Responsabilidade Civil no Ciberespaço

10/05/2013. Enviado por

Toca a responsabilidade civil na Internet: quais as fontes jurídicas, sua incidência no plano contratual e extracontratual. Indaga sobre a aplicação das normas comuns, na falta das específicas. Traça alguns casos de responsabilidade dos provedores.

INTRODUÇÃO

É sempre um desafio falar de direito cibernético. E a razão é uma só: a tímida regulamentação do tema na legislação brasileira. Força é convir: enquanto não existirem leis sobre o assunto, por mais doutrina ou jurisprudência que haja, não haverá critérios seguros para guiar os aplicadores do direito. Apesar de os Tribunais já virem formando um cumulativo de decisões abordando a cibernética, de ver-se que isso só não é o bastante, pois nossos órgãos não atuam apenas com base em precedentes. No sistema romano-germânico, que adotamos, a principal fonte formal do direito é a lei.  Contudo, na gradatividade que marca a gênese jurídica, o incremento dessas tecnologias só poderá levar à sua devida regularização, e aí então já fornecerão doutrina e jurisprudência as bases conceituais para a criação de normas de amplo alcance.

Pois bem, enquanto isso não chega, a solução mais viável é buscar, dentro do arcabouço legal existente, as regras que possam se aplicar aos casos surgidos no espaço virtual (analogia), juntamente com as já importantes contribuições que a Dogmática está trazendo para esse plano, e, é claro, as orientações que os Tribunais vêm formando.

É este o rumo que a atividade jurisdicional tem tomado, no trato com as relações jurídicas da cibernética. O mais interessante é ver que elas se aprimoram, dia a dia, independentemente da falta de leis, tal porque, no mundo virtual, os contatos ocorrem mais rapidamente, para atingir logo o resultado; poucas formalidades, menos tempo gasto. E toda essa gama de tecnologias só ganha real efetividade na rede mundial de computadores, a rede de informação e interação humana por excelência. É aí que se dá o matiz mais preciso das relações de direito, pois é o momento em que os titulares interagem.

Responsabilidade Civil é um corolário do complexo direito-obrigação que se forma na esfera cível. Por meio dela, quem fere o direito de outrem, fica sob o dever de lhe ressarcir pelo dano causado, ou, se possível, trazer a situação ao status quo ante. Se, na seara cibernética, mais especificamente, na Internet, ocorrem situações capazes de influenciar o cabedal de direitos e deveres do indivíduo, há então que se falar de responsabilidade aí

Como de costume no estudo da Responsabilidade Civil, ei-la que se biparte em Contratual e Extracontratual (aquiliana), bem como Objetiva e Subjetiva. Ora, como as relações comerciais ganharam uma profusão inumerável naquele meio, não menos acompanhadas pelas relações extra-comerciais, poder-se-á, destarte, estudar no plano digital essas mesmas dicotomias e como elas são jurisdicionalmente efetuadas. Disso já se tem até um bom vislumbre, porquanto dos comentários tecidos acerca da pífia legiferância sobre o assunto.        

CIBERESPAÇO: (IR)RESPONSABILIDADE CIVIL?

Em curtíssimo lapso de tempo, a rede mundial de computadores passou a fazer parte das vidas de milhões de pessoas, em razão do alto poder de comunicação que ela detém, permitindo a todos um intercâmbio que vai além da palavra escrita, para chegar à transmissão de sons e imagens em tempo praticamente real. Esse feixe inesgotável de possibilidades interativas logo passou a servir a muito mais do que mero entretenimento, e então pôde se ver nesse meio a realização das mais diversas atividades, com especial destaque para a prestação de serviços, entre os quais está, aliás, a própria conexão à Internet (access providers). Tal amplitude de interferência no cotidiano das relações humanas não poderia levar a outra conseqüência senão à afetação das relações jurídicas.

 Não demorou nada para as relações comerciais ganharem terreno na Internet, e isso se desenvolveu celeremente, graças à praticidade e informalidade com que os contratos ali são feitos, além da atual e concomitante infra-estrutura de transportes e telecomunicações que dá suporte à obtenção dos produtos oferecidos. Com toda essa proliferação, é de estranhar-se que não haja no sistema legal deste país nenhuma norma específica no assunto, seja no CDC (Código de Defesa do Consumidor) ou na legislação civil vulgar – o que não impede de que haja projetos em tramitação no Congresso, visando à sua posterior regularização. Valem, assim, para as relações mercantis do plano digital as mesmas regras contratuais aplicáveis aos demais casos, quando da relação de consumo travada entre brasileiros.

Quando se tratar de relação de consumo eletrônico internacional, a norma que se deve aplicar é o art. 9º, §2º da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil): ela indica na relação como válida a lei do domicílio do proponente. Assim o entende Carlos Roberto Gonçalves[1]: “Por essa razão, se um brasileiro faz a aquisição de algum produto oferecido pela Internet por empresa estrangeira, o contrato então celebrado rege-se pelas leis do país do contratante que fez a oferta ou a proposta”. Desta forma, sendo o fornecedor domiciliado no Brasil, terá que se sujeitar às normas da Legislação Consumerista, esteja ou não o adquirente aqui. Não havendo, no exterior, norma protetiva que corresponda à do sistema brasileiro – como, por exemplo, aquela norma que trata da proibição de venda condicionada ao fornecimento de outro produto ou serviço que não aquele em destaque (CDC, art. 39, I) –, ficará o consumidor que contratar com fornecedor estrangeiro sem o devido resguardo daqueles direitos. Enfim, de ressaltar que mesmo havendo norma tutelar, a responsabilidade fica quase sempre com o fornecedor, já que nem sempre o sítio que veicula o anúncio pode conferir a veracidade das declarações, e muito menos o provedor de acesso, porque este só disponibiliza os meios para a conexão em rede.   

Como visto, no terreno contratual as normas que se aplicam o fazem por analogia, já que não há disposições expressas sobre comércio em rede eletrônica. No extracontratual, a situação daí também não passa. Aqui, como é sabido, impera a responsabilidade subjetiva na maioria dos casos, com a devida prova do dano e da culpa ou dolo do agente. É o que acontece, segundo Carlos Roberto Gonçalves[2], nos casos da (re)transmissão de vírus: “...demonstrada a culpa ou dolo do agente e identificado o computador, presume-se que o proprietário do equipamento, até prova em contrário, é o responsável pela reparação dos prejuízos materiais e morais, nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal”. No caso de vírus transmitido pelo computador do provedor de acesso para o de usuário, aí então teríamos responsabilidade objetiva. Trata-se de relação de consumo com base em serviço defeituoso que obriga o fornecedor a indenizar.

Ainda na esfera aquiliana, no que tange às mensagens de conteúdo ofensivo, tem-se a Lei de Imprensa (5250/67) como referência; esta responsabiliza, caracterizado o ilícito, não só os agressores, mas também aqueles que dão suporte à divulgação, à semelhança dos editores e empresas de comunicação. Caso que chama a responsabilidade objetiva é o dos information providers, páginas que divulgam conteúdo informativo próprio ou de terceiros (neste caso, em forma de link). De acordo com Antônio Jeová dos Santos[3], a transmissão de tais conteúdos gera um risco para quem os aloja: “tanto aos conteúdos próprios como aos conteúdos de terceiros, aqui estabelecidos como diretos e indiretos, respectivamente. Quando ocorre o conteúdo próprio ou direto, os provedores são os autores. As notas ou artigos foram elaborados pelo pessoal da empresa que administra o provedor. A respeito dos conteúdos de terceiros ou indiretos, também são responsáveis de forma objetiva, já que antes de realizar o link a outra página ou site, necessariamente, teve que ser analisada ou estudada. De maneira tal que, ao eleger livremente a incorporação do link, necessariamente tem que ser responsável por isso”.

O caminho encontrado pela jurisprudência para situações como a relatada acima é, como já ponderado, a aplicação da Lei de Imprensa, na medida em que esses meios digitais (information providers) podem perfeitamente se equiparar aos jornais, revistas e periódicos. Neles, ficam responsáveis não só os autores dos textos, como também os editores e o próprio veículo informativo. A Súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça, em tratando de matéria de imprensa, também se adéqua ao caso, pois mostra que a responsabilidade está além dos autores dos escritos, atingindo os que arcaram com a divulgação. Quem quer que disponibilize informações, de seu pessoal ou dos outros, está sobre a linha de risco de responder por aquilo, pois a informação veiculada passou pelo seu crivo, ou se presume que conheça o autor e concorde com os seus pontos de vista. Por que deveria ser diferente no meio cibernético?

Este mesmo autor mencionado aponta dois casos diferentes deste último (provedores de informação), nos quais a forma em que se dá o serviço acaba afastando a característica objetiva da responsabilidade. São os access providers e os hosting service providers. Os primeiros apenas colocam o usuário no ambiente da rede, conectando-o à Internet; os segundos são os hospedeiros dos sites e páginas, conferindo o suporte tecnológico onde elas são montadas, e a partir do qual ficam disponíveis na rede. Esses hospedeiros (hosting) poderiam até ser responsabilizados, mas somente depois do conhecimento da ofensa praticada pelas páginas que abrigam, quando então teriam um tempo para providenciar a sua retirada. Teríamos aí a responsabilidade em seu contorno subjetivo: “A responsabilidade decorre do fato de que, alertados sobre o fato, preferem manter a página ou site ofensivo. Se não derem baixa, estarão atuando com evidente culpa e sua responsabilidade é solidária com o dono da página ou sítio”[4]. Os provedores de acesso, aqueles que põem o usuário em conexão com a rede são apenas fornecedores do ciberespaço; sua função é totalmente distinta da dos outros, pelo que não há como enxergar qualquer nexo causal entre o serviço que prestam e as injúrias propagadas. Se, quanto aos provedores de informação, predomina a objetividade, e quanto aos hospedeiros, vigora a subjetividade da obrigação, aqui nem mesmo em obrigação há que se falar, pois carece de um de seus elementos integrantes (nexo).    

CONCLUSÃO

Ante as considerações traçadas, fica patente a variedade de formas em que a obrigação se desdobra no ciberespaço, de sorte que é possível dizer que, em matéria de Internet, não há só um padrão de responsabilidade. Na verdade, depende do serviço que é oferecido pelo povider, porque é a partir daí que se poderá lobrigar qual a chance de envolvimento com o caso. Aquele que meramente fornece as vias de conexão não tem como interceptar e analisar todos os dados que transitam em seus cabos – isso, pelo menos, no estágio atual de desenvolvimento da tecnologia digital. Há, todavia, circunstâncias que se equiparam à relação consumerista prevista pela Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor); outras já se equiparam àquelas arroladas na Lei de Imprensa. Para casos como esses dois últimos, a natureza do serviço desenvolvido permite o enquadramento nos critérios objetivos da responsabilidade.

Toda essa abrangência temática requer estudos mais percucientes, que obviamente servirão para elaboração de lege ferenda. Frise-se também que, em virtude da rapidez da evolução tecnológica, formar-se-ão novas situações que vão exigir diferentes abordagens, o que pedirá uma postura ágil da Dogmática, a fim de compreender esses meandros e ditar suas conseqüências jurídicas.

Enfim, tem-se aqui um fato que ainda não pôde ser abarcado pela norma jurídica, in specie, sendo o exposto apenas matéria doutrinária, e não propriamente de direito, abstração feita da legislação aplicada analogicamente. Como essas inovações se multiplicam a cada dia, e com uma praticidade tal que as permite ser aplicadas de imediato, cogitar-se-ia: não seria o Direito Consuetudinário o mais apropriado para a sua regulamentação, já que desprendido este das formalidades legislativas e meramente nascido da prática cotidiana?  



[1] Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 123.

[2] Op. cit., p. 124. 

[3] Dano Moral na Internet. São Paulo: Método, 2001, p. 119. apud GONÇALVES, op. cit., p.125.

[4] Ibidem, p. 122. apud GONÇALVES, p. 126.

 

REFERÊNCIAS

 

1 – GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, 10ª Edição.

2 – SANTOS, Antônio Jeová dos. Dano Moral na Internet. São Paulo: Método, 2001. Apud GONÇALVES, op. cit.

Assuntos: Direito Civil, Direito e Internet, Direito processual civil

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