, herança familiar, bens culturais.

Como já salientado anteriormente, uma das formas de proteção do patrimônio histórico-cultural brasileiro é o tombamento. Todavia, a Carta Magna de 1988 também prevê outros mecanismos de proteção desse patrimônio como a ação popular, prevista no art. 5º, LXXII, da Constituição Federal de 1988, que estabelece:

 

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

 

Pode-se afirmar que Constituição Federal de 1988 elencou o tombamento (instrumento administrativo) juntamente com a ação popular (instrumento jurídico-processual) como mecanismos de proteção plena desses monumentos histórico-culturais, objetivando a defesa dos interesses da sociedade.

É importante salientar que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, além do que apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

O Estado brasileiro protegerá, desta forma, as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, além daquelas de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. E tal autorização foi reafirmada na Constituição Federal de 1988, que elencou a importância do tombamento como um instrumento legal de preservação dos bens culturais, ampliando a responsabilidade do poder público, com o apoio da comunidade, de promover e proteger o patrimônio cultural, além do tombamento, através de outras formas de acautelamento e preservação, como o inventário, registro, vigilância e desapropriação.

O tombamento é um instrumento de materialização da cidadania e os bens que possuam algum valor artístico, histórico e cultural precisam ser preservados como garantia de preservação da própria cultura ou da vida, em seus sentidos mais amplos.

Ainda, como qualquer outra Lei seja Federal, Estadual ou Municipal, o tombamento implica restrições às vontades individuais que ameacem um bem de interesse público, com o intuito de resguardar e garantir direitos e interesses da coletividade. Tal ato não é arbitrário, nem muito menos autoritário, porque, afinal, sua aplicação é executada por representantes da sociedade civil, sendo consultado um Conselho do Patrimônio Cultural composto de representantes das várias dimensões sociais e de órgãos públicos com poderes estabelecidos pela legislação.

 Portanto, qualquer cidadão tem o direito de solicitar o tombamento e outras formas de proteção dos bens que considere de valor histórico, artístico, arquitetônico, ambiental ou afetivo para a sua cidade, cabendo aos órgãos técnicos a apreciação dos pedidos e o desenvolvimento dos estudos necessários para esse fim.

Além disso, a Lei nº 7.347 de 1985, que disciplina a ação civil pública, dispõe no seu artigo 6º:

 

Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção;

 

Ademais, a mesma lei permite que instituições, governamentais ou não, e associações comunitárias proponham a ação civil pública, visando à punição dos responsáveis pelos atos lesivos ao patrimônio cultural e natural, cabendo inclusive a exigência de reparação dos danos causados.

Existem algumas críticas com relação ao instituto do tombamento, todavia, como qualquer outro ato, o tombamento precisa ter um justificação legal, proporcional e plausível, haja vista envolver interesse público em detrimento de interesses de particulares. Contudo, é de extrema importância que haja preservação dos patrimônios, para que esses sejam transmitidos para outras gerações.

Enfim, o tombamento não tem por objetivo "parar" o crescimento da cidade ou outro bem. Tombar não significa, necessariamente, apenas paralisar ou perpetuar edifícios ou áreas, sem considerar toda e qualquer obra que venha a trazer benefícios para a melhoria da vida na cidade. Diante desta realidade, preservação, revitalização e valorização de áreas são atitudes que se complementam e, juntas, podem valorizar bens que se encontrem ameaçados ou deteriorados interferindo na qualidade de vida de toda a coletividade.

 

 

6 COMPETÊNCIA, NATUREZA JURÍDICA, PROCEDIMENTO E CLASSIFICAÇÃO DO TOMBAMENTO

 

 

Apesar do tombamento ser uma intervenção do Estado na propriedade privada, tal interferência mostra-se necessária para que haja a proteção e preservação de bens materiais e imateriais de interesse nacional.

Assim, objetiva-se com o tombamento, a preservação, através de legislação especifica, de bens com valor cultural, artístico, histórico, paisagístico, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser demolidos, destruídos ou mutilados. Logo, o tombamento, juridicamente falando, impede a destruição do bem.

Quanto a competência para instituir o presente instituto, consoante preconiza o art. 23 da Constituição Federal de 1988, inclui-se entre as funções de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, a proteção dos documentos, obras e outros bens de valor históricos, artísticos e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.

O art. 24 da Constituição Federal conferiu à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural, artísticos e paisagísticos, o que significa que a União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, exercendo os Estados, desta forma, a competência suplementar, na forma dos §§ 1º a 4º do art. 24.

Neste diapasão, o tombamento poderá ser realizado pela União - por intermédio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo Governo Estadual-, ou ainda por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado ou pelas administrações municipais, utilizando, para isso, leis específicas ou a legislação federal.

Neste sentido, consoante o § 1º do art. 216 da Constituição, o instituto do tombamento tem por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional. Ademais, o dispositivo ainda prevê a desapropriação, que será utilizada quando a restrição afete integralmente o direito do proprietário, ao passo que o tombamento é sempre uma restrição parcial, conforme se verifica pela legislação que o disciplina. 

Aliás, se o tombamento acarretar a impossibilidade total de exercício dos poderes inerentes ao domínio, será ilegal e implicará desapropriação indireta, dando direito a indenização integral dos prejuízos sofridos.

É cediço na doutrina e jurisprudência que o Estado também age sobre bens alheios, de particulares ou de outros entes públicos. Neste sentido, o tombamento é um ato de intervenção branda do Estado na propriedade privada, tendo, inclusive, regramento próprio, qual seja, o Decreto 25 de 1937, possuindo, assim, características peculiares quanto a sua classificação e natureza jurídica.

Alguns autores defendem que o ato que institui o tombamento é vinculado, outros não entendem dessa forma, pois acreditam que o ato é discricionário do Poder Estatal. Discordâncias a parte, nessa linha de raciocínio, se o bem for considerado de elevado valor histórico, artístico, cultural e paisagístico pelo órgão técnico competente, outra alternativa não terá o Poder Público a não ser tombar o bem, por isso que alguns estudiosos defendem a vinculação do ato de tombar.

Todavia, há entendimento contrário a esse posicionamento anteriormente esboçado, no sentido de que o ato de tombar é discricionário da Administração Pública. Dessa forma, os bens que possuírem valor histórico-cultural só serão passiveis de proteção quando submetidos ao crivo de discricionariedade do poder público. Logo, o fato de um bem ser reconhecido como patrimônio histórico, artístico, cultural e paisagístico, não obrigaria o Estado a tombá-lo, até mesmo porque haveria um juízo de mérito sobre essa decisão de tombar ou não o bem.

Quanto a natureza jurídica, no entender de Celso Antônio Bandeira de Mello, o tombamento tem natureza jurídica de servidão administrativa. Cretella Júnior, considera o tombamento como limitação administrativa. Todavia, ainda existem opiniões divergentes acerca do instituto em questão. Neste diapasão, José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 652) não classifica o tombamento como servidão administrativa nem como limitação administrativa, pois o tombamento tem características próprias, específicas que o diferencia, logo, incide apenas sobre determinados bens discriminados no competente ato.

Apesar das divergências doutrinárias, o tombamento pode sim ser considerado uma servidão administrativa e, sendo um ônus real imposto especificamente a uma propriedade definida, para possibilitar serviço ou utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivos.

No que tange a proteção do patrimônio histórico, cultural e artístico nacional, quanto ao órgão que fiscaliza e executa o instituto do tombamento, surge a figura do Iphan. O Iphan é um órgão vinculado ao governo federal, que teve a sua criação decorrente do artigo 216 da CF/88. Neste sentido, quanto a sua origem, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi criado em 1937 pela Lei nº 378, no governo de Getúlio Vargas, sendo posteriormente promulgado o Decreto-Lei nº 25/1937, que organiza a “proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”.

O processo de tombamento, se dá após avaliação técnica preliminar, quando é submetido à deliberação das unidades técnicas responsáveis pela proteção aos bens culturais brasileiros. Em sendo aprovada a intenção de proteger um determinado bem, seja cultural ou natural, é expedida uma notificação ao seu proprietário. A notificação significará que o bem já se encontra sob proteção legal, até que seja tomada a decisão final, isso depois de o processo ser devidamente instruído, ter a aprovação do tombamento pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural e a homologação ministerial publicada no Diário Oficial. O processo finalmente termina com a inscrição no Livro do Tombo e a comunicação formal do tombamento aos proprietários.

Ainda assim, o tombamento também pode ocorrer em escala mundial, reconhecido como Patrimônio da Humanidade, o que é feito pelo ICOMOS/UNESCO.

O Decreto-Lei nº 25/1937 estabelece uma diferença entre o tombamento dos bens que compõem o patrimônio histórico e artístico nacional. Sendo assim, quando o tombamento se der de ofício referente aos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.

Todavia, se tombamento for de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado, este será feito de forma voluntária ou compulsoriamente.

Ademais, o tombamento voluntário será feito sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a critério do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.

Cumpre ressaltar, por outro lado, que o tombamento compulsório será realizado quando o proprietário se recusar com a inscrição do bem. Há de se registrar que o processo de tombamento deverá obedecer ao princípio do devido processo legal.

Com relação aos efeitos do tombamento, este repercute na alienabilidade das obras históricas e artísticas de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado. Dessa forma, a propriedade sofrerá sim, com algumas restrições. Outro aspecto de suma importância está relacionado ao fato de que os bens tombados não poderem, em nenhuma hipótese, serem destruídos, demolidos ou mutilados.

Além disso, inexistindo prévia autorização legal, os bens tombados não poderão ser reparados, pintados ou restaurados, sob pena de multa de 50% do dano causado. É importante destacar que se os bens forem pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela destruição, mutilação ou demolição do bem tombado incorrerá pessoalmente na multa. Ainda assim, sem prévia autorização, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandado destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de 50% do valor do mesmo objeto.

Outro aspecto a ser abordado, relaciona-se ao fato de o proprietário da coisa tombada não poder arcar com a manutenção e reparação do bem em virtude da falta de recursos financeiros, quando este não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação do bem, logo, aquele deverá levar ao conhecimento do Iphan a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.

Neste sentido, quando a comunicação for recebida, e se for considerada necessárias as obras, o diretor do Iphan mandará executá-las, com recursos da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de 06 (seis) meses. Se assim não for, iniciar-se-ão as providências voltadas à desapropriação da coisa. À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, autorizará o proprietário a requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.        
            Ainda com relação ao Decreto-Lei nº 25/1937, outra forma de proteção do patrimônio histórico consiste na vigilância, haja vista o bem, mesmo tombado, ainda ficar sob a vigilância permanente do Iphan, que poderá inspecioná-los sempre que for conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa.

Ademais, o Decreto-Lei nº 25/1937 ainda confere direito de preferência à União, aos Estados e Municípios, nesta ordem, para adquirir os bens tombados objeto de alienação onerosa. Dessa maneira, a alienação dos bens tombados pertencentes a particulares não será permitida, sem que sejam os bens oferecidos previamente, pelo mesmo valor, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem.

O tombamento é, portanto, um importante instrumento na proteção e defesa dos bens com valor artístico, histórico, cultural e paisagístico, pois sem o ato de tombar, tais bens estariam desprotegidos e poderiam vir a desaparecer do cenário nacional, logo, essa proteção se faz necessária, tendo em vista sua importância na conservação dos bens materiais e imateriais de interesse público que compõem o acervo histórico-cultural do país, por vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico.

 

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

Sem sombra de dúvidas, quando o Estado intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio que tem uma importância cultural, pretende preservar a memória nacional, já que cabe ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional.

A defesa do patrimônio com valor cultural, histórico, artístico e paisagístico é matéria de interesse geral da coletividade. Logo, para que a propriedade privada atenda a sua função social, necessário se faz que os proprietários se sujeitem a algumas normas restritivas no que se refere ao uso dos seus bens, impostas pelo poder Público.

No atual estágio constitucional, aliás, o Estado assume o dever legal de preservar e proteger o patrimônio histórico e cultural nacional, e desse dever ele não pode fugir.
            Destarte, de um modo geral, qualquer atitude de respeito para com a coletividade e para com a cidade traz um valor positivo que, sem dúvida, ajuda a preservar o que há de melhor no lugar em que se vive.

A sociedade precisa pensar no futuro com responsabilidade, preservando a memória do país e defendendo os interesses da coletividade por um meio ambiente equilibrado, começando por não depredar monumentos históricos nem equipamentos de utilidade pública, não jogar lixo nas ruas, denunciar ocupações em áreas de proteção ambiental ou de risco, fiscalizar e protestar contra construções ou intervenções que interfiram no equilíbrio da paisagem, não desmatar sem autorização dos órgãos públicos.

Sendo assim, é preciso esclarecer que aquele que ameaçar ou destruir um bem tombado está sujeito a processo legal que poderá definir multas, medidas compensatórias ou até mesmo a reconstrução do bem como estava na data do tombamento.

A defesa e proteção do patrimônio está diretamente vinculada à melhoria da qualidade de vida da população, pois a preservação da memória, dos referenciais culturais, é uma demanda social tão importante quanto qualquer outra a ser atendida pelo serviço público. Logo, ao proteger um patrim

Assuntos: Direito Administrativo, Direito Civil, Direito processual civil

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